“Faça amor, não faça guerra”. Esse bordão marcou importantes passeatas, que mobilizaram milhares de manifestantes nos anos 60 e 70, em oposição à invasão militar dos Estados Unidos ao Vietnã. O fim da história nos conta que mesmo diante das manifestações, os Estados Unidos continuaram a mandar tropas para as linhas de combate, porém foram derrotados por um povo heróico que lutava impulsionado pela sua autodeterminação. Após a expulsão dos Estados Unidos, os vietnamitas conseguiram reconstruir o seu país sobre as bases do socialismo.

Por José Bertotti*

No entanto, os Estados Unidos continuaram sua sanha expansionista que havia começado ainda no século 19. Só para ilustrar, uso o livro de William Blum “Matando a Esperança: Intervenções Militares dos EUA e da CIA desde a Segunda Guerra Mundial”, publicado em 1995, no qual ele analisa 55 ações de intervenção operadas pelos EUA em países estrangeiros autônomos, desde a China, entre 1945 e 1960, até o Haiti, entre 1986 e 94. Após esse período relatado pelo autor, foram mais 13 operações até 2019.

Todas essas intervenções foram feitas à margem de organismos multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, tendo a Otan como ponta de lança para a destruição em massa. Como exemplo podemos citar ainda a invasão do Iraque, que foi considerada um equívoco por um inquérito parlamentar, conduzido na Grã-Bretanha pelo parlamentar Frederick Butler, que avaliou a ação do então primeiro-ministro Tony Blair e os organismos de inteligência britânicos de terem “enganado a si mesmos”. Isso ajuda a ilustrar que o caráter principal da Otan não é de defesa, mas sim de ataque.

Instituições como a Otan me lembram um livro que vi pela primeira vez na estante do atual presidente da Fundação Mauricio Grabois e ex-presidente do PCdoB, Renato Rabelo. Experiente político brasileiro que na semana passada completou 80 anos, dos quais, mais de 50 dedicados à luta política para construir no Brasil uma sociedade democrática com valorização do trabalho e da ciência, baseada no desenvolvimento das forças produtivas brasileiras, para tornar nosso país independente e dono dos seus rumos integrado a um sistema multipolar de poder no mundo que respeite a autodeterminação dos povos inscrito na Carta das Nações Unidas.

Esse livro que me refiro, Da Guerra, tem sido muito citado nas análises do recente conflito armado entre Rússia e Ucrânia. Ele foi escrito em 1837, pelo chefe do estado-maior dos exércitos prussianos e diretor da academia militar de Berlim, Von Clausewitz. Nele, o autor dá uma definição que se aplica ao conflito atual entre Rússia e Ucrânia: “A guerra não é mais do que a continuação da política, por meios violentos”.

Como podemos ver ao longo do século 20 e adentrando no século 21 o concerto de nações ainda valida essa afirmação de Clausewitz, mesmo que isso contrarie os princípios da Carta da ONU.

Precisamos de fato encontrar um caminho, no qual o primeiro compromisso de quem defende a vida e o progresso da humanidade deva ser garantir a paz no mundo. Para consecução desse objetivo, considero que para garantir essa paz é necessário que possamos refletir sobre quais as razões que nos trazem ao momento da eclosão de uma guerra. Tensões geopolíticas que se acumulam ao longo dos anos; as crises financeiras causadas pelo modelo capitalista, cuja conta dos seus prejuízos é jogada nas costas dos trabalhadores; empresas transnacionais, especialmente do setor financeiro, que não se dedicam a financiar o desenvolvimento e que impõe aos seus países de origem, políticas agressivas para garantir seus lucros; e por fim, por que no mundo ainda se alimentam máquinas de guerra e armas nucleares, que podem num piscar de olhos acabar com a existência humana na Terra como a conhecemos, e mesmo assim são aceitas com passividade ao longo de mais de meio século desde a bomba de Hiroshima, e nos trazem o temor de um apocalipse a cada conflito bélico.

Tenho certeza que outro mundo é possível. Mas, para isso precisamos mudar essa forma de produção, que só acumula para poucos e gera milhões de famintos no mundo, todos os dias. Os sinais são claros, o capitalismo já deu o que tinha que dar. Precisamos refletir sobre o seu legado e pensar numa nova sociedade, onde a exploração não seja a base dessa sociedade e sim a valorização do trabalho e o desenvolvimento das forças produtivas para o bem comum, em organismos multilaterais bem assentados e onde cada país possa dizer quais são suas vocações para o desenvolvimento dos seus povos.

 

*José Bertotti é secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco e dirigente do PCdoB

 

(PL)