Deputada Corin Bush no capitólio ao exigir a extensão da moratória dos despejos

Protestos da ala progressista dos democratas e de entidades que defendem o direito à moradia nos EUA, diante do fim da moratória de despejos no sábado, e com a variante Delta acelerando em várias áreas do país, forçaram o governo Biden a parar de se fingir de morto e, finalmente, na quarta-feira o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) anunciou sua prorrogação até 3 de outubro, ou seja, por dois meses.

A moratória se aplica a “condados que experimentam níveis substanciais e altos de transmissão comunitária” de Covid-19, determinou o CDC.

“O surgimento da variante Delta levou a uma rápida aceleração da transmissão comunitária nos Estados Unidos, colocando mais americanos em maior risco, especialmente se não forem vacinados”, disse a diretora do CDC, Rochelle Walensky.

“Esta moratória é a coisa certa a fazer para manter as pessoas em suas casas e fora dos ambientes onde a Covid-19 se espalha”, acrescentou.

Cinco dias antes, a Casa Branca se dissera “de mãos atadas” diante do problema.

A deputada Cori Bush, ela mesma uma ex-sem-teto – chegou a morar com a filha bebê no próprio carro -, estava acampada desde sexta-feira nas escadas do Capitólio, em Washington, para exigir uma ação imediata do Congresso e da Casa Branca diante da “iminência de despejos em massa”.

“Onze milhões agora correm o risco de perder suas casas a qualquer momento. A Câmara precisa se reunir novamente e acabar com a crise”, exigiu.

Ela recebeu a solidariedade da Campanha dos Pobres, encabeçada pelo reverendo William Barber II, e de outros líderes religiosos e entidades pelos direitos. “Se cinco a onze milhões de pessoas receberem notificações de despejo, estamos falando de um desmoronamento da América”, ele alertou.

A deputada de Nova York, Alexandria Ocasio-Cortez, protestou que “a Câmara dos Representantes e sua liderança tiveram a oportunidade de votar uma extensão da medida, mas havia um grupo de democratas conservadores no Congresso que preferiu pegar um avião [para sair de férias] em vez de votar”.

“Se nos olharmos no espelho, não podemos culpar o Partido Republicano quando os democratas no Congresso têm a maioria”, acrescentou a democrata.

Ocasio-Cortez havia denunciado, ainda, a absurda situação de que “a assistência para aluguel de emergência – os US$ 46 bilhões que autorizamos – ainda não foi liberada”.

Agora, os inquilinos terão mais tempo para acessar fundos anteriormente autorizados pelo Congresso para ajudar pessoas a pagar o aluguel na pandemia.

Por razões burocráticas, esses pagamentos vêm demorando incrivelmente para chegar à população necessitada – apenas US$ 3 bilhões até agora foram distribuídos às famílias, dos US$ 25 bilhões atribuídos aos Estados e municípios no início de fevereiro. Outros US$ 21,5 bilhões disponíveis para uma segunda rodada de socorro, não sairão até que a primeira parcela seja gasta.

“Esta nova moratória dará tempo para o dinheiro alocado pelo Congresso fluir, já que ajuda a impedir a disseminação do vírus que está piorando devido à variante Delta e protege famílias e proprietários”, disse a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, em um comunicado.

Na sexta-feira, ela atribuíra a falta de solução exclusivamente aos republicanos. “Infelizmente, nem um único republicano apoia essa medida. (…) É muito decepcionante que os republicanos na Câmara e no Senado tenham se recusado a trabalhar conosco nessa questão”.

Sufoco

Análise do New York Times dos dados da pesquisa do Bureau do Censo dos EUA sobre a questão revelou que em 250 condados (municípios) pelo menos 20% dos locatários estão atrasados em seus pagamentos. No país inteiro, a dívida de aluguel é estimada em US$ 23 bilhões, com uma família em média devendo US$3.800.

Nos 84 condados urbanos mais populosos, os inquilinos devem US$ 13 bilhões. Quase 300 mil inquilinos de Los Angeles devem uma média de $ 5.300 de aluguel atrasado. São 400 mil os inadimplentes da cidade de Nova York. Chicago, Miami, Houston, Dallas, San Diego, Filadélfia e Phoenix têm pelo menos 55 mil famílias em risco de serem postas nas ruas.

Um relatório de 2020 do Aspen Institute descobriu que quase um quarto de todas as famílias americanas gastava mais da metade de sua renda mensal com aluguel. Os inquilinos nesta categoria tinham muito mais probabilidade de estar na linha de pobreza federal ou abaixo dela.

Quanto à ajuda aos locatários, pesquisa da NBC News descobriu que 26 dos 41 estados americanos pesquisados distribuíram menos de 10% de sua primeira rodada de Assistência para Locação de Emergência, com muitos estados apenas começando a distribuir dinheiro em junho.

Ainda, os processo de inscrição são tidos como muito complicados e a documentação exigida, excessiva. Metade das famílias ameaçadas de despejo ficam de fora da elegibilidade para a assistência federal devido a critérios de renda. A consequência é que a ajuda está alcançando apenas uma pequena fração daqueles que mais precisam.

‘E o direito à moradia?’

Ao portal Peoples Dispatch, o editor do Liberation News, Walter Smolarek, disse que o fim da moratória sobre os despejos «constitui uma enorme crise para os trabalhadores» nos Estados Unidos. «Não só milhões de pessoas estão em risco de ver negado o seu direito fundamental à habitação, como o fim da moratória ocorre quando as infecções por Covid-19 estão aumentando», sublinhou. Ele assinalou que nas áreas sob controle republicano a «onda de despejos pode ser ainda maior e mais brutal».

Ele afirmou que vem crescendo a resistência aos despejos. «Mesmo com a legislação em vigor, os proprietários conseguiam descobrir lacunas ou então violavam a lei às claras e efetuavam os despejos. As pessoas têm-se organizado em associações de inquilinos e redes de resposta para impedir as autoridades de expulsá-las das suas casas», disse.

A medida certamente será questionada nos tribunais e vários estados já haviam decretado o fim da proibição de despejos. Ainda assim, concede mais tempo para que o Congresso, conforme ordenou em julho a Suprema Corte, ache uma solução para a questão. Na sexta-feira, os republicanos haviam bloqueado uma tentativa de manter a moratória de despejos até 18 de outubro, data limite marcada pelo CDC ao estabelecer a medida em setembro do ano passado.