Jandira Feghali: A esperança equilibrista na lei Aldir Blanc
A Folha de S.Paulo sempre ocupou lugar importante na difusão da cultura no Brasil. Por isso, causou estranheza o editorial intitulado “Socorro Cultural” publicado no sábado (6) sobre a aprovação no Senado da chamada “Lei Aldir Blanc”. Embora o editorial reconheça a justeza da homenagem no batismo da lei, bem como a situação emergencial do setor, há aspectos importantes que precisam ser esclarecidos.
Por Jandira Feghali*
O editorial questiona o papel do poder Legislativo na aprovação de medidas emergenciais e da liberação de recursos para estados e municípios neste momento. É importante lembrar que o Parlamento teve papel fundamental na aprovação do decreto de calamidade pública, do estado de emergência em saúde e na aprovação do auxílio emergencial e de garantia do emprego, medidas essenciais de proteção social aos mais vulneráveis do ponto de vista sanitário, social e econômico.
No plano federativo, governadores e prefeitos têm sido a linha de frente do combate ao coronavírus e às consequências econômicas e sociais decorrentes da pandemia. Este cenário também se refletirá nas ações emergenciais relacionadas ao setor cultural, pois o texto aprovado no Congresso prevê uma gestão descentralizada dos recursos da lei por estados e municípios, com mecanismos de transparência e controle social, e intensa participação da sociedade civil.
A Lei Aldir Blanc reconhece a diversidade, estabelece impacto financeiro determinado de R$ 3 bilhões e aponta fontes vinculadas, como o superávit do Fundo Nacional de Cultura até dezembro de 2019.
Seu texto final é fruto de uma ampla pactuação que envolveu o Fórum de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, Confederação Nacional de Municípios, Frente Nacional de Prefeitos, conselhos estaduais e municipais, além dos mais diversos segmentos artísticos e culturais. Como relatora do projeto na Câmara, pude acompanhar a mobilização pela lei em todo o país, centenas de pessoas que participaram de reuniões virtuais para debater e contribuir com a iniciativa.
A Fundação Getúlio Vargas estima que a grande e complexa cadeia produtiva da cultura, perderá receitas da ordem de R$ 46,5 bilhões apenas este ano, com uma diminuição de 24% em sua participação no Produto Interno Bruto (PIB), que hoje corresponde a algo entre 4% e 5% do total.
É por isso que o mundo está reagindo. No Reino Unido serão feitas transferências de recursos para projetos culturais financiados mesmo que estejam parados. Já a França investiu na ampliação de bolsas aos artistas para atender profissionais quando não têm trabalho até junho de 2021.
Aqui no Brasil, essa importância foi ressaltada por nós no Parlamento. As seis proposições legislativas sobre as quais me debrucei foram assinadas por 34 parlamentares de 11 partidos diferentes, da esquerda à direita. A votação, de um novo texto, quase unânime da Câmara (exceto o Novo), a votação unânime do Senado, e o compromisso público de sanção por parte dos líderes do governo, demonstram que a Lei Aldir Blanc é urgente. Esse socorro é uma agenda cívica, que transcende disputas políticas e fronteiras ideológicas.
E com essa rara unidade e convergência entre governo e oposição, em um contexto de extrema polarização política e social, a Lei Aldir Blanc demonstra que a cultura brasileira, talvez por falar à alma e a sensibilidade coletiva, tem a capacidade de produzir unidades e consensos. “Não há abismo em que o Brasil caiba”, ecoam as palavras sempre proféticas de Jorge Mautner. E a arte e a cultura tem o papel fundamental na superação dos abismos, na cura das feridas e na recomposição do tecido social brasileiro. A esperança equilibrista há de prevalecer. Viva Aldir Blanc!