Israel usa desculpa da IA para justificar morte de “sete ocidentais brancos”
Tecnologia de vigilância de Israel não tem sido capaz de impedir ataques, nem de produzir resultados precisos, o que prejudica seu mercado global
Segundo uma “investigação” da revista digital israelense +972 Magazine e Local Call, militares israelenses têm recorrido à inteligência artificial para identificar alvos de bombardeio em Gaza. A ferramenta, conhecida como “Lavender”, supostamente tem uma taxa de erro de 10%, de acordo com seis funcionários da inteligência israelense envolvidos no programa. Uma fonte citada na reportagem afirmou que os humanos muitas vezes servem apenas como um “carimbo” para as decisões da máquina, dedicando apenas cerca de 20 segundos a cada alvo antes de autorizar um bombardeio.
A investigação ocorre em meio à crescente pressão internacional sobre Israel, especialmente após ataques aéreos que mataram sete trabalhadores humanitários em Gaza. As autoridades israelenses argumentam que o uso de “dumb bombs” – mísseis não guiados “burros”- possa representar uma ameaça maior para civis, especialmente em áreas densamente povoadas como Gaza.
Em entrevista, o especialista em Relações Internacionais, Reda Soueid, comentou o uso controverso da inteligência artificial (IA) no conflito armado na Faixa de Gaza. Soueid, cuja pesquisa se concentra no Movimento Nacional Árabe, faz uma análise crítica sobre a divulgação dessas práticas por uma publicação digital israelense.
Em resumo, Reda Soueid oferece uma perspectiva crítica sobre o uso de inteligência artificial em conflitos armados, destacando suas implicações éticas, políticas e humanitárias. No entanto, segundo ele, a revelação dessas informações parece mais uma tentativa de justificar a morte de europeus e americanos, em vez de uma preocupação genuína com a ética da guerra.
O especialista destacou que o uso de tecnologia de reconhecimento facial e outras formas de vigilância não é novo e tem sido empregado por décadas, além de exportado para todo o mundo. Ele também alertou para o potencial abuso dessas tecnologias, especialmente quando se trata de violações de privacidade e direitos humanos.
Uma das preocupações mais profundas de Soueid foi a tentativa de atribuir à IA a responsabilidade pelas mortes em conflitos armados, sugerindo que essa narrativa poderia ser uma maneira de isentar as Forças Armadas e seus soldados de culpa. Ele enfatizou que essa tática era uma forma de hipocrisia e uma tentativa de manipular a opinião pública internacional.
Além disso, Soueid enfatizou que a divulgação dessas informações servia mais para proteger a imagem de Israel e suas exportações de tecnologia militar do que para garantir a transparência e a justiça nos conflitos. Ele mencionou o Hezbollah e outros grupos de resistência armada como exemplo de forças que estão desafiando efetivamente as tecnologias israelenses, revelando lacunas em seus sistemas de defesa.
O analista internacional levantou questões sobre o comércio internacional de segurança que se desenvolveu em torno de Israel e destacou a crescente pressão sobre o estado sionista devido à sua incapacidade de alcançar objetivos declarados nos conflitos recentes.
Nuvem de fumaça
Soueid destaca o contexto em que essa divulgação de informações ocorreu, observando que ela surgiu logo após o assassinato de “sete europeus brancos”, referindo-se aos trabalhadores humanitários da organização World Central Kitchen, que levava comida para os palestinos. Ele levanta a questão de que essa divulgação poderia ser uma tentativa de dar satisfação à opinião pública dos países do Norte Global, especialmente aos cidadãos que compartilham uma identidade semelhante aos mortos.
No entanto, o especialista aponta para uma verdade mais sombria por trás dessas divulgações, sugerindo que a justificativa oferecida ao público era uma “desculpa esfarrapada”. Ele questiona a veracidade das narrativas apresentadas, que ele considera falidas, pois nem os apoiadores de Israel acreditam mais nelas.
“A divulgação dessa informação serve para justificar a morte dos sete europeus e americanos para a opinião pública europeia, não para os governantes”, enfatiza Soueid. Ele argumentou que os governantes do Norte Global estão cientes do que está acontecendo e, de fato, estão cooperando com e são parte do genocídio em questão.
Em sua análise crítica da notícia, Soueid expressa perplexidade quanto à razão pela qual essa informação específica estava sendo divulgada pela mídia ocidental. Segundo ele, a descoberta de que os bombardeios estão sendo baseados em algoritmos de IA, em vez de verificações humanas, não é novidade.
“Eles parecem dizer que é a tecnologia que elege os alvos e faz a guerra”, declara Soueid, enfatizando a incompatibilidade dessa abordagem com os princípios humanitários básicos.
Para Soueid, essa revelação não parece servir a nenhum propósito legítimo além de talvez tentar justificar os ataques militares. Ele destacou a falta de transparência e ética por trás dessas operações, ressaltando que a divulgação dessas informações não traz justiça nem resolve os conflitos.
Mercado tecnológico na berlinda
Soueid destaca que o emprego da inteligência de software não é novidade, remontando a décadas passadas. Ele ressaltou que o reconhecimento facial e outras formas de tecnologia de vigilância já são utilizados há muito tempo, inclusive sendo exportados para países como o Brasil.
Ele expressou ceticismo sobre a intenção por trás da divulgação dessas informações, sugerindo que poderia estar relacionada a uma tentativa de renovar a imagem das tecnologias israelenses em meio a críticas recentes.
Além disso, o especialista destacou o uso da tecnologia em drones, revelando como ela é empregada para identificar e atacar alvos. Ele lembrou do alerta recente de Hassan Nasrallah, líder libanês do Hezbollah, para os riscos associados à privacidade e à segurança pessoal, enfatizando que os cidadãos podem inadvertidamente se tornar alvos de vigilância e ataques devido à tecnologia em seus próprios dispositivos celulares e câmeras de ruas e residências conectados ao wifi.
Ao abordar a questão da responsabilidade, Soueid questionou se era justo atribuir o alto número de mortes em conflitos armados exclusivamente à máquina, sugerindo uma tentativa de isentar os soldados de culpa. Ele denunciou essa ideia como hipocrisia, destacando a necessidade de responsabilizar os indivíduos por suas ações.
Soueid também destaca os desafios tecnológicos enfrentados por Israel, especialmente após o evidente fracasso de sua inteligência militar no 7 de outubro de 2023. A invasão de Israel pelo Hamas, com sequestro de centenas de israelenses e início da insurreição atual, desnudou a incapacidade militar e tecnológica e conflitos internos da política do Governo de Benjamin Netanyahu.
Para Soueid, a divulgação de informações sobre o nível de tecnologia que Israel exporta, traz uma lacuna entre a propaganda e a realidade. Ele enfatizou que as recentes ações militares em 7 de outubro revelaram uma vulnerabilidade na tecnologia israelense, algo que o país tem tentado camuflar publicamente.
“A resistência iraquiana consegue penetrar alguns drones vindos do Iraque, atingindo alvos de Israel dentro da Palestina”, afirma Soueid, destacando as deficiências no sistema de defesa antiaérea israelense. Ele também menciona ataques bem-sucedidos realizados pelos iemenitas, evidenciando uma guerra de tecnologia em curso na região.
O especialista aponta para o comércio internacional de segurança centrado em torno de Israel, observando que a preocupação do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos, está em proteger o estado sionista israelense do desmoronamento. Ele desafia a narrativa de sucesso militar propagada pelo governo israelense sobre Gaza, destacando a falta de avanços concretos e a perda de legitimidade perante a opinião pública global.
“A resistência sabe do poderio militar e tecnológico do inimigo sionista e tentam anular essas vantagens que eles possam ter”, afirma Soueid. Suas observações sugerem que, apesar das tentativas de Israel de manter uma imagem de superioridade tecnológica, a realidade é muito mais complexa, com desafios significativos enfrentados pelas forças militares do país.
(por Cezar Xavier)