Enfim, demitido.

Após o fracasso do assalto que incitou ao Congresso dos EUA para fraudar o resultado da eleição que perdeu, Donald Trump deixa a Casa Branca na condição, registrada pelo Washington Post, de “pária”, e diante de “congressistas, líderes estrangeiros, empresas e mídia social voltando as costas a ele”, e sob “uma torrente de condenações”.

A mais recente é a do líder da até aqui maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, que afirmou no último dia de Trump no poder que foi este quem “provocou” o assalto da turba ao Capitólio “alimentando-a com mentiras”. Isto é, com a campanha de mentiras de que a eleição havia sido “fraudada” e que fora ele, Trump, quem vencera – “e de lavada”.

Como há um pedido de impeachment a ser votado no Senado e, como diz o ditado, para bom entendedor pingo é letra, não é propriamente uma declaração destinada a animar o bilionário, que está de volta ao seu campo de golfe de luxo na Flórida.

Também não deixa de ser irônico que o ex-presidente, no afã de tornar menos insignificante o ato que montou de despedida na base aérea de Andrews, tenha convidado até desafetos, como John Bolton, que já disse que não vai.

O assalto que Trump insuflou no dia 6 recebeu o repúdio de líderes do mundo inteiro, como Angela Merkel, Emmanuel Macron, Justin Trudeau e até Boris Johnson, assim como o Papa Francisco e o secretário-geral da ONU, Guterres.

Foi com asco que pelo mundo afora pessoas das mais diversas concepções políticas reagiram às cenas infames da horda de nazistas, supremacistas brancos e fanáticos da QAnon arrebentando portas, espancando policiais e até matando, caçando congressistas e as urnas com os votos do colégio eleitoral, aos gritos de “enforquem Pence” e “cadê Pelosi”, na “marcha sobre o Capitólio” ordenada por Trump.

Um dos motes de Trump no comício da sedição foi a de que a turba deveria disciplinar os “republicanos fracos” para que se curvassem à “ousadia e orgulho” de fraudar a eleição vencida pelo opositor Biden.

A desidratação de Trump, em decorrência de sua afronta às normas mais comezinhas da convivência democrática e constitucional, já causou situações curiosas, como a decisão da maior parte dos principais contribuintes financeiros às campanhas eleitorais republicanas de cortar o dinheiro para os deputados que contestaram o resultado das eleições, depois de consagrado nos respectivos estados e nos tribunais.

Os conspiradores ficaram tão torrados que foi isso exatamente o que o Bank of America, a Câmara Americana de Comércio, a rede de hotéis Marriot, a Amazon e a Disney ameaçaram fazer.

Em outro terreno, o das redes de fake news, a situação também não está boa para Trump. Foi banido do Facebook e do Twitter, depois de insistir em manter as mentiras de que a eleição havia sido fraudada e se recusar a retirar as postagens.

Ele posa de vítima da “Big Tech” – como se não tivesse subido na cauda de cometa das manipulações da Cambridge Analytica via Facebook, das fábricas de mentiras do Twitter, e dos robôs, gabinetes do ódio e outras derivações dos esgotos digitais.

Uma consultoria atestou uma redução de 73% nas fake news desde que entrou em vigor seu banimento do Twitter e Facebook.

Antes disso, Trump já brigara com a Fox News, por ter concordado com a Associated Press em que Biden era o vencedor no Arizona, fato que demarcou a virada a favor do democrata. Trump tentou pressionar o magnata Murdoch para barrar o anúncio, mas não conseguiu.

Na véspera do Ano Novo, o tablóide ‘popular’ de Murdoch, o New York Post, saiu com a manchete de capa dedicada a Trump: “Pare a insanidade”.

No terreno militar, a questão já estava estabelecida pela declaração dos 10 ex-secretários do Pentágono, que serviram a governos democratas e republicanos (e inclusive ao próprio Trump), embora o corpo mole no socorro ao Capitólio violado ainda vá ser motivo de muita investigação.

Outro sintoma do definhamento de Trump é que ele é o presidente com pior avaliação ao deixar o mandato desde Nixon, o que o ex-presidente Obama fez questão de sublinhar.

O Washington Post previu uma disputa “pela alma” do Partido Republicano. Como o jornal observou, os republicanos da Câmara e do Senado estão “operando em diferentes universos políticos”. Na votação de certificação da vitória do dia

6, registrou, “a esmagadora maioria dos republicanos do Senado decidiu viver no mundo real. A esmagadora maioria dos republicanos da Câmara não o fez”.

Quanto a isso, o líder republicano do Senado, McConnell, disse na terça-feira que “nós nos levantamos e dissemos a uma turba enfurecida que não teria poder de veto sobre o estado de direito em nossa nação, nem mesmo por uma noite”.

Referindo-se às objeções de setores republicanos aos votos eleitorais do Arizona e Pensilvânia, McConnell acrescentou que a eleição presidencial de 2020 nem mesmo foi tão apertada, como alguns têm dito. “Esta eleição na verdade não foi incomumente perto. Apenas na história recente, 1976, 2000 e 2004 todas foram mais apertadas do que esta”.

Nesse quadro, a ausência de Trump da transmissão da presidência apenas acentua seu isolamento – além de poupar as pessoas de terem que aturar sua presença, depois da assuada golpista. O vice, Pence, estará em Washington fazendo as honras da casa.