Jandira Feghali e Beatriz Figueiredo: Para sempre Elza Soares
No Brasil onde uma menina se casa aos 12 anos e é mãe aos 13. No país em que a cor da pele define destinos e encurta vidas. No Brasil que fecha os olhos para a violência contra as mulheres. No PLANETA FOME, nasceu Elza Soares.
Por Jandira Feghali e Beatriz Figueiredo*
Um corpo pequeno para absorver tanta injustiça e preconceito, mas grandioso para externar sua indignação. Porque MINHA VOZ USO PRA DIZER O QUE SE CALA.
E muita coisa se cala ainda hoje: 81% veem racismo no Brasil, mas apenas 34% admitem preconceito contra o povo preto. E, pasmem, para 13%, o racismo não existe. Junte-se a isso o recente debate sobre racismo reverso e vemos que o caminho ainda é longo para extirpar esta violência estrutural. E agora este caminho perdeu Elza Soares.
A voz do milênio se calou. Mas não sem antes bradar num canto forte e emocionante que diz A CARNE MAIS BARATA DO MERCADO É A CARNE NEGRA. Sua mensagem foi longe, ecoou e foi reverberada por muitas outras mulheres, artistas ou não, brasileiras ou não, fez levantar plateias, escancarou o que parecia difícil de mostrar e, por isso, sua força permanece.
A coragem, a cabeça erguida diante das dificuldades, a vontade infinita de contestar um padrão excludente. POR QUE QUE A FOME É NEGRA SE NEGRA É A BELEZA?
Elza encarou a fome, o dedo em riste, a perseguição, a mão agressora e a pior das dores – a morte de filho. E no caso dela, mais de uma vez. Ela mesma disse que “filho é uma ferida aberta que não cicatriza”.
Elza amou muito, cantou tudo, todos os ritmos, tudo que quis, e encantou até o fim. Mais do que isso, foi e será uma inspiração. Um eterno lembrete do poder da música e da cultura brasileiras, que ela divulgou para o mundo. Cantou o amor e guardou o DIREITO DE ALGUM ANTEPASSADO DA COR BRIGAR SUTILMENTE POR RESPEITO. Guardou em suas músicas, em suas atitudes, no modo como não aceitava que lhe dissessem que não podia, que tinha que aguentar calada a violência.
Uma mulher do fim do mundo que sabia que TEM UM BRASIL QUE SOCA, OUTRO QUE APANHA. E sabemos bem quem bate e quem sente a dor. E porque ela sabia, amplificou o canal de denúncia 180. E porque ela sentia, elevou a autoestima das mulheres.
Palavras não são suficientes para descrever a admiração por esta Elza, uma mulher negra que encontrou na canção uma forma de se libertar e de envolver outras, magicamente, em suas letras carregadas de símbolos pelo amor e contra a opressão, o racismo e o machismo.
Por ela, e por todas, nossa luta continua. AGÔ, AGÔ, AGÔ É LIBERTAÇÃO.
Quem acha que a luta que ela encarnou vai esmorecer se engana, CÊ VAI SE ARREPENDER DE LEVANTAR A MÃO PRA MIM.
Sua partida dá um grande sentimento de orfandade, mas prevalece a esperança que ela nunca cogitou abandonar. A sabedoria em não se deixar abater ou calar, porque esta era sua atitude. Seu talento e sua coragem eram maiores. Sua certeza que O AMOR DEIXA MARCAS QUE NÃO DÁ PARA APAGAR. E com sua alegria, seu amor e com seu legado permanecemos.
Elza Soares, para sempre!
*Jandira Feghali é deputada federal (PCdoB-RJ) e vice-líder da Minoria na Câmara dos Deputados. Beatriz Figueiredo é assessora parlamentar
Artigo originalmente publicado em CartaCapital
(PL)