Jandira Feghali: Padroeira, olhai por nossas crianças
Falta muito? E agora, falta muito? Essas costumam ser perguntas frequentes das crianças após a primeira hora de viagem. Em outubro de 2021, após um ano e meio da Covid, são perguntas que muitos de nós fazemos. O Brasil superou a triste marca de 600 mil vidas perdidas para o vírus nos últimos dias. Foram 3.561 óbitos de indivíduos de até 19 anos. O aumento da taxa vacinal e a diminuição da média de mortes nos permite tecer reflexões sobre o impacto desse período nos pequenos.
Por Jandira Feghali*
Crianças e mulheres são as principais vítimas das guerras. Esta foi a conclusão da ONU em relatório publicado em 2010 após analisar territórios que passaram por conflitos. No documento o organismo internacional aponta que esses grupos permanecem com sequelas profundas após a paz. Não há como comparar uma guerra a uma pandemia, por mais grave que ela seja, mas é um alerta para que a sociedade cuide da geração que está crescendo sem ver os sorrisos, que podem ou não existir por trás das máscaras.
A tragédia sanitária ganha ares mais profundos quando analisamos o impacto da Covid-19 em indivíduos em desenvolvimento. Apesar deles serem menos suscetíveis a complicações da doença, o grupo abaixo de 12 anos não está elegível à imunização e pode ter impactos maiores no que se refere ao seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional. No caso da primeira infância, o isolamento social trouxe desafios para a fala e socialização. Para os maiores, as medidas sanitárias incluem a paralisação escolar e, posteriormente, o ensino online que acentuou ainda mais as desigualdades sociais do país. Para todos, o impacto psicológico ainda precisará ser observado.
A Epicovid-19, pesquisa realizada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) em parceria com o Ibope, apontou pobreza, subnutrição, falta de assistência em saúde e educação, além da perda da mãe, do pai ou de responsáveis como os problemas enfrentados por crianças e bebês na pandemia. Estudo publicado na revista científica The Lancet confirma que, mais de 130 mil crianças e adolescentes de até 17 anos perderam um dos seus cuidadores, como pai, mãe ou responsável, para a Covid no Brasil. O país só perde para o México com 140 mil órfãos.
Diante deste cenário o governo Bolsonaro, além de não agir para investir em políticas para a geração covid, ainda dá péssimos exemplos para nossas crianças e jovens. Não olha para os órfãos, para os que não tem estrutura para as aulas virtuais, para os que não tem a merenda na escola e enfrentam a fome. Pior, olha, despreza e zomba de todos eles, insensível que é.
Bolsonaro já criou polêmica ao arrancar a máscara de proteção de uma criança e, recentemente, por segurar uma réplica de arma como se estivesse pronto para atirar. A cena grotesca teve repercussão mundial e o Presidente do Brasil foi repreendido pela ONU. De forma objetiva, por comando do presidente, o Ministro da Saúde Marcelo Queiroga retrocedeu na vacinação de adolescentes. A comoção nacional, incluídos os especialistas, fez o Ministério da Saúde incluir novamente o grupo no Programa Nacional de Vacinação.
Não há respostas para as principais demandas da sociedade, apenas a certeza de que este governo apaga o futuro de toda uma geração. Apaga pela falta de investimentos em educação e saúde. Apaga pela visão mesquinha, submissa à banca, de que as políticas sociais são gastos a serem cortados. Apaga ao matar de fome. Apaga ao tentar destruir o programa Bolsa Família que tem como foco manter as crianças nas escolas.. Uma geração toda de filhos e filhas oriundos de famílias em situação de vulnerabilidade que trocaram os semáforos pelas escolas e agora outros começam a fazer o caminho inverso. O que o futuro lhes reserva? Com este governo, o desemprego, a desesperança, a falta da perspectiva.
Não sabemos quanto tempo falta para a epidemia acabar no Brasil. Nem se conseguimos interromper este governo antes de acabar este mandato. A certeza é que em final de 2022 o governo da morte se encerra. E apenas com seu fim o futuro voltará a sorrir para nossas crianças e jovens. Até lá, é preciso resistir e tentar avançar. Assim como a pressão foi fundamental para garantir a vacinação para os adolescentes, a cada dia é nossa tarefa lutar para garantir um presente e um futuro de direitos.
O governo se esforça para negar a vida e o potencial do seu povo, mas nossa voz e força precisam estar cada vez mais unidas, na proporção da nossa indignação e esperança. Mobilizar para que mais retrocessos não aconteçam. E como também é dia da padroeira do Brasil, lembro da devoção de minha mãe que a tinha no seu altar particular e sempre penso que nunca é demais nos somarmos à fé do povo brasileiro, e pedir que olhe para os pequenos e pequenas do nosso país. Pois o governo não olha.
*Jandira Feghali é deputada federal do PCdoB-RJ
Artigo originalmente publicado na revista CartaCapital
(PL)