Há uma pergunta que não quer calar. A luta pela unidade das forças de esquerda, democráticas, populares e progressistas tornou-se um imperativo agora, depois que a direita, mal denominada de centro, deu um passa-moleque em Ciro Gomes e em todos os que nutriram ilusões na construção de uma frente com golpistas, ou já era obrigatória desde o golpe do impeachment e ao longo destes dois anos de vigência do regime antipopular e vende-pátria liderado por Temer e Maia?

Por José Reinaldo Carvalho*

Lamentavelmente, Ciro foi vítima, usado como peça de um leilão conduzido pelo indefectível Rodrigo Maia, direitista de sempre que especulou com a promessa de apoio ao pré-candidato pedetista para vender caro a adesão ao PSDB de Alckmin.

 

Iludiu-se quem quis. Hoje, em meio a lamentações sonoras sobre a perda da chance de ter um candidato competitivo representando a centro-esquerda, há uma corrida desabalada para a realização de entendimentos e arranjos de última hora em que alguns buscam transformar a unidade das esquerdas, antes abominada como expressão de sectarismo, em mais um expediente para pressionar Lula ao plano B.

Com muita acuidade, a presidenta legítima do Brasil, Dilma Rousseff, durante o Foro de São Paulo realizado de 15 a 17 de julho em Havana, no pronunciamento que fez perante delegados e convidados latino-americanos e de todo o mundo, entre estes chefes de Estado e governo, comparou estas pressões às que ela própria sofreu à direita e à esquerda para renunciar ao mandato, como parte de um acordo que levasse a uma saída política não traumática e evitar o impeachment.

A questão do tempo político em que a unidade se tornou imperativa poderia ser formulada também tomando referências cronológicas mais recentes. O empenho pela unidade entre as forças progressistas era ou não urgente e indispensável antes mesmo da prisão e condenação do presidente Lula, cuja candidatura presidencial já revelava potencial de vitória, desde que apoiada não só por seu partido, mas pelo conjunto da esquerda, ao menos os setores mais consequentes que sempre marcharam com o líder petista desde há 30 anos?

A formação de uma frente progressista liderada por Lula e as forças consequentes da esquerda – mesmo que não se revestisse da forma de coligação eleitoral – já era um imperativo no início deste ano. Somada à Frente Brasil Popular, para a qual convergem os movimentos sociais organizados, esta frente teria sido um sujeito político ponderável na evolução do quadro. Temas correlatos, como hegemonismo, ocupação de espaços, divisão de tarefas, responsabilidades e protagonismos de lideranças poderiam ser postos à mesa com responsabilidade e espírito unitário, com base no velho e bom método do consenso progressivo.

Não obstante chamados retóricos, a unidade entre as forças de esquerda, populares e progressistas não se realizou porque ainda não é encarada como uma questão estratégica e de princípios. A resultante é sua instrumentalização eleitoral ou sua degeneração conceitual e prática.

Albert Camus dizia que ao nomear mal um objeto, você contribui para aumentar a infelicidade do mundo. Resulta assim o empenho de alguns quando insistem em batizar de centro a direita, confundindo eventuais sujeitos políticos individuais ou coletivos que assumem honestamente posição histórica ou conjuntural como integrantes do centro democrático, com forças de direita que, por covardia ou interesse pragmático, preferem apresentar-se com o rótulo de centrista. Na história do Brasil são abundantes os exemplos de patriotas e democratas que, não sendo de esquerda e outros tantos que, tendo rompido com a direita de que faziam parte, desempenharam notável papel progressista, como parte de um centro democrático agregador à luta progressista. E há também exemplos do inverso, haja vista o atual usurpador.

A confusão não é semântica, mas expressão de uma desorientação política ou de opções políticas e ideológicas que resvalam para o oportunismo. O centro democrático já desempenhou papel saliente na democratização do país e mesmo nos governos petistas. Já aqueles setores que se autodenominam de centrão sob a liderança de direitistas como Rodrigo Maia, constituem a vanguarda das classes dominantes retrógradas em busca de uma saída política ao regime golpista.

O dirigente comunista João Amazonas (1912-2002), entusiasta da unidade das forças progressistas, tanto que se colocou, com muito acerto, à frente de articulações que resultaram na candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral (1985), chamou a atenção para a transmutação das forças centristas e sua morte como vetor da luta democrática e progressista no Brasil em pelo menos três ocasiões. Na Constituinte de 1988, quando se formou um bloco, que então também se denominou de Centrão; na eleição de Collor, quando a mensagem dos diversos candidatos centristas, por insuficiência de conteúdo e crédito, fracassou; e nas duas eleições de FHC, pela mesma razão. Fez parte deste processo a transmutação do PSDB e do PMDB em forças neoliberais, conservadoras e de direita.

O golpe de 2016 contra a presidenta Dilma foi a culminação deste processo, que tem também sua expressão na atuação das entidades patronais. Fiesp e Paulo Skaf à frente, tais entidades assumiram posição abertamente golpista e se tornaram pontas de lança das movimentações em favor do impeachment.

As incompreensões sobre o papel da direita travestida de centro estão ligadas a outra concepção de estratégia e tática sobre o estágio e o nível da luta política sob o regime golpista. Destacadas lideranças da esquerda passaram a defender a esdrúxula tese da despolarização entre direita versus esquerda, PSDB versus PT. Copiaram de algum artigo em idioma estrangeiro o rótulo de fim de ciclo, fim do lulismo, bancarrota do PT, colaram-no em sua análise de conjuntura e saíram em busca do centro perdido, malbaratando preciosos tempo e energia que poderiam ter sido investidos na construção de uma sólida frente ampla nucleada pela esquerda e respaldada no movimento popular.

O golpe de 2016 inaugurou objetivamente uma nova etapa na luta democrática e popular, implicou uma nova correlação de forças e novos alinhamentos políticos. Atuar em 2017 com a cabeça nos postulados da Declaração de Março de 1958 somente conduzirá a esquerda a novos desastres. A esquerda consequente precisa ter discernimento e lucidez, desprendimento e metodologia para dialogar, compor e constituir instrumentos unitários que potenciem sua força e a capacitem a enfrentar os grandes embates políticos da atualidade. A coalizão eleitoral e a Frente Brasil Popular podem ser um embrião de um paradigma de unidade entre os movimentos políticos e sociais polarizados pelas formações da esquerda.

A unidade da esquerda e do movimento popular em nível superior é incontornável. Já a conciliação com as forças do golpe resultaria em fatal rendição e inevitável derrota.

É preciso preparar-se para grandes lutas. A ciência da luta política, para as forças consequentes de esquerda, consiste em adotar os procedimentos táticos indispensáveis para vencer batalhas conjunturais sem perder de vista os objetivos estratégicos da transformação social, da conquista de um novo regime progressista.

De imediato, estas forças precisam de um arranjo tático que permita derrotar a direita nas urnas em outubro. Unidas, em torno da candidatura que representa a esperança, a resistência e a luta.

 

*Jornalista, editor do Resistência  e diretor do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz.