Bolsonaro e Russomano | Foto: Marcos Corrêa/PR

A Justiça negou o pedido do candidato Celso Russomanno (Republicanos) para se explicar sobre a infeliz frase de que os moradores de rua não pegam Covid-19 porque não tomam banho.

Ele disse esse absurdo na semana passada, durante reunião com empresários na Associação Comercial de São Paulo. “Talvez eles sejam mais resistentes do que a gente porque eles… eles convivem o tempo todo nas ruas, não têm como tomar banho todos os dias etc. e tal”, afirmou o candidato de Bolsonaro.

O juiz eleitoral, Renato de Abreu Perine, considerou que o candidato bolsonarista efetivamente vinculou a falta de banho à maior resistência dos moradores de rua ao Covid. “É certo que, de sua fala, é possível se obter tal interpretação”, afirmou o magistrado.

Esse tipo de opinião, racista e inconsequente de Russomanno em relação ao povo mais desvalido, que é externada para justificar o seu abandono à própria sorte, era muito comum entre os nazistas, que não só os abandonavam nas ruas como chegaram até a tentar conhecidos métodos de “purificação da raça”.

E não é de se estranhar que Russomanno pense e diga esse tipo de coisa.
Seu principal patrocinador já tinha afirmado algo semelhante. Que “o brasileiro pula no esgoto e não acontece nada” e que, por isso, ele precisava “ser estudado”. Quando disse isso, ele [Bolsonaro] estava espalhando o vírus por todos os lugares onde andava e dizia que não havia risco algum. Que esse negócio de ficar em casa era coisa de covardes.

Pregava abertamente que não precisava tomar nenhuma medida de proteção da população. Hoje já são mais de 155 mil mortes.

Deve ser por conta desse tipo de raciocínio – se é que se pode chamar isso de raciocínio – que ele decidiu, nesta quarta-feira (21), que não vai comprar a primeira – e tão esperada – vacina contra a Covid-19. Deixa que o povo se vira sozinho. “Não acontece nada mesmo”. Para que vacinar?

Essa é a visão que tanto ele quanto Russomanno têm em relação ao povo. Por isso eles não se comprometem com políticas públicas, com cuidados e nem mesmo com campanhas de vacinação.

A fala de Bolsonaro, que Russomanno repete agora, foi em março quando foi perguntado se o Brasil estaria seguindo no mesmo caminho desastroso dos Estados Unidos. Ele respondeu: “Eu acho que não, não vamos chegar a esse ponto [tantos casos quanto os Estados Unidos], até porque o brasileiro tem que ser estudado. O cara não pega nada. Eu vi um cara ali pulando no esgoto, sai, mergulha… Tá certo?! E não acontece nada com ele”, disse Bolsonaro.

Ao negar o pedido de direito de resposta a Bruno Covas e Boulos, que denunciaram o racismo do candidato, o magistrado disse que faltou para Russomanno uma “escolha adequada das palavras para que a sua resposta não fosse interpretada como divulgada em propaganda, que, em si, não tem divulgação de inverdade sabida, mas, sim, divulgação de interpretação possível da fala do representante em entrevista concedida a veículo de comunicação”.

Mesmo querendo direito de resposta, Russomanno não abriu mão de sua tese obscura e anticientífica.

Em outra entrevista, quando foi questionado sobre dados que comprovassem sua declaração sobre os efeitos da falta de banho, Russomanno retrucou: “Vou te perguntar isso, é uma mentira ou uma verdade? Nós vamos combinar nós três hoje, às 18h, vamos lá no Pátio do Colégio e vamos perguntar se é uma verdade ou uma mentira. Topa? Topa? Quero saber se os aparelhos públicos dão banheiros para que eles possam tomar banho todos os dias. Dão?”, disse, direcionando a pergunta a dois jornalistas que o acompanhavam.

Especialistas da área médica e de saúde pública detonaram as afirmações do candidato bolsonarista. Essa firmação não tem nenhum embasamento científico, dizem eles. A higiene das mãos, assim como o distanciamento social e o uso de máscara, isto sim, diminui o risco de contaminação pelo coronavírus.

“Quando a gente fala da Covid, ele é [um vírus] todo novo, ninguém tem imunidade. Seja limpo, seja sujo, a hora que essa pessoa for exposta, obviamente, ela vai adoecer e vai ter toda a repercussão da doença”, diz Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas.

“Quem mora na rua acaba tendo uma chance muito maior de se expor a todo tipo de microrganismo – vírus, bactéria, fungo, etc. Eles podem até adquirir algum tipo de imunidade frente a outros microorganismos, mas que não tem nada a ver com o coronavírus”, acrescentou a médica.

Rosana explica que populações em situação de vulnerabilidade podem responder pior ao contágio pela doença, já que o sistema imunológico trabalha mais para combater outros microrganismos a que são expostos diariamente.

“A única vantagem que vejo em um morador de rua é o fato de ele viver em ambiente aberto. Quando vemos todos os modelos de prevenção do novo coronavírus, estar em um ambiente aberto, arejado, diminui o risco [de contágio] em comparação ao ambiente fechado, mas isso não tem nada a ver com higiene, com banho.”

Tânia Chaves, infectologista e integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia, afirma que não há informações científicas que indiquem essa relação sugerida pelo candidato. “Sabemos que essas populações vulneráveis estão expostas também a outras doenças, inclusive respiratórias”, destacou.