Joan Edesson de Oliveira: Bruna: de Brelaz, de Brava, de Brasileira
“Não basta que seja pura e justa a nossa causa. É necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós.” Agostinho Neto
Bruna Brelaz, presidente da União Nacional dos Estudantes, pecou. Pecados de mulher em sociedade machista, todos sabem, são sempre maiores, e a purgação é sempre o triplo, no mínimo.
Mulher, negra, comunista, do norte do país, Bruna Brelaz ousou falar sem pedir licença. Foi esse o seu grande pecado. Teve a coragem de dizer o que pensa, solta, livre, sem peias e sem amarras. Bruna entendeu que o fascismo é uma besta poderosa, que requer muitos braços para derrotá-la. Entendeu ainda que, nessa luta contra a besta, nem sempre podemos escolher quem estará ao nosso lado. Entendeu que derrotar a besta é mais importante do que brigar com quem está, momentaneamente, na mesma trincheira que você. Foi esse o pecado de Bruna Brelaz, defender que uníssemos as mais amplas forças para derrotar o poderoso inimigo que ameaça nos devorar a todos.
Imediatamente Bruna foi atacada. Não pelos adversários, não pelos que estão do lado de lá do campo de batalha. Bruna foi atacada por gente que está no nosso campo, no nosso lado, por quem deveria se unificar em torno do objetivo maior, de derrotar o fascismo, de abrir caminho para a reconstrução democrática do país.
O poeta e revolucionário angolano Agostinho Neto escreveu um belíssimo poema chamado “Do povo buscamos a força”. Em determinado trecho, o poeta escreve: “Dos que vieram/ e conosco se aliaram/ muitos traziam sobras no olhar/ intenções estranhas.// Para alguns deles a razão da luta/ era só ódio: um ódio antigo/ centrado e surdo”. Parece que os ataques feitos a Bruna Brelaz partem daí. Qual a razão da luta para estes que se lançam num espetáculo dantesco de misoginia e racismo contra ela? Parece que para muitos a razão da luta é uma só, o ódio. O ódio antigo, centrado e surdo. Bruna insurgiu-se contra esse ódio, teve a coragem de falar que há ódio também do lado de cá. E ódio, bem sabemos, não é “do bem” ou “do mal”. É simplesmente ódio, um só.
Bruna viu, como o poeta angolano, “as sobras no olhar, as intenções estranhas”. Viu e falou sobre isso, corajosamente. Corajosamente, sim. Uma menina, de olhar meigo e corajoso, falou sobre as “intenções estranhas” e agora sofre um duro ataque por isso, um ataque que parece coordenado, vil, rasteiro, asqueroso, vindo dos esgotos mais profundos, da mais pútrida essência daqueles que o desferem.
O poeta angolano se perguntava: “Lutar pra quê?/ Pra dar vazão ao ódio antigo?/ ou pra ganharmos a liberdade/ e ter pra nós o que criamos?”. Bruna deu a sua resposta, ela luta para que ganhemos a liberdade, para que reconquistemos tudo aquilo que construímos a duras penas e que nos roubam cotidianamente nos últimos anos. Bruna, menina firme e corajosa, não tem medo de se juntar às forças mais diferentes que topem convergir para o interesse momentâneo e comum. Moça de força, tem clareza dos seus princípios e é firme na sua defesa. Bruna respondeu à pergunta do poema. Os que a atacam também responderam: eles lutam pra dar vazão ao ódio, apenas para isso, para dar vazão ao ressentimento. São donos da verdade, que não hesitam um segundo em lançar mão da sua mais abjeta rede de ódio para atacar quem ousa pensar por si, quem ousa se movimentar sem a sua sagrada bênção. No fundo, não têm firmeza de princípios, são uns trânsfugas amedrontados, uns carolas que choram com medo do demônio sem a coragem necessária para enfrentá-lo, escondidos em suas escuras alcovas à espera do rei redivivo Dom Sebastião.
Bruna, tão jovem, aprendeu com o revolucionário Agostinho Neto: “Mantivemo-nos firmes: no povo/ buscáramos a força/ e a razão// Mas a lição lá está, foi aprendida:/ Não basta que seja pura e justa/ a nossa causa/ É necessário que a pureza e a justiça/ existam dentro de nós”.
Bruna, filha do povo, sabe onde buscar a força e a razão.
De longe, eu a saúdo: Ave, Bruna! Brelaz, brava, brasileira!