O presidente Trump anunciou que Israel e os Emirados Árabes Unidos estabeleceram “total normalização das relações” e que, em troca, Israel renuncia por enquanto “declarar soberania” sobre o território ocupado na Cisjordânia.

 

Por Peter Baker, Isabel Kershner e David D. Kirkpatrick

 

Israel fechou um acordo com os Emirados Árabes Unidos na quinta-feira (13) para estabelecer “a normalização total das relações”, e abriu mão, por enquanto, aos planos de anexar o território ocupado da Cisjordânia, para se concentrar em melhorar seus laços com o resto do mundo árabe.

Em uma declaração emitida pela Casa Branca, o presidente Trump disse que intermediou um acordo que levará Israel e EUA a assinar uma série de acordos bilaterais sobre investimento, turismo, segurança, tecnologia, energia e outras áreas, ao mesmo tempo que permite voos diretos entre seus países e estabelece embaixadas recíprocas.

“Como resultado deste avanço diplomático e a pedido do Presidente Trump. com o apoio dos Emirados Árabes Unidos, Israel suspende a declaração de soberania sobre as áreas delineadas e concentrará seus esforços agora na expansão dos laços com outros países no mundo árabe e muçulmano”, de acordo com um comunicado divulgado pela Casa Branca e descrito como uma declaração conjunta de Israel, Emirados Árabes Unidos e EUA.

Se cumprido, o acordo faria dos Emirados Árabes o terceiro país árabe a estabelecer relações diplomáticas normais com Israel depois do Egito (desde 1979), e a Jordânia (1994). Isso poderá reordenar o longo impasse na região entre Israel e seus vizinhos, potencialmente levando outras nações árabes a seguirem o exemplo, retirando o plano de anexação explosivo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, pelo menos por enquanto.

Mas também pode gerar uma reação entre os colonos israelenses e seus aliados políticos que estão ansiosos para estabelecer a soberania sobre o território da Cisjordânia, bem como entre os palestinos que se sentem abandonados por um aliado árabe e permanecem presos em um status quo insustentável, mesmo sem a ameaça de anexação iminente.

Trump convocou repórteres ao Salão Oval para saudar o acordo, que disse ter sido selado durante um telefonema com Netanyahu e Mohammed bin Zayed, o príncipe herdeiro de Abu Dhabi e governante de fato dos Emirados Árabes.

“Este acordo é um passo significativo para a construção de um Oriente Médio mais pacífico, seguro e próspero”, disse Trump. “Agora que o gelo foi quebrado, espero que mais países árabes e muçulmanos sigam o exemplo dos Emirados Árabes Unidos.”

A extensão do papel de Trump em forjar o acordo não foi imediatamente clara. Mas ele estava ansioso para reivindicar o crédito em um momento em que luta contra uma pandemia mortal e um colapso econômico em meio a uma disputa de reeleição em que está atrás de seu adversário democrata, o ex-vice-presidente Joseph R. Biden Jr., por dois dígitos, em várias pesquisas de opinião.

Ele foi cercado no Salão Oval por uma vários assessores e funcionários que o elogiaram, incluindo Jared Kushner, seu genro e conselheiro sênior, que lidera os esforços de paz no Oriente Médio há mais de três anos. Trump disse que haverá uma cerimônia de assinatura na Casa Branca dentro de semanas, ecoando famosas cerimônias do passado, com os presidentes Jimmy Carter e Bill Clinton.

Como fez repetidamente nos últimos dias, Trump também previu que alcançaria um acordo rápido com o Irã para limitar seu acordo nuclear se for reeleito, embora não haja nenhum sinal de que tal reaproximação seja realmente iminente. “Se eu vencer a eleição, terei um acordo com o Irã em 30 dias”, disse.

Tanto os líderes israelenses quanto os dos Emirados deram crédito a Trump e consideraram isso um avanço significativo após anos de inimizade. Netanyahu publicou um tweet de Trump anunciando o acordo e acrescentou, em hebraico: “Um dia histórico”.

Em seu próprio tweet, o príncipe Mohammed enfatizou o acordo de Israel em suspender a anexação. “Durante uma ligação com o presidente Trump e o primeiro-ministro Netanyahu, um acordo foi alcançado para impedir a anexação israelense de territórios palestinos”, escreveu. “Os Emirados Árabes Unidos e Israel também concordaram em cooperar e definir um roteiro para o estabelecimento de uma relação bilateral.”

Em um comunicado de sua autoria, o secretário de Estado Mike Pompeo comparou o acordo aos tratados de paz firmados por Israel há décadas com o Egito e a Jordânia. “O acordo de normalização de hoje entre Israel e os Emirados tem potencial semelhante e a promessa de um dia melhor para toda a região”, disse.

O anúncio da Casa Branca veio várias semanas depois que Netanyahu anunciou uma nova parceria com os EUA para cooperar na luta contra o coronavírus, retratando-o como um avanço.

Pela primeira vez na história, o primeiro-ministro Netanyahu quebrou o paradigma de ‘terra pela paz’ e trouxe ‘paz pela paz’”.

Benny Gantz, que lutou com Netanyahu pelo empate em três eleições sucessivas e agora atua como ministro da defesa e primeiro-ministro suplente, deu os créditos a Netanyahu e a Trump.

“Estou certo de que o acordo terá muitas implicações positivas para o futuro de todo o Oriente Médio e para a posição de Israel no mundo e na região”, disse em um comunicado. “Apelo a outras nações árabes para promover as relações diplomáticas em acordos de paz adicionais.”

O Hamas, grupo militante que controla Gaza, denunciou imediatamente o acordo.

“O acordo americano-israelense-emirados é perigoso e equivale a uma recompensa gratuita pela ocupação israelense, por seus crimes e violações às custas do povo palestino”, disse Fawzi Barhoum, porta-voz do grupo, em um comunicado. “Isso vai encorajar Israel a perpetrar mais crimes e violações às custas de nosso povo e seus locais sagrados.”

Falando sob condição de anonimato por causa da fragilidade das relações nascentes com Israel, representantes dos Emirados disseramque esperar que Israel considere a suspensão da anexação apenas como uma “pausa”, mas que em termos práticos o acordo provavelmente adiaria a perspectiva de tal acontecer até depois da eleição presidencial nos EUA, que pode levar a um governo em Washington mais contrário à ideia e pode equivaler a um cancelamento por tempo indeterminado, argumentaram.

Eles insistiram que as medidas concretas para a normalização – incluindo a abertura de embaixadas – dependerão da suspensão contínua de quaisquer propostas de anexação. Essas promessas dos Emirados, entretanto, permanecem sujeitas a revisão potencial.

Em termos práticos, o acordo torna pública uma aliança de fato entre Israel e os Emirados. Isso há muito era um segredo aberto na região. Para os Emirados, o acordo não só reforça esse relacionamento, mas melhora a posição dos Emirados em Washington em um momento em que recebeu novas críticas por seu papel na guerra civil no Iêmen e por suas políticas agressivas na Líbia e outros lugares.

O fato de Trump ter anunciado o acordo antes de qualquer das outras partes sugere que a política dos EUA pode ter figurado de maneira proeminente na análise dos Emirados.

Para Israel, o acordo marca a primeira normalização pública das relações com uma das monarquias do Golfo Pérsico – um objetivo diplomático há muito procurado. Depois de garantir o reconhecimento de seus vizinhos Egito e Jordânia anos atrás, o reconhecimento das monarquias do Golfo Pérsico, ricas em petróleo, foi a maior peça que faltava para Israel no estabelecimento de relações normais com o mundo árabe.

Diplomatas dos EUA envolvidos nos esforços para reiniciar as negociações de paz entre israelenses e palestinos dizem que os diplomatas israelenses frequentemente buscaram a normalização das relações com os reinos do Golfo Pérsico como parte do processo.

Nos últimos meses, Israel e EUA havia colaborado secretamente no combate ao coronavírus, quando o Mossad, o serviço de inteligência israelense, discretamente adquiriu dos Estados do Golfo alguns equipamentos que Israel precisava para combater o coronavírus.

A ideia inicial do acordo remonta ao início de junho, quando Yousef al-Otaiba, o embaixador dos Emirados Árabes nos EUA, que trabalhou em estreita colaboração com o governo Trump, escreveu um artigo no popular jornal “Yediot Ahronot”, de Israel, em hebraico, apelando diretamente aos israelenses para dissuadir Netanyahu de cumprir sua promessa de anexar os territórios ocupados.

“É impossível anexar – e continuar a esperar um bom relacionamento com o mundo árabe”, declarou a manchete no jornal.

“A anexação irá definitivamente, e imediatamente, reverter todas as aspirações israelenses por segurança aprimorada, laços econômicos e culturais com o mundo árabe e os Emirados Árabes Unidos”, escreveu al-Otaiba na época.

O governo Trump, os israelenses e os Emirasos, então, essencialmente “viraram essa ideia de cabeça para baixo”, disse Martin S. Indyk, que serviu como enviado especial para as negociações israelense-palestinas no governo de Barack Obama. “Eles exploraram a ideia de que, se não houvesse anexação, poderia haver normalização”, disse Indyk, “e em vez do presidente Trump legitimar a anexação”, que se tornou tensa e complicada, “obtendo um compromisso de Israel para impedir a anexação retorno para normalização.”

 

Fonte: The New York Times; tradução: José Carlos Ruy