Com fotos de Shireen, palestinas repudiam o assassinato da jornalista da Al Jazeera

Investigação com base em novos vídeos – incluindo dois da cena do tiroteio -, corroborados por depoimentos de oito testemunhas oculares, um analista forense de áudio e um especialista em armas explosivas, “sugerem que [Shireen] Abu Akleh foi morta a tiros em um ataque direcionado pelas forças israelenses”, afirma a CNN, em extensa matéria, que atesta que “não houve combate ativo, nem militantes palestinos” perto da mais celebrada jornalista palestina “nos momentos que antecederam sua morte”.

A jornalista palestina, que também tinha cidadania norte-americana, documentava há 25 anos para a rede Al Jazeera a ocupação israelense e se tornara admirada em todos os lares palestinos.

Segundo a CNN, a filmagem mostra “uma cena calma antes dos repórteres serem atacados” nos arredores do campo de refugiados de Jenin. O que foi confirmado pela repórter Shatha Hanaysha, quatro outros jornalistas e três moradores locais.

À chegada de Shireen com sua equipe, uma dezena de homens e garotos, alguns vestidos de moletom e chinelos, se reuniu para assistir sua gravação, conversando, alguns fumando, outros filmando com celulares.

Salim Awad, o residente de campo de Jenin de 27 anos que filmou um vídeo de 16 minutos a que a CNN teve acesso, disse que não esperava que houvesse tiros, dada a presença de jornalistas, acrescentando não haver “palestinos armados ou confrontos na área”.

“Éramos cerca de 10 caras, mais ou menos, andando por aí, rindo e brincando com os jornalistas”, disse ele. “Não tínhamos medo de nada. Não esperávamos que acontecesse nada, porque quando vimos jornalistas por perto, achamos que seria uma área segura”.

Sete minutos depois, é seu vídeo que registra o momento em que tiros foram disparados contra os quatro jornalistas – Shireen Abu Akleh, Shatha Hanaysha, outro jornalista palestino, Mujahid al-Saadi, e o produtor da Al Jazeera Ali al-Samoudi, que foi ferido no tiroteio – enquanto caminhavam em direção aos veículos israelenses no local.

“Vimos cerca de quatro ou cinco veículos militares naquela rua com rifles saindo deles e um deles atirou em Shireen. Estávamos ali mesmo, vimos. Quando tentamos nos aproximar dela, eles atiraram em nós. Tentei atravessar a rua para ajudar, mas não consegui”, disse Awad à CNN, acrescentando que viu uma bala atingir Abu Akleh no espaço entre o capacete e o colete de proteção, bem perto da orelha. Tiro de precisão, portanto.

Um garoto de 16 anos de idade, que estava no grupo de homens e jovens na rua, relatou à CNN que “nenhum tiro foi disparado, nenhuma pedra arremessada, nada”, antes que Abu Akleh fosse baleada. Ele explicou que os jornalistas o haviam orientado a não os seguir enquanto caminhavam em direção às forças israelenses – todos eles claramente identificados como imprensa -, e então ele ficou para trás.

O adolescente compartilhou com a CNN um vídeo, filmado às 6:36 da manhã, imediatamente após os jornalistas deixarem a cena rumo ao Hospital, que mostra os cinco veículos israelenses dirigindo-se vagarosamente pelo local onde Abu Akleh foi morta, e então o comboio vira à esquerda na rotatória e deixa o campo de refugiados palestinos.

11 vídeos e um frio assassinato

Segundo a matéria, a CNN reviu 11 vídeos da cena do crime e do comboio militar israelense sob diferentes ângulos, antes, durante e após o assassinato da jornalista. As testemunhas que estavam filmando com seus celulares estavam na linha de fogo e recuaram quando os tiros começaram, de forma que não captaram o momento em que ela foi acertada pela bala.

A evidência visual revisada pela CNN inclui um vídeo de câmera corporal divulgado pelo exército israelense, que captura soldados correndo por um beco estreito com rifles de assalto M16. Uma fonte militar israelense disse à CNN que “ambos os lados” estavam disparando com fuzis de assalto naquele dia.

Nos vídeos, cinco veículos israelenses podem ser vistos alinhados na mesma estrada onde Abu Akleh foi morta. O veículo mais próximo dos jornalistas, estampado com o número em branco, e o veículo mais distante, marcado com o número cinco, estão posicionados perpendicularmente do outro lado da rua.

Na parte traseira dos veículos, diretamente acima dos números, há uma abertura retangular estreita no exterior do veículo. Várias testemunhas oculares disseram à CNN que viram rifles de precisão saindo das aberturas antes do início do tiroteio, que não foi precedido por nenhum outro tiro.

Jamal Huwail, professor da Universidade Árabe Americana em Jenin e ex-parlamentar, que ajudou a arrastar o corpo sem vida de Abu Akleh da estrada e a conhecia há duas décadas, disse que os tiros vieram de um dos veículos israelenses, que ele descreveu como um “novo modelo que tinha uma abertura para franco-atiradores”, por causa da elevação e direção das balas. “Eles estavam atirando diretamente nos jornalistas”, disse Huwail.

Um alto funcionário de segurança israelense negou categoricamente à CNN em 18 de maio que as tropas israelenses mataram Abu Akleh intencionalmente. Falando sob condição de anonimato, ele asseverou que “de maneira alguma as IDF teriam como alvo um civil, especialmente um membro da imprensa”.

Mesmo sem acesso à bala que atingiu Abu Akleh – observa a CNN -, há formas de determinar quem matou Abu Akleh analisando “o tipo de tiro, o som dos tiros e as marcas deixadas pelas balas no local”.

Cobb-Smith, consultor de segurança e veterano do exército britânico, disse à CNN que acredita que Abu Akleh foi morta com tiros discretos – não em uma rajada de tiros automática. Para chegar a essa conclusão, ele olhou as imagens obtidas pela CNN, que mostram as marcas das balas deixadas na árvore no local onde Abu Akleh caiu e Hanaysha estava se protegendo.

“Não foi um tiro aleatório, ela foi o alvo”

“O número de marcas de ataque na árvore onde Shireen estava prova que este não foi um tiro aleatório, ela foi o alvo“, disse Cobb-Smith à CNN, acrescentando que, em nítido contraste, a maioria dos tiros de palestinos capturados em câmera naquele dia foram “aleatórios”.

Como evidência, ele apontou para dois vídeos que mostravam atiradores palestinos atirando ao acaso em becos em diferentes partes de Jenin. Os vídeos foram divulgados pelo gabinete do primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, e pelo Ministério das Relações Exteriores de Israel, com uma voz em árabe dizendo: “Eles acertaram um – acertaram um soldado. Ele está caído no chão”.

Como nenhum soldado israelense foi morto em 11 de maio, o escritório de Bennett disse que o vídeo sugeria que “os terroristas palestinos foram os que atiraram na jornalista”.

A CNN geolocalizou os vídeos compartilhados pelo escritório de Bennett ao sul do campo, a mais de 300 metros de Abu Akleh. As coordenadas dos dois locais, que foram verificadas usando Mapillary, uma plataforma de imagens de rua de crowdsourcing, e imagens da área filmadas pelo grupo israelense de direitos humanos B’Tselem, demonstram que o tiroteio nos vídeos [os divulgados por Bennett] não poderia ser a mesma saraivada de tiros que atingiu Abu Akleh e seu produtor, Ali al-Samoudi.

A CNN também não conseguiu verificar de forma independente de quando é a filmagem divulgada por Israel.

De acordo com a investigação inicial do exército israelense, no momento da morte de Abu Akleh, um atirador israelense estava a 200 metros dela. A CNN pediu a Robert Maher, professor de engenharia elétrica e de computação da Universidade Estadual de Montana, especializado em análise forense de áudio, para avaliar as imagens do tiroteio de Abu Akleh e estimar a distância entre o atirador e o cinegrafista, levando em consideração o rifle usado pelas forças israelenses.

O vídeo que Maher analisou captura duas rajadas de tiros; testemunhas oculares dizem que Abu Akleh foi atingido na segunda barragem, uma série de sete “rachaduras” afiadas. O primeiro som de “crack”, a onda de choque balística da

bala, é seguido aproximadamente 309 milissegundos depois pelo “bang” relativamente silencioso da explosão do cano, de acordo com Maher. “Isso corresponderia a uma distância de algo entre 177 e 197 metros”, ou 580 e 646 pés, disse ele em um e-mail à CNN, o que corresponde quase exatamente à posição do atirador israelense.

A 200 metros, Cobb-Smith disse que não havia “nenhuma chance” de que o disparo aleatório resultaria em três ou quatro tiros acertando em uma configuração tão apertada. “A partir das marcas de tiro na árvore, parece que os tiros, um dos quais atingiu Shireen, vieram da rua da direção das tropas da IDF. Portanto, não foi vítima de fogo aleatório ou disperso“, disse o especialista em armas de fogo à CNN.

Awad, um dos moradores de Jenin que inadvertidamente capturou o assassinato de Abu Akleh na câmera do celular, disse que a primeira vez que a viu pessoalmente foi em 2002, quando ela cobria a Intifada, ou revolta, em Jenin. “É claro que ela é amada por muitos, mas ela tem uma memória muito especial em nosso acampamento, especificamente por causa do trabalho que ela fez aqui. As pessoas aqui estão muito tristes por sua perda”, disse ele.

A descrição também é da CNN – quando eles querem, sabem como expor a verdade: “O cinegrafista que filma a cena recua para se esconder atrás de um muro baixo de concreto. Então um homem grita em árabe: ‘Ferido! Shireen, Shireen, oh cara, Shireen! Ambulância!’”

“Quando o operador de câmera vira a esquina, a jornalista da Al Jazeera Shireen Abu Akleh pode ser vista deitada imóvel, de bruços no chão enquanto outra repórter palestina, Shatha Hanaysha, se agacha ao lado dela, usando um tronco de árvore como cobertura. Hanaysha estende a mão e tenta acordá-la enquanto os tiros continuam. Não há resposta. Ambas as mulheres estão usando capacetes e coletes de proteção azuis com a inscrição ‘Press’”.

“Nos momentos que se seguem, um homem de camiseta branca faz várias tentativas de mover Abu Akleh, mas é forçado a recuar repetidamente por tiros. Finalmente, depois de alguns longos minutos, ele consegue arrastar o corpo dela da rua”.

“O vídeo tremido, filmado pelo cinegrafista da Al Jazeera, Majdi Banura, captura a cena em que Abu Akleh, uma palestina-americana de 51 anos, foi morta por uma bala na cabeça por volta das 6h30 de 11 de maio, quando estava com um grupo de jornalistas perto da entrada do campo de refugiados de Jenin, aonde vieram para cobrir um ataque israelense. Embora a filmagem não mostre Abu Akleh sendo baleada, testemunhas oculares disseram à CNN que acreditam que as forças israelenses na mesma rua atiraram deliberadamente contra os repórteres em um ataque direcionado. Todos os jornalistas usavam coletes protetores azuis que os identificavam como membros da mídia”.

“‘Ficamos na frente dos veículos militares israelenses por cerca de cinco a dez minutos antes de fazermos movimentos para garantir que eles nos vissem’, disse Hanaysha à CNN, descrevendo sua abordagem cautelosa em relação ao comboio do exército israelense”.

“‘Assim que ela [Shireen] caiu, eu honestamente não estava entendendo que ela [foi baleada]… Eu estava ouvindo o som de balas, mas não estava entendendo que estavam vindo na nossa direção, eu não estava entendendo”, disse sua colega de equipe.

No dia do tiroteio, o porta-voz militar israelense Ran Kochav disse à Rádio do Exército que Abu Akleh estava ‘filmando e trabalhando para um meio de comunicação entre palestinos armados. Eles estão armados com câmeras, se você me permite dizer isso’, de acordo com The Times of Israel.

Para Israel não há o que investigar

As Forças de Defesa de Israel (IDF) disseram em 19 de maio que ainda não haviam decidido se prosseguiriam com uma investigação criminal sobre a morte de Abu Akleh. Na segunda-feira, a principal advogada dos militares israelenses, a major-general Yifat Tomer-Yerushalmi, disse que, sob a política militar, uma investigação criminal não é iniciada automaticamente se uma pessoa for morta “no meio de uma zona de combate ativa”, a menos que haja suspeita crível e imediata de uma infração penal. Em poucas palavras, para a advogada militar, ainda que a bala tenha saído de uma arma israelense, não houve crime uma vez que isso teria ocorrido em uma “zona de combate”. Não há, portanto, nem o que

investigar, ao contrário do que as próprias autoridades israelenses haviam prometido assim que saiu a notícia da morte de Shireen.

Em suma, impunidade para estimular mais chacinas, mais assassinatos extrajudeiciais.

No mês passado, assinala a CNN, Shirleen comemorou seu aniversário em Jenin, quando estava lá para cobrir outro ataque militar israelense, lembrou seu colega de longa data, o cinegrafista Majdi Banura. Ele ainda está se recuperando de tê-la visto morrer diante de seus próprios olhos.

Banura sabia que tinha que continuar filmando, dizendo que era importante ter um “registro contínuo” de sua morte. “Para ser honesto, enquanto eu estava filmando, eu esperava que ela estivesse viva, mas eu soube ao vê-la imóvel ela havia sido morta”, disse o cinegrafista. “A foto dela não sai da minha vida e memória, tudo que eu digo ou faço ou toco, eu a vejo.”

“Shireen sempre foi minha voz desde as celas da prisão”, disse a deputada palestina, Khalida Jarrar, diversas vezes presa pelas forças israelenses da ocupação.

Jarrar acrescentou que Abu Akleh era a voz dos palestinos e foi morta “pela monstruosidade do colonialismo e ocupação”.

Ainda chocada com a notícia da morte, Jarrar prosseguiu: “Shireen foi a primeira pessoa a chegar para me ver depor no tribunal israelense”.

“Shireen era nossa voz. É inacreditável. É um crime. Está muito claro – foi alvejada de forma direta e intencional. Está claro”, finalizou a deputada palestina.