Juíza indicada por Trump à Suprema Corte é aprovada no Senado
Em breve cerimônia na Casa Branca, já prestou juramento na segunda-feira (26) e assumiu sua vaga na Suprema Corte dos EUA a arquirreacionária juíza Amy Coney Barrett, cuja indicação foi aprovada pela bancada de Trump no Senado a toque de caixa, atropelando tudo, das normas do Senado à moral e aos bons costumes, e a oito dias da eleição que decidirá o novo presidente norte-americano.
Barrett, aprovada por 53 a 48, substitui a juíza Ruth Bader Ginsburgh, ícone das conquistas dos direitos das mulheres desde os anos 1970 e da defesa dos direitos, e que fora aprovada por 96 a zero.
Com isso, no momento fica instaurada na Suprema Corte dos EUA uma maioria artificial de 6 a 3 contra a manutenção de direitos e liberdades, a dias das eleições onde todas as pesquisas apontam para uma renovação na Casa Branca e entre os integrantes do Senado norte-americano.
Ao ser inquirida no Senado, Barrett não conseguiu dizer se achava “constitucional ou não” a Previdência Social e a saúde pública – ou qualquer outro direito. Também se recusou a opinar se Trump poderia “adiar unilateralmente a eleição” ou se milícias armadas podiam “fiscalizar locais de voto”.
É a primeira confirmação do nome de um juiz da Suprema Corte com o apoio de um só partido desde o século XIX.
Enquanto priorizava abalroar tudo para nomear Barrett, o Senado sob Trump se recusou a discutir um plano de US$ 2 trilhões de ajuda às famílias, às pequenas empresas, aos estados, aos hospitais e à testagem, em função da pandemia. Uma única senadora republicana votou contra a nomeação de Barrett, Susan Collins, do Maine.
A premência em colocar alguém na Suprema Corte que garantisse o placar de 6 a 3 caso a eleição fosse parar na Justiça, como ocorreu em 2000 com W. Bush, ou seja, como Trump tem repetidamente ameaçado, foi expressa, logo após a morte da juíza Ginsburgh, pelo senador Ted Cruz, do Texas, um dos parlamentares mais reacionários da história do país.
Ao contrário de ser uma manifestação de força, a imposição às pressas de uma figura como Barrett, em tudo e por tudo o oposto da admirada magistrada Ginsburgh, é uma expressão do temor dos setores mais extremistas diante dos avanços das mobilizações contra a injustiça que tomaram as ruas e também as pesquisas.
“Nenhuma indicação até a posse”, exigiam manifestantes diante do Capitólio, o último desejo manifestado por Ginsburg. “Sem Justiça, sem Paz”, advertiram milhões de costa a costa nos protestos contra o racismo.
Há uma semana, cem mil mulheres foram às ruas de costa a costa contra a manobra de deformação da Suprema Corte e para homenagear Ginsburgh. Manifestos contrários a mais um magistrado reacionário na Suprema Corte obtiveram quase dois milhões de assinaturas. 5 mil juristas divulgaram carta de repúdio a Barrett.
Neste domingo, em mais de 100 cidades por todo o país mulheres foram às ruas repudiar a imposição da juíza escolhida a dedo por Trump. Em cada lugar, parte das manifestantes se vestiu com túnicas pretas com colarinhos brancos em homenagem à juíza RBG. Outras, zombando da devota Barrett, usavam túnicas vermelhas com gorros brancos, como as personagens da série “The Handmaid’s Tale.”
Em outros protestos, cartazes denunciavam que o trumpismo quer uma Suprema Corte que restaure as leis Jim Crow de uma forma ou outra e que normalize a supressão de votos. Líderes sindicais e entidades de direitos civis também condenaram o achincalhe.
Minutos antes do desfecho no Senado, o líder democrata Chuck Schumer havia comunicado aos republicanos que os aprendizes de feiticeiro terão o troco mais rápido do que pensam.
“Vocês podem ganhar esta votação e Amy Coney Barrett pode se tornar a próxima juíza da suprema corte, mas vocês nunca terão sua credibilidade de volta”.
Schumer reiterou que, tão logo o povo norte-americano devolva aos democratas a maioria no Senado, os republicanos não vão poder reclamar, já que terão, com sua intransigência, “perdido o direito de nos dizer como administrar essa maioria.”
Nas últimas semanas, a questão da perda, pelos republicanos, do Senado, passou a ser uma possibilidade real na eleição de 2020.
Também a senadora democrata e ex-pré-candidata a presidente, Elizabeth Warren, havia enfatizado na véspera que “a razão pela qual os republicanos estão dispostos a quebrar todas as regras para passar por uma indicação ilegítima oito dias antes da eleição é que eles perceberam uma verdade que os abala até o âmago: o povo americano não está do seu lado.”
No processo, ficou patente a falta de caráter do líder de Trump no Senado, Mitch McDonnell, que em 2016, quando o morto na Suprema Corte era um juiz conservador, bloqueou a indicação, dizendo que caberia “ao próximo presidente”, e agora faz exatamente o contrário. Com a diferença de que o juiz Scalia morreu em fevereiro e a juíza RBG, a um mês das eleições.
O currículo de Barrett – ou folha corrida seria mais oportuno? – inclui ter sido discípula do já citado Scalia, considerado enquanto viveu um conservador de quatro costados. Foi ex-estagiária no escritório de advocacia de James Baker, que obteve da Suprema Corte em 2000 a sentença contra recontagem de votos que deu a vitória no colégio eleitoral a W. Bush.
O frenesi de Trump pela indicação de Barrett era tanto, que até a festa de indicação nos jardins da Casa Branca em fins de setembro acabou sendo um ‘evento super disseminador’ da Covid. O próprio presidente foi contaminado.
A explicação para a pressa nas palavras do senador Cruz era que os republicanos não podiam se arriscar a chegar com uma Suprema Corte ‘4 a 4’ no dia da eleição. Provavelmente se referindo às pesquisas desfavoráveis a Trump e às ameaças do presidente bilionário de não reconhecer uma derrota, sob pretexto de “fraude pelo voto pelo correio”.
Ou seja, não havia como esperar, era urgente empacotar a Suprema Corte de forma a viabilizar o tapetão para manter Trump na presidência.
Nas audiências, Barrett também se recusou a expressar qualquer compromisso quanto a se declarar impedida caso a eleição seja levada à Suprema Corte.
A outra ameaça direta que advém da posse de Barret é referente ao Obamacare – e seu corolário, o direito de assistência para doenças pré-existentes – que está na pauta da Suprema Corte para o dia 10 de novembro.
“A Suprema Corte é frequentemente o último refúgio para justiça igualitária quando nossos direitos constitucionais são violados”, disse a companheira de chapa de Biden e senadora, Kamala Harris. A senadora acrescentou que Trump tentará “reverter direitos de americanos pelas próximas décadas”.
“Todo americano deve entender que, com essa nomeação, justiça igualitária dentro da lei está em jogo. Nosso direito ao voto está em jogo. Direitos dos trabalhadores estão em jogo. Direitos dos consumidores estão em jogo. Direito ao aborto seguro e legal está em jogo. E fazer as grandes corporações se responsabilizarem legalmente está em jogo”, afirmou Harris.
“Eles precisam dessa nona juíza, é por isso que há essa pressa toda”, assinalou o senador democrata Dick Durbin.
A derrubada do Obamacare implicaria em que milhões de famílias fiquem sem cobertura médica e em plena epidemia isso significa também que, quem adoecer de Covid – são sete milhões nessa condição – terá uma doença pré-existente, e ficará sem direito a atendimento.
É conhecida a crítica de Barrett à decisão do juiz John Roberts a favor do Obamacare, de quem disse ter “empurrado” a referida lei “além do seu significado plausível para salvar o estatuto”.
Parlamentares e lideranças pelos direitos civis têm denunciado o ataque sistemático do governo Trump e seus sequazes, que já permitiu que ele nomeasse 200 juízes federais, além desse assalto concentrado à Suprema Corte.
Para isso, eles reduziram de 60 votos para 51 votos o limiar de aprovação de juízes no Senado, a chamada “opção nuclear”, por violar as normas. No caso de Barrett, eles ignoraram, no Comitê Judiciário, a exigência de mínimo de dois oposicionistas para aprovação do nome.
Segundo o Washington Post, a “campanha de ativismo conservador operando nos bastidores para refazer os tribunais do país” envolve US$ 250 milhões. No esquema, como denunciou o senador democrata Shelton Whitehouse, estão os bilionários irmãos Koch, a Sociedade Federalista, a Rede de Crise Judicial, a Fundação Legal do Pacífico e a Donors Trust.
Foi Whitehouse quem revelou que outro mafuá, a Fundação Susan B Anthony, veiculou anúncios em defesa do nome de Barrett.
“US$ 250 milhões é muito dinheiro para gastar se você não estiver recebendo nada por isso. Isso levanta a questão: o que eles estão ganhando com isso?”, questionou o senador.
Apesar das lendas urbanas sobre a Suprema Corte norte-americana, foi graças à mobilização popular que juízes mais progressistas tiveram assento, permitindo tornar passado coisas tão absurdas quanto o apartheid e a supressão do voto negro, até a esterilização forçada – nos anos 20 – de mulheres consideradas deficientes mentais pelo movimento eugenista.
Nos anos 1930, o presidente Franklin Roosevelt teve muito trabalho com magistrados que tentavam minar as conquistas do New Deal.
Há poucos anos, a Suprema Corte liberou a interferência dos magnatas nas eleições, permitindo fazer chover dinheiro, sob a alegação de que constranger a compra de votos e consciências “violava o direito de livre expressão deles”.
O achaque deverá estimular mais pessoas a irem às urnas para tirar Trump da Casa Branca. Lideranças democratas e de entidades populares já vêm propondo vários caminhos para corrigir a artificial maioria dos reacionários na Suprema Corte.
Entre esses, o aumento do número de juizes, que já foi modificado algumas vezes, até alcançar o atual quadro de dez magistrados. Há quem proponha a fixação de um limite de anos para aposentadoria.
Biden anunciou na semana passada a formação de uma comissão para formular mudanças que impeçam que o povo norte-americano e seus direitos fiquem reféns de alguns juízes escolhidos a dedo para favorecer magnatas e seu círculo de misóginos, racistas, xenófobos e obscurantistas.
Mas, no momento, a melhor resposta à usurpação da Suprema Corte via Barrett é votar, votar muito contra Trump.