Em visita à capital de Roraima, Boa Vista, na última sexta-feira (18), ciceroneado por Ernesto Araújo, titular do Ministério das Relações Exteriores do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro e por alguns fardados do exército brasileiro, o secretário de Estado dos Estados Unido Mike Pompeo fez ameaças de golpe e intervenção na Venezuela.

Por José Reinaldo Carvalho*

Com a arrogância que caracteriza as autoridades de um país inimigo da autodeterminação dos povos e da paz, ameaçou um país vizinho e fraterno do Brasil, na presença de funcionários de um governo servil, como são os que o acompanhavam: “Vamos tirar Maduro de lá”, não deixando dúvidas inclusive àqueles que se iludem quanto ao alcance e à repercussão de suas palavras. O representante da Casa Branca e do Departamento de Estado não veio ao estado do Norte brasileiro apenas para fazer discurso eleitoral. Uma ameaça deve ser tomada como tal, manda a prudência. A pretensão dos Estados Unidos é, sim, promover um golpe na Venezuela e, se julgarem necessário segundo as conveniências de sua estratégia de dominação, uma intervenção militar. É algo que não diz respeito exclusivamente ao governo Trump. Afinal, foi Barack Obama quem, em março de 2015, emitiu um decreto considerando a Venezuela uma “ameaça incomum” à segurança dos EUA e impôs uma política de sanções.

Para assestar o golpe e realizar uma intervenção na Venezuela, os Estados Unidos pretendem contar primeiramente com o concurso de políticos fracassados do país, como o obscuro Juan Guaidó, que alçaram à condição de “presidente interino”. No caso de descarte de Guaidó, outro fantoche qualquer poderá desempenhar o mesmo papel.

O segundo movimento é usar o Brasil, a Colômbia e demais países integrantes do simulacro de multilateralismo autodenominado Grupo de Lima, em cujos governos há lacaios dispostos a tudo para obter apoio externo aos planos de sedimentar uma corrente de extrema direita no poder na América Latina.

O terceiro movimento envolveria, se necessário, dentro da lógica intervencionista, a ação direta das forças armadas estadunidenses, a partir do Comando Sul sediado na Flórida.

A visita do preposto de Trump ao Brasil, coroa um conjunto de ações reveladoras de que no Itamaraty não se pratica mais diplomacia. Desde a Casa de Rio Branco o que se faz hoje são manejos para ajustar a ação internacional do Brasil aos interesses do governo estadunidense. Uma renúncia em toda a linha aos preceitos constitucionais, como lembrou o Embaixador Celso Amorim, o chanceler da política externa ativa e altiva do governo Lula. Esses preceitos obrigam o governo a exercer a plena soberania nacional e a respeitar a autodeterminação das demais nações, defender a paz e contribuir para dirimir por meios pacíficos os conflitos internacionais, segundo os fundamentos da Carta das Nações Unidas com os quais o Brasil está comprometido e vinculado há 75 anos e uma série de tratados internacionais de que o Brasil é signatário.

Oficialmente, a visita de Pompeo ao Brasil teve finalidades assistenciais relativamente aos venezuelanos que entram no país por Roraima, o que resultou na entrega de uma esmola de 30 milhões de dólares para o governo brasileiro financiar programas de acolhimento a esses imigrantes. Mas o verdadeiro sentido da passagem do secretário de Estado de Trump pelo Brasil foi usar o nosso país como plataforma para ofender e ameaçar o governo venezuelano. E como instrumento de desestabilização, agressão e guerra. Por isso, foi alvo do justo protesto indignado de políticos como o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, os senadores Telmário Mota e Renan Calheiros e até mesmo o ex-chanceler do governo golpista de Michel Temer, Aloysio Nunes.

Movimentos sociais e partidos políticos de esquerda se manifestaram energicamente, no âmbito do Comitê pela Paz na Venezuela, em que participam MST, Cebrapaz, Alba Movimentos, a Presidência do Conselho Mundial da Paz, a CUT, CTB, UNE, UJS, o Levante Popular da Juventude, a UBM, o Foro de São Paulo e partidos de esquerda como PT, PCdoB, PSOL, PCB e UP.

O ministro Ernesto Araújo reagiu às críticas enaltecendo a “democracia” estadunidense e fazendo novas acusações levianas aos que se opõem à subordinação do Brasil à superpotência do Norte. Afagou o secretário Mike Pompeo, ex-diretor da CIA, a agência de espionagem dos Estados Unidos, responsável por golpes, guerras, sequestros, assassinatos e crimes correlatos. Foi ele próprio que confessou, durante uma conferência na Universidade do Texas, no ano passado, sobre seu trabalho na instituição: “Mentimos, enganamos, roubamos. Temos cursos inteiros sobre isso. Isso te lembra o excepcionalismo norte-americano”.

Além de admitir crimes, o colega de Ernesto Araújo ainda discorreu sobre este nefasto conceito do ultraconservadorismo estadunidense – o excepcionalismo – versão dura do “destino manifesto”, associada ao supremacismo, ao racismo e à primazia dos interesses estadunidenses no mundo, o que inclui a pretensão de inconteste superioridade militar e o direito invocado de intervir em países que considere uma ameaça a sua hegemonia e segurança nacional. É a este excepcionalismo que o governo de extrema direita de Bolsonaro pretende ligar o Brasil. Não é à toa que um dos filhos do inquilino do Alvorada foi designado por Steve Banon como o representante na América do Sul de uma internacional ultraconservadora.

Repudiar a presença de Mike Pompeo no território brasileiro nas condições em que a visita ocorreu, à margem da normalidade diplomática e com finalidades de utilização do Brasil para agredir um país independente, foi a única atitude admissível por parte das forças políticas e sociais que prezam a soberania brasileira. A posição de rechaço ao governo brasileiro e ao funcionário de Trump dignificou os que protestaram e os alçou à condição de guardiões da soberania nacional.

Mas não só. Esta posição foi também um imperativo da solidariedade internacionalista, princípio ideológico e ético das forças progressistas. Pompeo fez um giro pela América do Sul, incluindo o Brasil, para convocar uma guerra contra a Venezuela. Os movimentos sociais, partidos políticos progressistas, o Cebrapaz e o Comitê Brasileiro pela Paz na Venezuela, que se pronunciaram com altaneria, audácia e dignidade, deram assim a demonstração de que no Brasil há forças sociais e políticas dispostas a enfrentar a política de alienação da soberania nacional do governo Bolsonaro.

Na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro respondeu com uma mensagem clara aos ataques de Mike Pompeo e seu acólito Ernesto Araújo. Denunciou o plano orquestrado pelos Estados Unidos para provocar uma intervenção militar contra o país. E afirmou a soberania, a paz e a luta em defesa da nação. “A Venezuela está de pé e firme, velando pela paz, o desenvolvimento e a liberdade” […] “jamais permitirá que nem milhares e milhares de Mike Pompeo possam envolver a região em guerras”. “Abram os olhos, o destino da Venezuela é a liberdade e a independência”. Simultaneamente, o líder bolivariano pediu que as Forças Armadas se mantenham em alerta máximo para responder a qualquer ato que ameace a segurança nacional.

Os venezuelanos deixaram claro que o desígnio de Mr. Pompeo não será realizado. Ele e Trump não tiram Maduro do poder, não. “Mil olhos, mil ouvidos, porque os inimigos da Venezuela estão em uma fase aguda, ácida, de desespero, porque a Venezuela caminha para a consolidação da paz, porque a Venezuela resiste, porque a Venezuela saiu em frente e porque vamos às eleições de 6 de dezembro”, disse Maduro em uma atividade com a Milícia Nacional Bolivariana (4,5 milhões de integrantes), um dos cinco contingentes das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB).

Quanto ao Brasil, país com o qual a Venezuela já reiterou que deseja conviver em paz, os generais que comandam o exército saberão fazer seus cálculos. Conhecem a força dos seus próprios efetivos e equipamentos. Estudam estratégia, geopolítica, têm critérios objetivos para avaliar o cenário. Devem saber que a Venezuela de Nicolás Maduro da terceira década do século 21 não tem as vulnerabilidades do Paraguai de Solano López de 1870. E que o povo brasileiro, apesar de toda a ameaça de impor um governo neofascista de extrema direita, não se associará à agressão nem à tentativa de genocídio contra um país vizinho. Afinal, as forças armadas nacionais contam hoje com batalhões de soldados, não mais com escravos para formar contingentes em troca de alforria.

 

*Jornalista, editor de Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil