Jô Moraes

Ao iniciar as reflexões sobre a atualização de nossa ação junto às mulheres queria lembrar que o Brasil está numa guerra contra um inimigo que se esconde e que o exército que o enfrenta tem rosto de mulher. A maioria dos envolvidos, diretamente nos procedimentos do cuidado aos pacientes e que estão mais expostos aos riscos de contaminação, são mulheres – 79% da força de trabalho na área da saúde. Ao Brasil mulher que cuida da vida deste Brasil Nação, nosso reconhecimento!

A pandemia é o vetor estruturante do momento, com suas dramáticas consequências na vida das pessoas. A crise sanitária agravou as chagas das desigualdades e os reflexos sobre a vida das mulheres são mais aplastadores. A sobrevivência das pessoas passou a depender da ação do Estado. Os serviços públicos passaram a ser o principal instrumento para diminuir o sofrimento das mulheres. Exatamente num momento em que o país é governado por um presidente autoritário, entreguista e negacionista.

O documento base da 3ª conferência, em seu item 54, procura apontar o desafio central do momento: “a ação da corrente emancipacionista necessita entrar em sintonia com o protagonismo que as mulheres assumiram”, em especial, as mulheres negras que atuam no mercado de trabalho em condições muito precárias e que junto com as jovens estudantes engrossam cada vez mais o movimento feminista.

Esta diretiva resulta de mudanças significativas que se deram na estrutura da sociedade, ao mesmo tempo em que é impulsionada pelas necessidades de reforçar a atuação de um partido revolucionário.

É importante situar as condições em que desenvolvemos nossas atividades:

Em primeiro lugar, lembremos que todas as conquistas históricas das mulheres foram fruto de suas mobilizações diretas, que sempre tiveram mais êxito quando se realizavam em ambiente democrático, com o apoio de amplos setores da sociedade.

Em segundo lugar, a mudança do paradigma tecnológico no mundo e a crise estrutural do capitalismo produziram grande impacto na vida das trabalhadoras, mudando o seu perfil, tanto no que se refere às áreas e às condições de trabalho como à generalizada perda de direitos. Novos fenômenos surgiram, embora se mantenha a antiga e sempre cruel opressão.

Em terceiro lugar, a sociedade brasileira vivenciou, na última década, novas formas de manifestação e organização, diferenciadas das tradicionais. Os acontecimentos de junho de 2013 marcaram uma nova etapa, com movimentos que se distanciaram de qualquer projeto de nação, incorporando a recusa às formas existentes do fazer política e disseminando a intolerância diante das diferenças.

Ao mesmo tempo, o movimento feminista consciente e a luta das mulheres por seus direitos, em certa medida, realizou uma trajetória particular nesse mesmo período.

O feminismo sempre foi plural e esse pluralismo é resultado das diferentes demandas de mulheres oriundas de classes sociais diferenciadas. Apesar disso, sempre ocorreram movimentos comuns nas lutas por direitos civis.

Na viragem do século o feminismo sofreu uma grande transformação. Ele foi dos pequenos núcleos aos fóruns internacionais e às políticas públicas institucionalizadas em todo o mundo.

Em período mais recente, o movimento feminista novamente realiza mudanças em sua estrutura organizativa. Multiplicam-se iniciativas de resistência mais localizadas, mais pulverizadas, mais fragmentadas, sob a forma de coletivos mais horizontalizados. Enfraquecem-se as articulações nacionais que tiveram um peso decisivo na Constituinte. E se repete aqui a recusa em conviver com o fazer política, com restrições à participação de feministas de partidos políticos.

Contraditoriamente, as grandes mobilizações de rua do movimento feminista se dão em torno de demandas políticas progressistas. A “primavera das mulheres”, em 2015, levou milhares às ruas das principais capitais. A razão principal do protesto era o Projeto de Lei 5069/2013, do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, hoje preso por corrupção, que dificultava o atendimento às vítimas de violência sexual nos serviços de saúde pública. No mesmo ano ocorre a Grande Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, em Brasília. Em outubro de 2016 as ocupações de escolas da rede pública por secundaristas revelaram jovens meninas como lideranças destacadas. Em 2018, o país presencia o Ele Não, a maior manifestação política de mulheres, contra a candidatura do atual presidente.

Os desafios de hoje se concentram numa agenda para a ação e uma nova dinâmica para a corrente.

Uma agenda para a mulher real:

– Luta pela vida, neste momento, é o centro da demanda de homens e mulheres: Vacina já é a bandeira que deve unificar a ação de toda a sociedade.

– Autonomia econômica e luta pelo trabalho digno é o caminho pelo qual a mulher cria condições para enfrentar as diferentes situações de precarização, inclusive a possibilidade de escapar do feminicídio e da violência doméstica cotidiana. A garantia de auxílio emergencial, de programas da economia solidária, a renda mínima, é o caminho para a mulher garantir sobrevivência, trabalho digno e respeito.

– Estruturação de serviços públicos, em especial os relativos à proteção às vítimas de violência sexual e doméstica, à educação que incorpore o combate ao sexismo e ao racismo, à saúde integral, com destaque para os direitos sexuais e reprodutivos e os relativos ao cuidado com as crianças, creches e educação infantil. Especial atenção merecem as jovens mulheres mães solos que enfrentam situação particular de abandono do estado e algumas vezes da família.

– Programa de inclusão política das mulheres para combater a sub-representação nos espaços de poder. A busca permanente de lideranças femininas que surgem da luta cotidiana para que assumam um protagonismo na luta política, tem como meta o reforço da participação das mulheres nas eleições de 2022.

– Campanha do Ele Não é agenda prioritária da democracia, sobretudo das mulheres que têm no governo atual o principal articulador de suas perdas na luta pela vida. Em vários estados será possível chamar plenárias feministas de frente ampla, para intensificar a Campanha do Ele Não.

Uma corrente feminista emancipacionista de expressão popular

O feminismo popular deverá apresentar para a sociedade um Plano Emergencial de Estímulo à Economia com inclusão das Mulheres. E acompanhará os debates que estão ocorrendo em torno do Projeto Nacional de Desenvolvimento para o Brasil.

O feminismo emancipacionista de expressão popular deve se assumir como uma “poderosa rede de feministas, intervindo no curso real dos movimentos sociais, mobilizando as mulheres para assumir a luta contra a opressão de gênero em sua própria atividade política”, indicava Loreta Valadares. “Para a formação desta rede, são necessárias uma maior elasticidade e mais flexibilidade em suas formas organizativas”, completava ela. Isto significa que é preciso constituir fóruns permanentes de articulação para a ação das entidades, órgãos do executivo, coletivos, grupos culturais, e espaços de pensamento que assumam as ideias centrais do feminismo popular.

As entidades que, historicamente, surgiram como protagonistas da corrente emancipacionista buscarão renovar suas dinâmicas organizativas, com menos amarras burocráticas e mais protagonismo horizontal, para absorver novas lideranças do mundo do trabalho, jovens e negras, paridas nessa nova resistência. E se dedicarão, na próxima etapa da luta, a reforçar seus laços com os grupos e coletivos de mulheres, em especial jovens e negras, que surgem nos territórios, nas categorias de informais, entre as servidoras, entre trabalhadoras dos setores tradicionais, nas escolas e universidades, em torno das suas mais sentidas demandas.

A corrente emancipacionista reforçará seu trabalho de formação entre as lideranças feministas, no sentido de difundir a luta anticapitalista como caminho para que se criem melhores condições para a emancipação da mulher e de toda a humanidade.

Ao encerrar, repito aqui as palavras que escutei, nas plenárias estaduais de jovens feministas que delas participaram: Somos a resistência e seremos a revolução.

Todo dia uma luta. Todo dia uma esperança.

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Jô Moraes é ex-deputada federal e presidenta do PCdoB em Belo Horizonte-MG

 

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