A deputada Jandira Feghali é defensora histórica das pautas da Cultura, sempre com foco em pluralidade e democracia

As rodas do jongo ritmado, dos tambores alucinados, as cavalhadas na terra vermelha do Centro-Oeste, as danças indígenas em roda, o tecido branco das saias rendadas e os turbantes estampados do Ilê, as fitas em movimento no frio dos pampas, a congada, os pretos-velhos em círculo, os santos, os milhares de pontos potentes que se manifestam, a nudez e todas as obras de drama ou comédia que ocupam os palcos, a produção cada vez mais diversificada e poderosa das telas, os grafites que impressionam, as imagens desenhadas, pintadas, impressas ou esculpidas surgidas da imaginação ou da vida, a pluralidade musical impactante e emocionante, os textos, histórias e poemas que voam das páginas e gargantas, os sabores e saberes, as igrejas, templos, terreiros… Alguém imagina que alguma dessas expressões possa ou deva ser impedida?

Por Jandira Feghali*

Alguém que ouve música ou pisa num teatro, numa sala de cinema, que viaja nas páginas de um livro consegue anular esses fatos da vida? Pode apoiar a asfixia financeira ou a destruição de obras e espaços em nome de um único gosto, ideia ou religião? Usar dinheiro público, de toda a sociedade, para apoiar uma só forma de arte e pensamento? Para o Governo Bolsonaro, de base ideológica autoritária, a liberdade incomoda, e muito, seus atrasos, seus recalques, suas miopias de mundo e abstinências.

Conhecimento, identidade, potência e capacidade crítica são elementos transformadores. Cultura é além do que se vê ou se toca, mas o que se é. Possibilitar que o povo seja potencializado pelo trinômio educação, ciência e cultura é emancipador e transformador. E é justamente por isso que o governo estabeleceu seus alvos ideológicos e atirou suas mordaças.

Nas últimas semanas foi a gota d’água. Um péssimo intérprete de Goebbels (responsável pela propaganda nazista) num vídeo institucional da Secretaria Especial de Cultura. Anunciava “uma nova era”, uma “nova Cultura” e “civilização”. Foi aí que revelou demais a própria face e do Governo. Grande e péssima repercussão, inclusive na comunidade judaica, e foi expulso do jogo. Resolveu? Não. É só recuperar o histórico das opiniões e ações deste governo para entender sua essência. Desprezo pela maioria do povo, desemprego, anulação de direitos, extinção de todos os órgãos democráticos de controle social, elogios constantes à tortura, ao AI-5, agressão à memória de mortos e desaparecidos, aumento da letalidade policial sobre a população negra, misoginia, armas, preconceito, ódio ao diferente, ao que diverge, à Esquerda.

São apenas alguns registros entre tantos para que vejamos que os sinais sempre foram bem fortes.

E lá vem Regina, atriz nacionalmente conhecida não só pelos trabalhos na dramaturgia, mas também por sua identidade com as posições mais conservadoras de Bolsonaro. Lamentável! Na realidade, a atriz ainda não disse a que veio. Não trouxe perspectivas, projetos, metas em todas as suas falas e posicionamentos públicos. Circula pelo extinto MinC entregando apenas sorrisos. De nós, da Oposição, de muitos artistas e sociedade civil, terá a luta diária pela defesa e manutenção das liberdades individuais, de expressão, de fomento à Cultura sem olhar a quem, sem que o Estado decida o que é cultura, sem proibições ideológicas ou cortes estratégicos no setor. O Brasil não pode se curvar aos atrasos do bolsonarismo, muito menos a arte.

Atitude democrática e comportamento republicano é o mínimo que se espera da futura-quem-sabe-gestora da Cultura. Porque deste Governo, ah! Sabemos o que esperar. Do escrúpulo fascista de repousar o livro de um torturador na principal mesa do Palácio do Planalto a impropérios e ações diárias contra o trabalhador brasileiro, contra as mulheres, os negros, as minorias étnicas, lideranças sociais da cidade e do campo, jornalistas, intelectuais da academia e do povo.

Nós, os que fazemos ou defendemos a Cultura e a diversidade brasileiras, continuaremos a tocar mentes, corações e almas com nossas ideias, bandeiras, certezas e incertezas. Seja nas redes ou nas ruas. Com nossas cores, rendas, vestidos, nudez, corpos, pinturas, palavras, desenhos, danças, molejos, rebolados. Com o santo, com o axé, com a macumba, ou com a não-fé. Incomodando, fazendo pensar, criando, expressando, cantando. E, acima de tudo, resistindo e transformando.