José Carlos Ruy: Lênin, herdeiro de Marx e Engels
O maior pensador materialista e dialético depois de Marx e Engels, completaria 150 anos neste 22 de abril.
Por José Carlos Ruy*
Em 1924, sob a emoção e o impacto da morte do dirigente bolchevique, o então jovem húngaro (tinha 39 anos de idade e dava grandes passos como pensador marxista) Georg Lukács publicou uma notável e sintética apresentação do pensamento de Lênin. “Lênin: um estudo sobre a unidade de seu pensamento” (São Paulo, 2012) merece hoje – quando o revolucionário russo completaria 150 anos de idade – ser reexaminado.
Lênin foi, escreveu Lukács logo na abertura, “o maior pensador que o movimento revolucionário dos trabalhadores concebeu desde Marx”. Ele partiu, explica Lukács, da “perspectiva da atualidade da revolução” e este é o segredo da agudeza de seu pensamento. “A atualidade da revolução determina o tom de uma época”, diz Lukács nesta homenagem ao dirigente do início da construção do primeiro estado proletário da história.
Compreender o caráter de uma época significa, nas palavras de Lênin, “captar, a cada momento, aquele elo particular da cadeia ao qual temos de nos manter firmemente agarrados, se quisermos captar toda a cadeia e preparar a transição firme para o próximo elo, considerando-se que a sequência dos elos, sua forma, seu encadeamento, suas diferenças entre si na cadeia histórica dos acontecimentos não são tão simples e carentes de sentido como no caso de uma cadeia comum, fabricada por um ferreiro”.
Isto é, entender uma conjuntura política particular e as tarefas que ela impõe significa entendê-la dentro da totalidade de que faz parte e não apenas atentar para as particularidades de cada momento.
A perspectiva da atualidade da revolução ilumina a obra teórica de Lênin, diz Lukács. Não se trata da ideia ingênua de que a revolução depende de um estalar de dedos, depende da mera vontade dos revolucionários. Há um conjunto de consequências teóricas e práticas, objetivas e subjetivas, que precisam ser levadas em conta nesta perspectiva.
Por exemplo, o padrão de aliança de classes das revoluções burguesas mudou desde o tempo clássico nos séculos XVIII e XIX, anterior às revoluções proletárias de meados do século XIX na Europa. Agora, no tempo em que a revolução proletária e socialista está no horizonte histórico, a aliança e a unidade política entre as classes proprietárias se fortalece, erguendo-se como um bloco perante o povo e o proletariado.
Outra consequência teórica é a compreensão ampla e rigorosa da presença da luta de classes, cujo desenvolvimento condiciona as soluções encontradas para os problemas de cada sociedade. Por exemplo, a compreensão de que a modernização capitalista pode seguir dois caminhos – o revolucionário, que destrói as formas anteriores de dominação e inaugura uma situação nova, ou o conservador, a chamada “revolução pelo alto”, apelidada por Lênin de “via prussiana”, em que a modernização ocorre de maneira autoritária e controlada pelas classes dominantes. A decisão por um caminho ou outro não é arbitrária, mas resulta da compreensão do estágio da luta de classes e da correlação de forças que resulta dela.
Há outros aspectos que decorrem desta forma de ver. Lênin combate vigorosamente todo economicismo e todo naturalismo – e também todo esquerdismo voluntarista. A transição para o socialismo não virá pelo amadurecimento técnico ou econômico da sociedade capitalista, mas exige a participação organizada e consciente dos trabalhadores. Esta é a questão central.
A consciência de classes, insiste Lênin, não amadurece naturalmente como um fruto, resultado da mera situação de classe. Para ele, lembra Lukács, a base objetiva do “papel dirigente do proletariado é sua posição no processo de produção capitalista”, mas não há – não pode haver – uma “progressão ideológica natural” que leva o proletariado a reconhecer “sua vocação classista revolucionária”. É na luta que essa consciência se forma e desenvolve. E é na luta que surge seu instrumento, o partido revolucionário do proletariado, que é a expressão organizada da consciência de classe do proletariado. E Lênin “foi o primeiro e, por muito tempo, o único líder e teórico importante” a considerar a questão do partido “em seu aspecto teoricamente central e, por isso, decisivo na prática: o aspecto da organização”.
Na polêmica de 1903 no Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), foram estes aspectos que colocaram Lênin em oposição aos mencheviques. Tratava-se da natureza do vínculo e dos compromissos dos filiados com o Partido. Para Lênin, encarando a questão sob o ponto de vista da organização, este vínculo devia se traduzir em tarefas concretas e definidas.
“A ideia de organização de Lênin pressupõe o fato da revolução, a atualidade da revolução”, lembra Lukács. O partido “é concebido como instrumento da luta de classes numa época revolucionária”, não se podendo “separar mecanicamente o aspecto político do organizacional”. O partido é a “face visível da consciência de classes do proletariado”, o instrumento de luta que exige não só adesão, mas sobretudo o cumprimento das tarefas da revolução.
Numa época revolucionária o proletariado precisa apoiar todas as demais lutas contra a opressão e fortalecer os vínculos com a massa – este é outro pressuposto do pensamento de Lênin. “Se o proletariado quer ser vitorioso nessa luta”, escreve Lukács, “tem de apoiar e sustentar toda corrente que contribui para o desmonte da sociedade burguesa, procurando integrar no movimento revolucionário geral todo movimento elementar, por menos claro que seja, de qualquer camada oprimida”. O proletariado precisa aproveitar toda “circunstância, toda tendência que, mesmo de modo passageiro, favoreça a revolução ou que, no mínimo, possa enfraquecer os inimigos da revolução”.
Mas a revolução não é uma receita que possa ser aplicada de maneira uniforme em todas as sociedades e a compreensão leninista da situação criada pela irrupção do imperialismo é um exemplo desta visão que deriva rigorosamente dos fatos concretos as teses para a ação política revolucionária, das condições concretas da luta.
A superioridade da visão leninista do imperialismo (que Lukács considera uma “proeza teórica sem igual”) consiste “em sua articulação concreta da teoria econômica do imperialismo com todas as questões políticas do presente”. A luta contra o imperialismo conduz a formas próprias de desenvolvimento nas diferentes nações. Nos países coloniais, por exemplo, “criam-se as bases de um desenvolvimento burguês próprio, cuja consequência ideológica necessária é uma luta pela autonomia nacional”, resume Lukács, apontando para outro ponto importante no pensamento de Lênin: o reconhecimento da emergência da questão nacional.
Outro aspecto do rigor leninista é destacado por Lukács: a ênfase no fato de que, na União Soviética, os bolcheviques estavam iniciando a transição para o socialismo, a construção do novo regime. E cita palavras de Lênin: “Creio que nenhum comunista jamais negou que a expressão ‘república socialista de conselhos’ expressa a determinação dos conselhos de realizar a transição para o socialismo e não é de modo algum uma aceitação das relações econômicas dadas como já socialistas”.
Este compromisso rigoroso com as condições concretas, com a realidade concreta, e sua íntima articulação com o pensamento (a unidade sujeito-objeto) é a grande marca do pensamento de Lênin e faz dele o legítimo herdeiro e continuador do materialismo dialético fundado por Marx e Engels.
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