“O que está em causa é a diferença entre a decência e a barbárie”, afirma jornal português, Público - Guglielmo Mangiapane- REUTERS

É “desumana e insustentável” a situação dos 134 refugiados a bordo, denunciou o capitão do navio humanitário Open Arms, Marc Reig, diante da ordem do ministro do Interior e vice-primeiro-ministro italiano, o xenófobo Matteo Salvini, forçando a polícia costeira a impedir o desembarque desses sobreviventes salvos das águas do Mediterrâneo e há 15 dias à espera de uma solução.

Ação impetrada pela entidade espanhola que opera o Open Arms contra a proibição foi acolhida por um tribunal italiano, que reconheceu abuso de poder de Salvini e violação da lei internacional sobre resgate no mar e já autorizou a entrada do navio humanitário em águas territoriais italianas, o que havia sido terminantemente proibido por decreto. O Open Arms se dirigiu a Lampedusa para se proteger do mau tempo, com vagas de dois metros e meio.

Os refugiados a bordo do Open Arms são parte de um grupo de mais de 500 imigrantes que foram resgatados desde o dia 1º de agosto em operações no Mediterrâneo, em que também participou o navio humanitário Ocean Viking, fretado pelas ongs SOS Mediterranean e Médicos Sem Fronteiras.

Desde então, os dois navios humanitários e seus resgatados têm vivido o impasse de não ter acesso a um porto seguro. A partir desta quinta-feira, o barco humanitário está ancorado nas imediações do porto de Lampedusa, com os refugiados transformados em reféns da disputa de Salvini com os ex-aliados de governo, para arrancar a antecipação da eleição, que acha que poderá vencer se insuflar o ódio aos imigrantes.

Como alertou Reig, a situação é completamente incompreensível para os sobreviventes, que ameaçam pular na água, saibam ou não nadar, ao verem a costa de Lampedusa a apenas algumas centenas de metros. Os refugiados – insistiu – estão psicologicamente exaustos e o barco virtualmente se tornou uma bomba relógio, prestes a explodir. Só há dois banheiros a bordo, há brigas por um lugar à sombra, estão todos muito traumatizados.

“DECÊNCIA X BARBÁRIE”

Absurdo ainda maior quando seis países europeus oficialmente anunciaram sua disposição de acolher os imigrantes, depois de reiterados pedidos, desde o órgão da ONU para os refugiados (Acnur) até o Papa Francisco.

Note-se ainda que o resgate feito pelo Open Arms de cerca de 150 imigrantes ocorreu poucos dias após o pior naufrágio no Mediterrâneo este ano, em que morreram dezenas de pessoas, inclusive crianças, causando consternação no mundo inteiro e particularmente na Europa.

Salvini, que já disse que “não lhe pagam para ser uma alma boa”, mantém a recusa, inclusive contrariando o tribunal italiano que considerou de uma “gravidade e de urgência excepcionais” a situação dos náufragos resgatados pelo Open Arms – inclusive crianças.

Como registrou o jornal português Público, “a recusa de Salvini em abrir os portos italianos a seres humanos em risco de vida (mesmo depois de haver países dispostos a acolhê-los) está muito para lá das discussões convencionais sobre como deve, ou pode, a Europa lidar com o êxodo de emigrantes”.

O que está em causa – assinalou a publicação – é algo bem mais simples e, ao mesmo tempo, difícil de aceitar: é o desprezo por regras humanitárias básicas. “O que está em causa é a diferença entre a decência e a barbárie”.

Salvini assinou no início de agosto, logo após o resgate dos primeiros náufragos um decreto que proíbe, em nome da defesa da ordem pública, a entrada em as águas italianas do Open Arms, sob pena de multa de até um milhão de euros e confisco do navio.

XENOFOBIA INCLEMENTE

A entidade espanhola que opera o Open Arms impetrou uma ação judicial contra a proibição, que foi acolhida por um tribunal italiano que reconheceu abuso de poder e violação da lei internacional sobre resgate no mar.

Decisão ironizada por Salvini, diretamente de uma praia onde passava as férias. “Que país estranho”, asseverou, se referindo ao tribunal que “quer dar permissão para desembarcar na Itália a um navio estrangeiro carregado com imigrantes estrangeiros”. Já em campanha, chamou a autorização de “tentativa de voltar a abrir os portos italianos e fazer da Itália o campo de refugiados da Europa”.

Conforme o Centro de Resgate, ligado à Guarda Costeira italiana, informou na sexta-feira ao Ministério do Interior, não há qualquer obstáculo a um desembarque sem demora em Lampedusa. O órgão pediu ao ministério de Salvini uma resposta urgente, de acordo com a mídia italiana.

O Ministério Público de Agrigento também está ultimando os procedimentos para fazer cumprir a decisão judicial em favor do Open Arms e abriu uma investigação por sequestro, violência privada e abuso de poder contra “desconhecidos” – cujo alvo notório é Salvini. A polícia judicial já foi até a sede da Guarda Costeira para apreender documentos que comprovem a acusação. Outra audiência legal, sobre os 29 menores a bordo desacompanhados, já nomeou guardiões.

Na sexta-feira, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) informou que pelo menos 844 migrantes e refugiados morreram ou desapareceram este ano no Mar Mediterrâneo, enquanto tentavam chegar à Europa. A maioria veio de países da África, Ásia e Oriente Médio, fugindo da fome e da guerra.

A atualização desta matéria corrige imprecisão sobre a decisão do tribunal italiano, que garantiu a entrada em águas territoriais italianas e reconheceu abuso de poder de Salvini e violação da lei humanitária internacional de socorro marítimo e porto seguro, mas ainda não decidiu pela descida imediata dos que sofrem a bordo. A promotoria ainda está estudando as medidas cabíveis para garantir o desembarque de todos os resgatados do Open Arms. O total de resgatados a bordo informado na primeira versão, também foi corrigido para 134, em decorrência do translado de 13 doentes.