Muitos marxistas abusam do uso das expressões estrutura e suas correlatas, infraestrutura e superestrutura que, nos escritos de Marx e Engels, são metáforas topológicas para explicar a relação entre a vida social e econômica dos homens e sua expressão ideológica, política, cultural, jurídica, religiosa etc. Marx e Engels nunca abandonaram a compreensão de que infraestrutura e superestrutura são, como conceitos, reflexos da atividade prática dos homens em seus cérebros, reflexos da luta em torno das condições e organização da produção e distribuição dos bens produzidos pelo trabalho, e da elaboração de ideias e explicações para compreender esses processos e manter, pelo consenso (e também pela força), a organização da sociedade e assegurar o seu funcionamento regular.

Por José Carlos Ruy*

Na esteira de um materialismo antigo e ultrapassado – burguês, como o qualificou Engels no “Anti-Dühring” – sem sujeito nem dialética, a obsessão de Althusser é eliminar toda subjetividade e alcançar uma ciência que só nestas condições seria realmente objetiva e, portanto, “materialista”. Tarefa inglória que elimina justamente aquilo que distingue o materialismo dialético de Marx e Engels: a atividade prática humana, o trabalho, e seu reflexo no cérebro. A palavra “estrutura” perde o conteúdo objetivo e veste o mesmo manto do misticismo anti-materialista, passando a habitar o mesmo mundo fantasmagórico povoado por entes imaginários como o “ser” de Heidegger e seus congêneres. Da mesma maneira como os historiadores conservadores, que negam que a história possa ser conhecida, e que ela não tem um estatuto científico, Althusser confina a mudança ao desenvolvimento de uma “estrutura” que se move por si, autônoma, à margem da experiência humana concreta, sendo tão mística quanto o “espírito absoluto” do Hegel que Althusser tanto abomina. Uma estrutura que, como aquele “espírito absoluto”, só age através do pensamento, do conceito.

A visão não científica da história de Althusser foi radicalizada por seguidores britânicos para os quais o marxismo perde ao se associar à historiografia e à pesquisa histórica. “O estudo da história não é sem valor apenas cientificamente, mas também politicamente”, escreveram Hindess e Hirst (1976).

A influência do pensamento de Althusser foi ofuscada depois da década de 1970 pelo pós-estruturalismo que vicejou então. Althusser foi, de certa maneira, uma ponte entre as teses de Lévi Strauss e os pós-estruturalistas, com destaque para Michel Foucault.

No ambiente intelectual francês do pós-guerra e da década de 1950, fortemente marcado pela influência do marxismo, Althusser deu respeitabilidade, no âmbito do marxismo, ao conceito de estrutura, abrindo a porta para os que se afastavam da influência do marxismo. Num primeiro momento esse afastamento pode ser visto como a ultrapassagem da versão do marxismo então hegemônica, o chamado “marxismo soviético”. Depois, na onda dos “novos filósofos” incensados pela grande mídia no fim da década de 1970, este afastamento se transformou em repúdio puro e simples da herança de Karl Marx. (Aubral e Delcourt: 1979).

O estruturalismo pode ser visto como uma das portas de saída que levou ao anti-marxismo após a década de 1970, e ajudou a conformar o pós-modernismo. O escritor britânico Perry Anderson descreveu parte substancial desse debate em alguns textos esclarecedores. (Anderson:1976, 1985 e 1989).

Althusser via a história como “um processo sem sujeito”; o estatuto para a história que defendeu era alheio à atividade humana, e segundo ele os homens não teriam capacidade de conhecer objetivamente nem intervir nela ou modificar o processo histórico.

Esta é uma importante contradição em seu pensamento. Se, por um lado, defendeu posições políticas contra o revisionismo posterior ao 20º Congresso do Partido Comunista da URSS, e que prevaleceu desde então, por outro lado foi um pensador que negou a capacidade de conhecimento e intervenção humana na história. E atribuiu ao próprio Marx a tese da história como “um processo sem sujeito”, criticou Thompson (1981).

No cenário de mudança vivido pela intelectualidade francesa, nos anos 1970 e 1980, a influência ideológica e historiográfica de Michel Foucault foi grande. Por várias razões. Há um alegado anarquismo em sua investida contra as diferentes formas de manifestação de um “poder” difuso, principalmente aquelas ocultas sob práticas rotineiras do cotidiano – o “micro poder” das relações interpessoais na família, entre os gêneros, nas práticas médicas (particularmente na saúde mental) e por aí vai.

Com base nisso, ele proclamou uma renovação da história que abdica da luta de classes e da análise dos processos sociais objetivos e se refugiou no singular, no particular, no individual – fugindo, como todos aqueles escritores conservadores, ao universal.

É como se trocasse o exame da história da revolução francesa de 1789 pela investigação sobre a vida e a ação de alguém que tenha participado da tomada da Bastilha, reduzindo o relato da história a esta particularidade.

Referências

  • Anderson, Perry. A crise da crise do marxismo – introdução a um debate contemporâneo. São Paulo, Editora Brasiliense, 1985.
  • Anderson, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1989.
  • Anderson, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental. Porto, Editorial Afrontamento, 1976
  • Aubral, François, e Delcourt, Xavier. Contra a nova filosofia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.
  • Engels, Friedrich. Anti-Duhring. São Paulo, Boitempo. 2015
  • Hindess, Barry, e Hirst, Paul. Modos de producão Pre-Capitalistas. Rio de Janeiro, J. Zahar Editor, 1976
  • Thompson E. P.. A miséria da teoria – ou um planetário de erros (uma crítica ao pensamento de Althusser). Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1981

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José Carlos Ruy* é jornalista, escritor, estudioso de história e do pensamento marxista.

 

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