Edifício-Sede do Banco Central do Brasil em Brasília

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou na quarta-feira (15), em evento promovido pelo BTG Pactual, que elevará ainda mais a taxa básica de juros da economia (Selic) a pretexto de controlar a inflação, uma medida ineficaz no geral e, particularmente, quando o surto inflacionário, como este que o Brasil vive, não é fruto do aquecimento da demanda. Ele é fruto da mão do próprio governo Bolsonaro, que permitiu que o real se desvalorizasse mais que as demais moedas em relação ao dólar, deu fim à política de estoques regulatórios de alimentos e elevou os preços dos combustíveis e da conta de luz.

Ao mercado financeiro, Campos Neto disse: “a gente tem um instrumento na mão que vai ser usado da forma como ele precisa ser usado e a gente entende que a gente pode levar a Selic até onde precisar ser levada para que a gente tenha uma convergência da meta no horizonte relevante”.

Na prática, ao elevar os juros, o BC está derretendo ainda mais o poder de compra da população e elevando o endividamento das empresas, pois as prestações dos financiamentos vão ser mais altas. Além disso, afasta os investimentos privados, que já são escassos no país por consequência da crise econômica e do clima de instabilidade criado pelos ataques à democracia promovidos por Bolsonaro.

Para o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), André Lara Resende, “a deterioração da conjuntura econômica, no Brasil de hoje, é resultado da crise política, da sensação de que o governo tem um projeto explicitamente antidemocrático e está disposto a sacrificar a economia e as instituições para colocá-lo em prática”. Para o economista, a “alta recente da inflação não tem nada a ver com descontrole fiscal”.

“Os preços das commodities subiram, os alimentos, o petróleo. O Banco Central deixou o real se desvalorizar mais do que outras moedas em relação ao dólar. E a pandemia desorganizou várias cadeias produtivas, provocando escassez de mercadorias”, ressaltou Lara Resende.

Na avaliação do economista José Luis Oreiro, o aumento dos juros não tem nenhum impacto sobre a inflação de alimentos, da energia elétrica ou dos combustíveis, mas é negativo sobre a economia.

“A inflação está de volta por fatores relacionados ao lado da oferta da economia. É uma inflação de custos, não é uma inflação de demanda”, declarou. “Nos últimos doze meses nós tivemos pressão inflacionária devido ao aumento dos preços dos alimentos, devido ao aumento do preço das commodities no mercado internacional, notadamente o petróleo, que tinha caído muito no início da pandemia do Covid-19, mas ele voltou a subir muito a partir do segundo semestre do ano passado em função da forte recuperação da economia chinesa e depois a forte recuperação da economia norte-americana”, disse Oreiro, lembrando também que no último período houve uma “fortíssima desvalorização da taxa de câmbio”.

“A combinação de inflação de alimentos junto com o aumento da demanda por alimentos a nível internacional em função da constituição de estoques precaucionais de alimentos por uma série de países, também o fim dos estoques reguladores da Conab, feito pelo Paulo Guedes em 2019, todos esses fatores contribuíram para a elevação dos preços dos alimentos”, ressaltou Oreiro.

O economista Nilson Araújo de Souza, ao analisar a explosão da inflação, destaca que diante da pressão inflacionária que ressurgiu no segundo trimestre de 2020, o governo Bolsonaro “em lugar de formar os estoques reguladores no primeiro semestre do ano passado para “desovar” na entressafra do segundo semestre, deixou a produção escapar para o exterior, reduzindo sua oferta no mercado interno”.

“A raiz do problema está na combinação entre o ultraneoliberalismo doentio, ou seja, a cegueira ideológica, e a irresponsabilidade da equipe de Guedes. Ao professar que cabe ao mercado – isto é, os cartéis – regular a produção, demitindo o Estado de cumprir seu papel nessa área, desmontou irresponsavelmente a política de estoques reguladores, que, desde os anos de 1960, vem regulando a oferta de alimentos no Brasil. Através dessa política, o governo garantia a compra antecipada de produtos agrícolas com o objetivo de manter a renda do agricultor e incentivar a produção e, no período de entressafra, ‘desovava’ os estoques entregando os produtos à rede de comercialização a fim de evitar a elevação dos preços”.

“É, portanto, uma política que protege simultaneamente a renda do produtor e o consumidor. Essa política, que começou a ser desmontada pelo governo Temer, foi simplesmente destruída pela equipe de Guedes, a qual chegou, inclusive, a fechar armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)”, desatou Araújo de Souza.

O economista Nelson Marconi também criticou a ação do BC afirmando que a elevação dos juros não irá combater a disparada da inflação que está trazendo “consequências muito nefastas para a população”.

“A taxa de juro exerce impacto muito pequeno. Ela poderia exercer via taxa de câmbio, mas o que nós estamos vendo é o câmbio subir junto com os juros”, afirma Marconi. “A influência forte sobre o câmbio vem das próprias bobagens do governo, da incompetência deles”, destacou o economista denunciando que “o governo desmontou os estoques reguladores de alimentos, que era uma coisa importante para controlar os preços, e faz uma política de preços em relação aos combustíveis que só interessa aos investidores na Petrobrás”.

“Eles estão preocupados em aumentar o lucro da Petrobrás, mas não em tratar a Petrobrás como uma empresa estratégica para o país, que seria muito importante porque ela gera insumos que ainda são fundamentais para toda a economia, e o terceiro ponto é a política energética”, diz Nelson Marconi.

Quem ganha neste cenário de juros altos são apenas os bancos, especuladores do setor financeiro e rentistas, que aumentarão ainda mais seus ganhos através dos juros da dívida pública. O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC se reúne em 21 e 22 de setembro. A expectativa do mercado é que a taxa de juros seja elevada 1 ponto percentual (p.p.), passando dos atuais 5,25% para 6,25% ao ano.