Convocado para explicar recursos de empresa em paraíso fiscal, o ministro da Economia, Paulo Guedes, compareceu à Câmara dos Deputados nesta terça-feira (23), em audiência conjunta das comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e Fiscalização e Controle. Na ocasião, Guedes admitiu que enviou recursos para sua empresa sediada em paraíso fiscal (offshore) para escapar de impostos cobrados nos Estados Unidos e confirmou que parentes permanecem ligados à companhia. A estratégia também evita tributos no Brasil. Segundo o ministro, não há conflitos de interesse em suas ações e “offshore é um veículo de investimento absolutamente legal”.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) rebateu a fala de Guedes. A parlamentar afirmou que não estava em discussão a legalidade dos investimentos do ministro, mas a moralidade. Jandira lembrou ainda que paraísos fiscais, apesar de legais, são utilizados para encobrir atividades ilegais.

“É muito complexo a gente ouvir que offshore pode tudo e algo é legal. Pode ser, mas na maioria das vezes não é. Paraíso fiscal é o paraíso do secreto. É assim compreendido pela análise da OCDE, da ONU. Ali pode ter tráfico de tudo: de drogas, de órgãos. É o sigilo que garante o sucesso. Então, dizer que tudo é legal, não dá, pois sabemos que não é. Se fosse, não seria para lá que iria o que não se tributa. Mas é claro que existe a parte legal. E não estamos dizendo que seus negócios são ilegais. O que nos cabe discutir é se é moral e legítimo para alguém que comanda o Ministério da Economia”, afirmou a deputada.

Assim como Jandira, parlamentares de outras legendas questionaram se a conduta de Guedes não configuraria o crime de advocacia administrativa, previsto no artigo 321 do Código Penal, que consiste em “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”.

O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos autores do pedido de convocação de Guedes, foi um dos que exemplificou a possibilidade de conflito de interesse. “Tirar tributação das offshores não configura uso do cargo público para aumentar os próprios rendimentos? Não entraria no mínimo uma infração na legislação?”, questionou o parlamentar ao ministro em referência à atuação de Guedes na alteração das regras do Imposto de Renda.

Na ocasião, Guedes defendeu a retirada de uma regra que estabelecia a taxação de recursos de pessoas físicas em paraísos fiscais. A regra foi removida após reuniões entre ministro e o relator da matéria, Celso Sabino (PSL-PA). Em declarações dadas em julho, antes do escândalo revelado pela investigação do Pandora Papers, o ministro declarou: “Ah, ‘porque tem que pegar as offshores’ e não sei quê. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Tira. Estamos seguindo essa regra”, disse.

“Se não fosse o Pandora Papers não saberíamos que o ministro tem offshore. Isso é sério. Escandaloso. O senhor disse que “se isso complica deixa pra lá”. Nesse governo é assim: ministro do Meio Ambiente passa a boiada; da Economia se beneficia com sua política… Insisto na necessidade de que documentos cheguem aqui”, cobrou Jandira.

Guedes, no entanto, afirmou que não revela seus lucros nas Ilhas Virgens Britânicas por “medo de ser assaltado”. Ele destacou que as informações estão à disposição das instâncias pertinentes, por meio de declaração do Imposto de Renda. “Se parlamentares me pedirem, a resposta é não. Agora, se me disserem ‘uma instância pertinente pediu’, será entregue, como sempre foi. Os números estão todos disponíveis. Mas os senhores precisam entender que existe uma coisa chamada privacidade”, ressaltou.

Para o líder do PCdoB na Câmara, deputado federal Renildo Calheiros (PE), Guedes não convenceu e o caso precisa ser melhor apurado.

“O depoimento do ministro da Economia não convence. É preciso esclarecer se houve conflito de interesses. Uma das suspeitas a serem apuradas é se a política de desvalorização do real elevou o patrimônio da empresa dele. A política econômica do governo Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes está empobrecendo o Brasil. Os dados da economia mostram a falência absoluta do país. É inaceitável que o povo passe fome em meio à insensibilidade do presidente Jair Bolsonaro. Paulo Guedes e Jair Bolsonaro devem explicações ao Brasil”, afirmou.

O uso de paraísos fiscais é um problema global discutido há anos por órgãos como a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Oxfam. De acordo com especialistas no tema, a estratégia alimenta a desigualdade pelo mundo ao retirar dos cofres públicos recursos que poderiam ser usados para políticas como saúde, educação e benefícios sociais.

As declarações do ministro são dadas no momento em que o Brasil acumula oito anos de contas no vermelho, tem dívidas acima de R$ 5,4 trilhões e busca como elevar a verba prevista para o Auxílio Brasil (substituto do Bolsa Família).

Por Christiane Peres
(PL)