Edward Hallett "Ted" Carr oi um historiador, jornalista e teórico das relações internacionais britânico

Se o relato do historiador precisa ser fiel aos fatos que narra, e é influenciado pelos interesses conflitantes de seu tempo, se a teoria que orienta sua investigação e a narração de seus resultados, se a história que conta é a expressão desses interesses – como deixar de pensar que, não importa o ponto de vista, qualquer reconstrução histórica seria igualmente válida? Como escapar a esse relativismo?

Por José Carlos Ruy*

O problema não é a constatação da existência de visões diferentes sobre fatos reais acontecidos. Cada classe, cada historiador, seleciona, enfatiza, no passado os fatos em que reconhece os sinais da trajetória percorrida ao longo do tempo, e que correspondem a seus interesses ou expectativas atuais.

A crítica a estas visões marcadas por diferentes interesses e condicionamentos políticos e de classe deve se ater, em primeiro lugar, à fidelidade com que os fatos devem ser narrados, compreendendo-os no contexto das lutas de sua época; depois, é preciso levar em conta os motivos e interesses contemporâneos ao historiador, que levam à seleção daqueles fatos, capazes de formar os recortes significativos e adequados à interpretação social, política e ideológica atual, feita a partir dos sinais deixados pela trajetória no tempo. É preciso levar em conta também a busca de legitimidade da luta empreendida contra as reminiscências do passado, que permanecem e precisam ser superadas.

Uma forma de escapar a esta armadilha pode ser a busca daquilo que, sendo comum a todas as épocas históricas, possa servir de medida para uma avaliação do sentido do desenvolvimento. O elemento aqui buscado como medida adequada da evolução histórica é o progresso, apesar de todas as dúvidas e ataques a que esta noção tem sido submetida.

Será possível avaliar a situação dos homens ao longo dos milênios, e perguntar se a liberdade aumentou, se houve avanço no reconhecimento da igualdade entre os homens, se o bem-estar atinge a um número maior ou menor de pessoas, se as condições de alimentação, higiene, saúde, segurança pessoal e alojamento melhoram ou pioram, se os instrumentos e conhecimentos que permitem aumentar a produtividade do trabalho existem e são empregados para beneficiar ao conjunto da sociedade, se a expectativa de vida das pessoas aumenta ou diminui etc.

A partir desse metro é possível que seja feita uma avaliação objetiva sobre os períodos históricos, e avaliar para onde a humanidade caminha, e compreender a natureza progressista ou não do desenrolar dos acontecimentos, com seus avanços ou retrocessos temporários, descontinuidades, períodos considerados de adiantamento, retrocesso ou de estagnação histórica.

Por isso as classes sociais cujos interesses exigem a ruptura com situações cristalizadas e querem a aceleração da história são otimistas em relação ao curso de seu desenvolvimento, ao contrário das classes conservadoras que, ameaçadas pelas mudanças iminentes, iludem-se pensando ser possível deter a história (Carr: 1982).

O uso deste metro – a ideia de progresso – exige cuidado e cautela. O historiador e arqueólogo australiano Gordon Childe propôs o abandono, como inútil, do hábito de perguntar: “Fizemos progresso?”, por ser difícil obter concordância a respeito. “Uma pergunta assim formulada não tem sentido científico”, diz. Ao contrário, poderá “ser legítimo perguntar: ‘O que é progresso?’”. O “progresso torna-se, então, aquilo que realmente aconteceu – o conteúdo da história” (Childe: 1975).

Se não há possibilidade, como querem muitos, de conhecer a história, se a ação dos homens não influi nela, não há também qualquer chance de reconhecer se houve progresso. Entre os historiadores que pensam dessa maneira negativa há um pessimismo generalizado em relação à capacidade humana de resolver suas contradições e avançar. São teóricos ligados à classe dominante que – diz o britânico Carr – não podem mesmo serem otimistas em relação a um futuro que ameaça seu domínio de classe e as formas de vida a que estão acostumados.

As anotações de Carr são de 1974, época em que o pessimismo entre os ideólogos burgueses se acentuava e era refletido, pensava ele, na atitude de historiadores que projetavam, no passado, suas inquietações diante do presente. “Para uma sociedade que está cheia de confusão em relação ao presente e perdeu a fé no futuro, a história do passado parecerá uma mistura sem sentido de acontecimentos sem relação” (Carr: 1982).

Referências

  • Carr, Edward H. “Que é história?” Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982
  • Childe, V. Gordon. “A Evolução Cultural do Homem”. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975.
  • Childe, V. Gordon. “O que Aconteceu na História”. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 1966

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José Carlos Ruy* é jornalista, escritor, estudioso de história e do pensamento marxista.

 

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