Em 2021, o pior ano da pandemia de Covid-19, os recursos para enfrentar a doença caíram 79% na comparação com 2020. É o que demonstra o  estudo “A Conta do Desmonte – Balanço Geral do Orçamento da União” do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), feito com base no Siga Brasil, sistema de informações sobre orçamento federal do Senado, divulgado na segunda-feira (11). O Inesc aponta ainda, que nestes três anos de mandato, Bolsonaro atuou para o desmonte das instituições públicas e políticas sociais.

“Quando analisamos os gastos entre 2019 e 2021, sem levar em conta as despesas com Covid-19, observamos, com raras exceções, quedas expressivas na execução financeira dos órgãos e das políticas garantidoras de direitos que o Inesc acompanha. Boa parte dessa desestruturação pode ser explicada pelo Teto de Gastos, medida fiscal que em 2016 congelou o orçamento da União em termos reais até 2036. Mas não é só isso. Há intenção deliberada de deturpar a máquina pública para justificar processos de privatização, ou de apropriação privada de bens e serviços públicos, e reformas que resultem em menor intervenção do Estado”, denunciaram no documento Iara Pietricovsky, José António Moroni e Cristiane Ribeiro do Colegiado de Gestão do Inesc.

Andamos para trás com bolsonaro

No relatório os especialistas afirmam que, “em 2021, o quadro social continuou dramático, a fome, a pobreza, o desemprego e a informalidade afetaram importantes setores da população. Na área ambiental não foi diferente, com o aumento do desmatamento e as inúmeras flexibilizações da legislação referente à fiscalização ambiental. As respostas apresentadas pelo Executivo foram muito aquém do que é preciso para dar conta de enfrentar a longa crise que temos pela frente. Segundo o Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (Iree), no atual ritmo de crescimento da economia, apenas em 2028 voltaremos ao mesmo patamar de renda per capita verificado em 2013: esta entrará para história como uma nova ‘década e meia perdida’, com resultados piores de crescimento do que os verificados nos anos de 1980. Andamos para trás com Bolsonaro”, afirmaram os técnicos, ao ressaltarem que “mais do que nunca, se faz necessário retomar a liderança do Estado na condução da economia, com a implementação de políticas anticíclicas, que abram espaço para a expansão do investimento público e dos gastos crescentes, eficientes”, defenderam.

Saúde perdeu r$ 10,7 bilhões

Segundo o instituto, se considerar os gastos da Saúde não direcionados para a Covid-19, a Saúde perdeu R$ 10,7 bilhões entre 2019 e 2021, o que corresponde a uma redução de 7% em dois anos.

O Inesc aponta que em 2021 foram autorizados R$ 205,9 bilhões para a Saúde. O valor é  40% maior do que o previsto na proposta orçamentária do executivo aprovada pelo Congresso.

“Como alertamos no último Balanço do Orçamento Geral da União, o governo subestimou os recursos para a saúde quando planejou o orçamento para 2021, ignorando a continuidade da pandemia da Covid-19 e as suas consequências de longo prazo, bem como a demanda represada no SUS por conta do adiamento de tratamentos de outros agravos durante o estado de emergência”, lembraram os técnicos do Inesc que seguiram. “Mesmo que recursos adicionais tenham sido alocados, a falta de programação orçamentária adequada prejudicou a gestão apropriada das verbas, pressionando ainda mais o SUS, que já se encontra sobrecarregado”, destacaram.

De acordo com instituto, do total autorizado, 88% foram pagos, assim, a execução financeira da função saúde em 2021 totalizou R$ 182,2 bilhões, valor próximo ao executado em 2020.

“Do total da execução financeira com a função saúde em 2021, 25% dos gastos foram com Covid-19, correspondendo a R$ 45,8 bilhões, um valor semelhante ao de 2020, considerado a inflação. Todavia, 2021 foi o ano mais letal da pandemia no Brasil. Enquanto em 2020 houve cerca de 200 mil óbitos no Brasil, em 2021 esse valor praticamente dobrou, cerca de 400 mil óbitos”.

Ao citar os fatos revelados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado, instituída em abril de 2021, para investigar ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil, os técnicos do Inesc afirmaram que “a falta de um plano de desembolso adequado por parte do governo federal, que considerou que a Covid-19 simplesmente desapareceria no dia 31 de dezembro de 2020, foi muito prejudicial”.

“Essa estratégia de liberação de recursos a conta gotas evidencia o descumprimento da responsabilidade da administração Bolsonaro de coordenar nacionalmente a resposta à pandemia motivada, de um lado, por sua postura negacionista e, por outro, pela implementação de drásticas medidas de austeridade fiscal, mesmo em detrimento da saúde e da vida da população brasileira. Na prática, o SUS precisou lidar com a maior pandemia do último século sem recursos adequados para a mobilização de profissionais de saúde, aquisição de insumos e vacinas para toda a população brasileira, e enfrentando o desabastecimento de oxigênio e de medicamentos em diversos estados”, denunciou.

EDUCAÇÃO: CORTES DE RECURSOS DESDE TRANSPORTE ESCOLAR ÀS UNIVERSIDADES

Na Educação, a execução orçamentária entre 2019 e 2021 caiu R$ 8 bilhões em termos reais. O valor autorizado para 2021 foi cerca de R$ 3 bilhões a mais que em 2020, no entanto, a execução financeira foi menor.

O relatório também aponta que “o Plano Nacional de Educação já entrou no oitavo ano de vigência e a maior parte de suas metas não foi atendida. A começar pelo financiamento, que, conforme assinalado, deveria estar em 7% do Produto Interno Bruto (PIB) desde 2019 e alcançar 10% em 2024, no entanto, a realidade é 5,6%, distante da meta intermediária”.

O estudo aponta para cortes significativos nas verbas para transporte escolar,  melhoria da infraestrutura das escolas e recursos para o ensino superior.

No caso da a execução financeira do recurso para o ensino superior a queda foi de R$ 6 bilhões, entre 2019 e 2021. “A queda é uma constante ao longo dos quatro anos, com valores autorizados nos quatro anos de governo, onde se nota que entre 2019 e 2022 a queda foi de R$ 7 bilhões”, observaram os técnicos do Inesc.

Descaso com habitação popular

No orçamento para habitação, entre 2019 a 2021, os técnicos destacam que “desde o primeiro ano de governo, em 2019, nada foi destinado a novas ações, apenas para pagamento de serviços anteriores. E isso em 2019, visto que 2020 e 2021 não houve recurso autorizado. Mesmo no período anterior à extinção do programa Minha Casa Minha Vida, a linha para habitação de interesse social não teve recursos orçamentários”. De acordo com o levantamento, em 2019, foi autorizado R$ 9,28 bilhões e nada foi pago, depois R$ 17,56 bilhões acabaram sendo executados. Nos dois anos seguintes, apenas em 2020, R$ 260 milhões foram executados.

No que dispõem orçamento para função habitação, que tange transporte urbano, habitação, iluminação (urbanismo), outras quedas foram notadas na execução financeira. Em 2019, foram autorizados R$ 34,42 bilhões e executados R$ 73,72 bilhões; em 2020, foram liberados R$ 93,45 bilhões e executados R$ 58,21 bilhões, a queda entre as execuções ficou em 21,03%; em 2021, foram autorizados R$ 105,53 bilhões e executados R$ 25,09 bilhões, a queda em relação a 2020 ficou em 100%. No comparativo entre 2019 e 2021, a queda chega a 65,96%.

Terra arrasada na política ambiental

O orçamento executado para o meio ambiente em 2021 foi o menor dos últimos três anos. Segundo o levantamento, no ano passado foram gastos apenas R$ 2,50 bilhões para todos os órgãos ambientais (Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio, Jardim Botânico), incluindo também o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas (FNMC). Nos anos anteriores, 2020, foram gastos apenas R$ 2,99 bilhões, e em 2019, R$ 3,08 bilhões.

“Os números irrisórios do gasto com a área ambiental são parte do cenário de terra arrasada da política ambiental brasileira, cuja expressão mais evidente, mas não única, é o maior aumento do desmatamento dos últimos 15 anos. Compõem este quadro, o sucateamento dos órgãos ambientais pela falta de pessoal, o desmonte infralegal e as nomeações políticas sem capacidade técnica. O resultado é um orçamento para o meio ambiente que, além de ser muito baixo, tem seu gasto prejudicado pela falta de estrutura e pessoal”, diz o documento.

Povos indígenas sem proteção

Em 2021, foram autorizados R$ 746,34 milhões para o orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), mas apenas  R$ 139,80 milhões foram executados nas  ações cujos impactos são sentidos diretamente pelas comunidades indígenas, como a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas, gestão ambiental e territorial, entre outras políticas públicas de assistência.

Entre 2019 e 2020, os recursos para essas finalidades caíram cerca de R$ 36 milhões e, entre 2020 e 2021, aumentaram cerca de R$ 30 milhões, sendo este aumento em parte explicado pelo montante direcionado ao enfrentamento da Covid-19 entre comunidades indígenas. O estudo aponta também que 70% dos recursos de 2021 do órgão foram utilizados para pagamento de pessoal e encargos sociais, seguindo um padrão de anos anteriores.

No documento, os especialistas do Inesc ressaltam que no que “tange aos gastos da saúde indígena, os recursos têm apresentado queda. Entre 2019 e 2021, houve um corte de 7% dos recursos autorizados (de R$ 1,7 bilhão para R$ 1,6 bilhão) e a execução do ano passado foi a menor dos últimos três anos, em R$ 1,59 bilhão.”

Corte de verba para promoção da igualdade racial

Para a Promoção da Igualdade Racial, sob o guarda-chuva do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o recurso autorizado em 2021 foi de apenas R$ 3 milhões, com o fim de financiar diversas ações, como o fortalecimento institucional dos órgãos estaduais e municipais de enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial – considerando que somente no Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial existem 20 estados e 71 municípios.

“Apesar do valor extremamente baixo, o governo gastou apenas R$ 2 milhões, 66% do total, sendo metade de restos a pagar de anos anteriores”, diz o estudo do Inesc. Em 2020, nenhum recurso foi autorizado para gasto.

Combate à violência à mulher é abandonada

As políticas para as mulheres nestes três anos de governo Bolsonaro tiveram uma gestão muito aquém do desafio imposto pelos indicadores de violência de gênero no país. Segundo o estudo, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, executou metade ( R$ 246,00 milhões) do orçamento disponível para pasta, R$ 488,80 milhões. Em 2019, a pasta executou 46% do orçamento disponível, R$ 562,80 milhões, e em 2020, executou 49% dos R$ 800,60 milhões.

O instituto diz que “analisando mais detalhadamente a execução de 2021, destaca-se que a Casa da Mulher Brasileira [espaço em que reúne em um mesmo local diversos serviços de atendimento às mulheres em situação de violência]  permaneceu negligenciada pela ministra Damares Alves: dos R$ 21,8 milhões autorizados para execução, foi gasto apenas R$ 1 milhão, acompanhando a lamentável série histórica de execução deste recurso, já que em 2019 nada foi executado e, em 2020, apenas R$ 308 mil dos R$ 71,7 milhões disponíveis”, denunciou.

Gastos com assistência à criança e ao adolescente foram 28,1% menores

Para  a Assistência à Criança e ao Adolescente, os gastos desta subfunção em 2021 são, em termos reais, 28,1% menores que os de 2019, passando de R$ 531 milhões para R$ 382 milhões entre 2019 e 2021.

Segundo o Inesc ainda, “dos R$ 382,2 milhões executados, R$ 363,4 milhões, o que corresponde a 95%, são referentes ao programa Criança Feliz, do Ministério da Cidadania que, apesar de ser o programa referência para o governo, também teve uma perda de recurso de mais de R$ 43 milhões de 2020 para 2021. E a diferença de execução de um ano para o outro foi muito próxima do valor total dos recursos gastos com saúde do adolescente, de R$ 9,6 milhões”.

A educação infantil passou de R$ 446,82 milhões em 2019 para apenas R$ 100,61  milhões em 2021.

No ano passado, foram executados apenas 332 mil dos R$ 1,88 milhões destinados para as ações voltadas ao enfrentamento do trabalho infantil e estímulo à aprendizagem profissional. Em 2019, foram executados nesta função R$ 6,7 milhões.

Quilombolas sem regularização

Para os Quilombolas, os técnicos do Inesc ponderam que que não é possível chegar a um total exato destinado a esse público no orçamento de 2021, pois as políticas e ações estão distribuídas entre as pastas ministeriais e nem todos apresentam o que foi encaminhado para esse público.

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) estima 6 mil comunidades e 16 milhões de pessoas. Em 2021, foram autorizados apenas R$ 340 mil para a ação de reconhecimento e indenização de territórios quilombolas, dos quais foram pagos R$ 164 mil, além de restos a pagar de anos anteriores no valor de R$ 792,4 mil, somando uma execução financeira de R$ 956,3 mil.

“Vale registrar que o último relatório disponível com o balanço das ações de regularização fundiária, no sítio do Incra, é de 2018, desatualização que prejudica bastante a transparência e o controle social. Neste relatório, constam 278 processos abertos e 124 finalizados, ou seja, territórios titulados. A estimativa é que menos de 7% dos territórios existentes no país estejam regularizados, 34 anos depois do direito ser garantido na Constituição Federal”, apontou o documento.