Jandira Feghali: 500 mil vidas – a história cobrará respostas
Dores, orfandades, impotências, amores perdidos, gestantes morrendo com seus filhos no ventre, histórias interrompidas cada vez mais cedo, deixando famílias dilaceradas. São muitos outros cenários ainda que formam o atual retrato de perdas imensuráveis. Não preciso descrever todos porque são vistos diariamente nas telas, nas redes e nos impressos.
Por Jandira Feghali*
A questão é repetir a pergunta: por que chegamos neste lugar, onde, em números oficiais, mais de 500 mil pessoas tiveram suas vidas perdidas por infecção do coronavírus nesta pandemia, fazendo do Brasil o 2º país em número absoluto de mortes?
Neste 19 de junho, 750 mil pessoas foram às ruas em quatrocentos e vinte e sete atos no Brasil e dezessete no exterior decodificando esta pergunta e apontando o principal responsável. Todas em uníssono bradavam: BASTA! FORA BOLSONARO! VACINA JÁ! EMPREGO! AUXÍLIO EMERGENCIAL DE 600 REAIS! DEMOCRACIA!
As pessoas de bom senso, responsáveis, solidárias, patriotas de verdade que lutam pela vida, sabem a importância da ciência. Sabem que vírus se combate com vacina, com testes em massa, com isolamento de contactantes. Elas tem certeza que teria sido fundamental a atuação rápida nos territórios das comunidades de infraestrutura precária, que medidas econômicas também são medidas sanitárias e de defesa da saúde. Não se evita aglomeração nas ruas, nos trabalhos precários, em transportes coletivos, sem dinheiro emergencial para sobrevivência.
Os manifestantes ocuparam as ruas de forma pacífica, de máscara, sendo orientados pelos organizadores a manter distância e recebendo álcool gel. As máscaras permitiam a comunicação pelo olhar, que chorava ou sorria, e possibilitava o reconhecimento dos amigos e parceiros de luta que há muito não se viam, mas que nesse momento se fortalecem lado a lado superando a solidão da postagem virtual. Geração de 68 e novas gerações que chegavam, eleitores arrependidos do atual mandatário. Os gestos feitos para acompanhar as palavras de ordem, cartazes feitos em casa, faixas pedindo recursos para educação, para o SUS, cores diversas, performances, expressões plurais de um sentimento que costurou a manifestação.
Mulheres e homens têm a consciência de que o Brasil está submetido a um comando desajustado, anticientífico, que trabalha sustentado por um gabinete de incompetentes e arrogantes, que construiu um planejamento criminoso ao estimular a contaminação da população para atingir a chamada “imunidade de rebanho”, nomenclatura, aliás, adequada para o olhar deste governo.
Este planejamento que envolveu, particularmente, a gestão Pazuello, levou a muitas determinações de comunicação, de ações administrativas, comportamentos do presidente e de sua equipe, levando a aglomerações sem proteção, atraso de compra das vacinas, prescrição de medicamentos de falsa eficácia gerando proteção ilusória para a população, omissão de socorro, falta de oxigênio, lesões nas relações diplomáticas, radicalização ideológica contra os produtores da vacina e com governadores e prefeitos, atraso no repasse de recursos para estes, cancelamento de recursos para o SUS. Uma estratégia orquestrada, que acabou num musical fúnebre.
Especialistas, sanitaristas, infectologistas, pesquisadores, médicos, profissionais das diversas áreas de saúde, Congresso Nacional, Organização Mundial da Saúde, Organização Panamericana de Saúde, experiências internacionais, outros chefes de Estado, todos, informaram, alertaram, debateram, indicaram, denunciaram, propuseram, aprovaram, apresentaram. Uma infinidade de recomendações e estudos que demonstram que não faltaram informações, recursos aprovados e conhecimento de sobra para caminhar e agir no rumo correto para salvar a vida dos brasileiros e brasileiras.
O governo Bolsonaro fechou os olhos a tudo isso e negou a possibilidade de preservarmos vidas. Agiu conscientemente, porque não acredita na ciência. Cometeu crimes contra a vida. Induziu à morte e tem responsabilidade sobre as 500 mil vidas perdidas!! Cometeu crime de responsabilidade. Não foi sequer capaz de se pronunciar em solidariedade às famílias, no dia em que milhões delas, enlutadas, choram suas perdas nesta marca de meio milhão mortes. Ao contrário, sempre debocha, acha natural que as mortes evitáveis ocorram. Temos um presidente sem compaixão, desumano, que não gosta de povo, nem do Brasil.
Muitos olham para 2022. Eu ainda estou em 2021 e digo que nossa luta é agora. A vida tem pressa e a fome também! A CPI do Senado já tem as provas. A Câmara dos Deputados não pode se furtar à tarefa de interromper este governo criminoso, sob pena de responder na história. Pode parecer ingênuo, diante da correlação de forças do atual Congresso, mas a sociedade se move na direção do que é justo e o parlamento que a representa deve responder a altura da gravidade do momento.
IMPEACHMENT JÁ!
*Jandira Feghali, médica, é deputada federal do PCdoB-RJ
(Artigo originalmente publicado no revista CartaCapital)
(PL)