A disparada nos juros pelo Banco Central e a renda desabando levou ao aumento da inadimplência, seja das famílias brasileiras e das empresas. A expectativa de representantes de entidades que analisam dados de dívidas em atraso junto a consumidores apontam que a situação vai se agravar.

“Com a inflação, as pessoas perderam o poder de compra, especialmente as de menor renda, e isso afeta diretamente a inadimplência. A primeira coisa que eles deixam de pagar é o cartão, porque precisam priorizar as contas básicas, comprar comida”, diz Matheus Moura, gerente da Serasa, em reportagem do Valor Econômico sobre inadimplência.

O aumento dos juros básicos da economia (Taxa Selic) teve início em março de 2021 e em março deste ano chegou a 11,75% ao ano. A maior taxa em cinco anos, com o país mal saindo do auge da pandemia, as famílias com orçamento corroído por uma inflação em disparada e cerca de 40 milhões de brasileiros no subemprego.

A produção industrial, as vendas no comércio varejista e o setor de serviços iniciaram o ano, ou em queda, ou patinando em torno se zero. As famílias recebendo menos que a inflação e as contas subindo: de luz, de gás, de combustível, aluguel, remédios.

De acordo com dados da Serasa, houve aumento de 0,54% no número de endividados na passagem de janeiro para fevereiro, chegando a 65,17 milhões de pessoas, o maior nível desde maio de 2020. As principais dívidas são: banco/cartão (28,6%), contas de consumo (23,2%) e varejo (12,5%).

Segundo dados mais recentes do Banco Central, as linhas de crédito com recursos livres, a inadimplência subiu para 4,6% em janeiro para as famílias e 1,6% para empresas.

Já os números da consultoria Boa Vista retratam a inclusão do nome de clientes que atrasaram o pagamento tanto de financiamentos bancários como de outros compromissos, como as contas de consumo, crediário ou fatura de cartão de crédito, e apontam que o número de inadimplentes subiu 5,1% em março em comparação a fevereiro (dados dessazonalizados).

No primeiro trimestre, houve um aumento de 9,2% no número de registros em comparação ao mesmo período do ano passado e de 6,7% em comparação ao quarto trimestre de 2021.

No rotativo do cartão de crédito, a inadimplência já está em 36,2%, maior nível desde outubro de 2020. “A inadimplência vai crescer, resta saber com qual velocidade. Os contratos que receberam pausas na pandemia começaram a entrar em inadimplência [acima de 90 dias de atraso] no primeiro trimestre”, afirma Michael Burt, da LCA.

A combinação de juros altos e renda corroída pela inflação, mais o desemprego persistente na faixa de 12 milhões de pessoas, com a carestia penalizando as famílias de renda muito baixa, apontam que a capacidade de pagamento das famílias está ficando bastante prejudicada.

E não há perspectivas de que esses fatores melhorem no curto prazo, antes das eleições. O governo do Jair Bolsonaro mantém descontrolados os elementos que estão gerando ou alimentando a crise da economia.

Sobre o aumento nos preços dos combustíveis, não se altera a política de preços da Petrobrás. Quanto aos alimentos, o país segue sem os estoques reguladores e as exportações disparam.

Pelo lado do desemprego, desde o início do seu governo, com o ministro Paulo Guedes na Economia, o investimento público foi abandonado e, consequentemente, os investimentos privados minguaram, impedindo a geração de empregos, enquanto as pessoas são empurradas para a informalidade. Nem emprego, nem renda.

Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o Brasil registrou o maior número de famílias com contas atrasadas em 12 anos. Ao todo, 27% dos consumidores estavam nessa situação em fevereiro.

Para Felipe Salgueiro, sócio responsável pelas operações de créditos especiais e NPL da Multiplica Capital, está se desenhando um cenário de inadimplência em alta no segundo semestre deste ano e ao longo de 2023. “A gente ainda não percebeu a inadimplência da pandemia”, diz o executivo.

A disposição dos bancos em se antecipar a possíveis atrasos dos clientes não significa que o setor está preocupado em ajudar os consumidores inadimplentes, para isso bastava ter “juros civilizados”, querem é se livrarem dos “créditos podres”, empréstimos feitos a clientes e empresas vencidos há mais de 180 dias e de difícil recuperação.