Homenagear o samba é como falar da própria história. É como se observássemos a intimidade da nossa gente através do tempo e, simultaneamente, nos sentíssemos afetados pelos grandiosos resultados dos seus feitos e construções para erguer a nação chamada Brasil.

Por Jandira Feghali e Alexandre Santini*

Dia 2 de dezembro foi celebrado o dia nacional do samba. Ressoam as palavras no compasso sincopado dos batuques das esquinas, dos botequins e dos terreiros. Agoniza, mas não morre! Na canção do imortal Nelson Sargento, baluarte da Estação Primeira de Mangueira, ecoa a tradição de resistência, a resiliência negra desta expressão cultural única e singular do povo brasileiro que, mais que música, é fundamento, comportamento, ancestralidade e modo de vida.

No Brasil de hoje, a tristeza é senhora e desde que o samba é samba é assim, a lágrima clara sobre a pele escura, cantaram Caetano e Gil. Mas o sol há de brilhar mais uma vez – já dizia Nelson Cavaquinho – e aqueles que castigam e maltratam nosso povo encontrarão, cedo ou tarde, o seu juízo final.

Construindo sociabilidades e moldando a identidade dos territórios, a ancestralidade do samba surge em torno das giras do candomblé e da umbanda, dos batuques e do samba de roda da Bahia e nos tambores candongueiros e caxambu do Jongo dos negros bantos do Vale do Paraíba Fluminense. Na convivência harmônica entre o sagrado e o profano, o samba nos ensina sobre conviver com as diferenças, aceitar a diversidade, exercitar a alteridade e promover a gentileza. As expressões dos cantos e dos corpos negros e escravos sempre foram alvo dos preconceitos. Tanto na religião, como na forma de festejar.

Em uma das origens geográficas do samba estão as ruas que circundavam a antiga Praça Onze de Junho e a região portuária do Rio de Janeiro, que se tornou até hoje conhecida como a “Pequena África.” A força do samba reside na ancestralidade feminina, como nos comprova a lendária Casa da Tia Ciata, tida como o berço do samba na Praça Onze.

Apesar da inegável importância e centralidade desta região para a construção do imaginário carioca e da relação indissociável da cidade com o samba e o Carnaval, o historiador Luiz Antônio Simas nos lembra que “o estudo mais sistemático sobre a cidade e o samba urbano mostra ser mais coerente falarmos de um Rio de Janeiro de ‘Pequenas Áfricas’ no plural(…). Devemos lembrar que as reconfigurações urbanas da cidade foram expandindo o Rio de Janeiro cada vez mais para a Zona Norte, para o subúrbio e para o alto dos morros. E as comunidades negras acabaram tendo papeis de absoluta relevância no processo de ocupação dessas regiões.”

Estamos falando de Oswaldo Cruz, de Madureira e do Morro da Serrinha – salve a Portela e o Império Serrano, e as matriarcas Dona Martinha, Dona Neném e Tia Maria do Jongo. Salve Arlindo Cruz que exalta Madureira e afirma o “Meu Lugar”. Devemos falar de Ramos e seu cacique, dos Boêmios de Irajá, dos bate-bolas e do Carnaval nas ruas do Campinho e da Zona Oeste. Exatamente aqui, abro caminho para algumas mulheres divas, precursoras e protagonistas que romperam barreiras do machismo nas rodas e no ambiente do samba, subiram nos palcos, mostraram seus talentos na composição e interpretação. Falo de Leci, de Beth, Alcione, Clara, D. Ivone, Zica, Tia Surica, Jovelina, Clementina, Dorina, Tereza Cristina. Salve Elza Soares!! Aí vem Maria Rita, Mart’nália, Nilze Carvalho, Yasmin Alves e seu cavaquinho, que como Nilze, trazem a voz e seus instrumentos para a roda, mostrando que as novas gerações chegaram. Salve guerreiras! Salve Renascimento e Renascença, acendam os candeeiros no Andaraí para iluminar a rede de rodas de samba das mulheres e que estas reforcem Moacir Luz com o Samba do Trabalhador! Falo ainda das mulheres que compõem as velhas guardas de todas as escolas e são inspiração e orientação para as demais em suas comunidades.

Da Muda de Ivan Lins e Aldir Blanc e da Vila Isabel de Noel e de Martinho. Do Estácio de Dominguinhos, Gonzaguinha, Melodia e Dona Benedita, irmã de Seu Napoleão, pai de Natal – e assim voltamos à Portela. Assim é o Rio de Janeiro dos sambas e batuques, da alma encantadora das ruas, descrita por Paulo Barreto, o João do Rio, do chão, das feiras, dos becos, vielas, avenidas e passarelas do samba.

Da toca da Gambá à praça da apoteose, sonhada e realizada no gênio de Darcy e Niemeyer; do lixo ao luxo extraordinário do maranhense Joãozinho Trinta; do Terreiro da Vovó ao Bip Bip do saudoso Alfredinho; do Candongueiro à Feira das Iabás, do pagode do trem ao Trem do Samba.

Um salve ao Mano Decio da Viola, Decio Carvalho, Nei Lopes, ao poeta Luís Carlos da Vila, um salve pro Candeia, pro Sinhô, e para o Cartola. Alô Zeca Pagodinho, querido Chico Buarque e Paulinho da Viola. Saudades de Zé Ketti, João Nogueira, Aldir Blanc, Jamelão. Salve Noca da Portela. Wilson das Neves, Nelson Cavaquinho e Nelson Sargento, Ismael Silva, Heitor dos Prazeres. Alô meus amigos Claudio Jorge, Augusto Martins, Didu Nogueira, Tomaz Miranda, Deivid Domênico, Biro, Pipa Vieira e Simas!!!

O samba é também economia, empreendimento, correria e sustento. É alternativa à marginalidade e exclusão. É afirmação e empoderamento. A voz do povo, o rei dos terreiros, nascido na Bahia e natural do Rio de Janeiro, o samba nasce, renasce e se reinventa a cada dia, e floresce em cada fundo de quintal.

A inserção cada vez maior do samba em setores médios levou a sua execução, por vezes, distante de sua origem. Na resistência surgem letras como a de Paulinho da Viola, que diz: “Tá legal, eu aceito o argumento, mas não altere o samba tanto assim, olha que a rapaziada está sentindo a falta, do cavaco, do pandeiro, e de um tamborim”

Aloisio Alves e Edson da Conceição compuseram um samba, que já foi gravado por muitos intérpretes, mas marcou na voz da marrom Alcione. Por ser extremamente forte e simbólico, todas e todos sabem cantar o seu refrão, que diz: “Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar, o morro foi feito de samba, de samba pra gente sambar”

Na beleza da alvorada, há sempre uma esperança de dias melhores que virão. Quando derem vez ao morro toda cidade vai cantar!

 

*Jandira Feghali é deputada federal (PCdoB-RJ) e vice-líder da Minoria na Câmara dos Deputados. Alexandre Santini é gestor cultural, dramaturgo e escritor.

 

Artigo originalmente publicado pela revista Carta Capital

(PL)