Eu gostaria de ter chegado ao dia 8 de Março mais esperançosa, mas ainda ecoa em meus ouvidos a frase dita por um homem de 35 anos e votado por quase meio milhão de paulistas para representá-los na Alesp: Elas são fáceis porque são pobres. A frase do “jovem” deputado estadual não é fato isolado em sua carreira de declarações e atos carregados de preconceito.

Por Jandira Feghali*

A justificativa veio rápida e é conhecida daquelas e daqueles que são alvo de todo tipo de preconceito: foi uma brincadeira. E de brincadeira em brincadeira, vemos os horrores de um machismo que nos envergonha e mata. Por onde se interpreta a frase ela é igualmente cruel, mas elucidativa do quanto a sociedade ainda precisa evoluir na compreensão sobre o significado da opressão de gênero.

Esta palavra, gênero, virou maldita num Congresso de maioria conservadora e em parte fundamentalista. E, mais do que nunca, é preciso refletir e encontrar caminhos para que homens e mulheres sejam, de fato, iguais em direitos e deveres.

Mas aí perguntamos: é possível mudar quando votamos em pessoas que perpetuam sem escrúpulos essa visão patriarcal? Quando um homem diz, sem temor, que uma mulher não merece nem ser estuprada e recebe milhões de votos? Quando mulheres ousam enfrentar uma estrutura masculina de poder e não recebem apoio ou recursos para suas campanhas ou quando são vítimas de violência política de gênero ao conquistarem mandatos eletivos? Quando um candidato diz em cadeia nacional que é justo que mulheres tenham salários inferiores para exercer a mesma função que os homens e é eleito? Não, também não é.

Em 2018, as urnas foram depositárias desses votos que elegeram representantes sabidamente contra a igualdade, contra direitos sociais e contra a democracia. Os resultados estão aí para quem quiser ver. Um país que fez crescer as desigualdades, a pobreza, o ódio e a violência. Um Brasil sem oportunidades e motivo de chacota internacional.

Quero crer que em 2022 a história será diferente. Que a triste experiência de quatro anos de um governo que debochou das vidas perdidas, que procurou a todo custo fragilizar as instituições com ataques constantes e que vociferou contra a democracia e seus pilares deixou marcas e aprendizados.

Para as mulheres foram anos especialmente dramáticos. Aumento de feminicídios, desemprego e miséria as atingiram de forma brutal. Para cada legislação aprovada, um veto presidencial. E assim, meninas ficaram longe da dignidade menstrual. Mulheres grávidas terão que retornar ao trabalho presencial mesmo sem a imunização.

Por isso digo e repito: é muito fácil subjugar as mulheres quando a visão machista adentra e predomina nos espaços de decisão. Mas, é possível mudar esta realidade e temos, todos e todas, essa alternativa. Em nome de todas as mulheres vítimas de violência e da opressão, não percamos essa chance. O machismo não se esconde. Ele se ostenta com um indigno orgulho e é possível identificá-lo nos candidatos e lamentavelmente, em algumas candidatas.

O fenômeno que vimos ocorrer no Brasil, em que a extrema direita e seus simbolismos ganharam as eleições, também ocorreu em outras partes do mundo. Muitas análises já foram apresentadas e um dos aspectos relevantes é o papel da tecnologia da comunicação, seu planejamento e construção de conteúdos falsos. No Brasil, a maioria dos eleitores é constituído de mulheres, e este fato deve nos chamar à reflexão.

Na guerra ou fora dela, ser mulher pode a qualquer momento representar um risco. Pistolas e facas tiram vidas na violência doméstica e familiar, atentados tiram vidas na violência política, fake news nos ameaçam nas plataformas digitais, “brincadeiras”, “deboches” humilhações e agressões verbais e/ou físicas em ambientes institucionais, racismo nas ocupações de emprego, na definição de níveis salariais. Tudo isso muitas vezes sem apuração ou punição. É possível mudar a realidade assim? Não, claro que não.

Não enquanto alguns homens se aproveitam da impotência, da miséria e dos horrores de uma guerra para expor seu caráter pervertido e perverso, para além de xenófobo. Mas, outros choram diante da impossibilidade de ajudar mulheres em situações de desespero e desamparo, como lindamente escreveu Jamil Chade em uma carta/testemunho publicada.

O texto dirigido ao deputado Arthur do Val emociona e é taxativo ao afirmar que: Eu e o senhor – homens brancos – nascemos como a classe mais privilegiada do planeta. Eu e o senhor não tivemos de fazer nada para adquirir esses privilégios. Existimos. É nossa obrigação, portanto, desmontar o processo de profunda desumanização de uma guerra e da miséria. Cada um com suas armas.”

Quanto mais pessoas entenderem que isso não deve ser tratado como uma brincadeira, mais votos conscientes chegarão às urnas. Mais candidatos e candidatas comprometidas com a democracia e a igualdade chegarão às Assembleias Legislativas, aos Governos estaduais e ao Congresso Nacional. E isso é muito, nesta fase da limitada democracia brasileira. Esperando sempre, que mais mulheres progressistas e feministas se elejam.

Comecei o texto com desesperança, mas termino com o otimismo e a força que vejo nas mulheres nos momentos mais difíceis. Na luta diária por respeito e por direitos e, muitas vezes, por sobrevivência. O machismo ainda pode muito, mas não nos calará, pois nunca nos calou. Seguiremos de cabeça erguida e enfrentando cada ataque com as armas que temos: as ideias, a coragem, a solidariedade e a certeza de que uma sociedade com igualdade será construída.

 

VIVA O 8 DE MARÇO

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

DIA DE LUTA E ESPERANÇA!

 

*Jandira Feghali é deputada federal do PCdoB-RJ e vice-presidenta nacional do partido

 

Artigo originalmente publicado em CartaCapital

 

(PL)