Não há dúvida que a Lei Maria da Penha foi um divisor de águas no combate à violência doméstica contra a mulher. Antes da lei, os agressores eram “punidos” com o pagamento de cestas básicas, não existiam medidas protetivas e nem tão pouco juizados especializados para os casos. Por tempo demais, ficamos sem legislação específica e os acordos construídos nos juizados especiais criminais acabavam por deixar os agressores impunes e as mulheres desprotegidas, desamparadas e desestimuladas a denunciar as agressões, certas de que o agressor pagaria meia cesta básica como pena e voltaria para casa com maior disposição de reincidir na violência.

 

Por Jandira Feghali*

 

Mas, 15 anos após a edição da Lei Maria da Penha, é preciso dizer que ela não é apenas uma norma punitiva. Esta lei garante sim a punição, mas tem um objetivo bastante claro, desde que o consórcio se formou para sua elaboração, em coibir e prevenir esse tipo de violência. Foco que persegui quando fui indicada relatora do projeto.

Não nos interessa apenas prender os agressores, nos interessa muito mais que as agressões não aconteçam. Que situações que começam com violências psicológicas ou morais não evoluam para casos de feminicídio. Que a violência não prospere e que as mulheres se sintam seguras para denunciar. Que não contabilizemos mortes, lamentemos os casos se multiplicando, choremos tantos órfãos de mãe, mas que possamos impedir o ato violento e salvemos vidas.

A lei é ampla e garante prevenção, proteção, atendimento especializado, capacitação de profissionais de Educação e Segurança, afastamento do agressor e medidas para amparar as mulheres caso estas necessitem sair de casa, como estabilidade no emprego e prioridade de vaga nas escolas para os filhos, cuidado com as crianças e jovens de lares violentos, proteção à empregada doméstica. Mas, tudo isso necessita de investimentos. Recursos que o Congresso amplia todos os anos e podem fazer a diferença entre a vida e a morte de uma mulher.

Lamentavelmente, salvar vidas não é o foco do atual governo federal. Nem na pandemia e nem para conter o avassalador aumento de casos de violência doméstica e de feminicidios. Dados do Inesc mostram que, em 2020, apenas R$ 5,6 milhões de um total de R$ 126,4 milhões previstos na Lei Orçamentária foram efetivamente gastos com as políticas públicas para mulheres. No mesmo ano, a própria Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, divulgou que o número de denúncias de violência contra a mulher feitos por meio de ligações ao Disque 100 e ao Ligue 180 foi 25% superior ao de 2019. Casos aumentando e investimentos caindo.

E a realidade da execução orçamentária para 2021 não é muito diferente. No primeiro semestre, foram pagos apenas R$ 13,9 milhões, R$ 1,47 milhão a menos se compararmos com o mesmo período do ano anterior. Uma tragédia anunciada e sem qualquer prioridade por parte do Executivo.

Temos uma lei reconhecida como uma das três melhores do mundo, as mulheres ganharam confiança para denunciar, mas a estrutura necessária para protegê-las necessita de recursos dos Executivos e do Judiciário. Sem investimentos, caímos na triste situação de apenas ampliar penas e voltar ao foco punitivista. Queremos punição exemplar para os agressores, mas antes de tudo, queremos mulheres vivas. Vivas e com estruturas que lhe permitam superar o trauma e buscar uma vida sem violência. Esse é um direito das mulheres. Um direito que o Estado lhes nega quando não aplica os recursos necessários.

Nesses 15 anos da Lei Maria da Penha nosso grito deve ser: Queremos viver! Queremos que a lei seja cumprida em sua íntegra! Cumpra-se!

 

*Jandira Feghali é deputada federal (PCdoB-RJ), médica e relatora da Lei Maria da Penha.

 

As opiniões aqui expostas não refletem necessariamente a opinião do Portal PCdoB