Dez dias após o ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes, apresentar em Davos a anunciada abertura das compras governamentais do Brasil aos monopólios estrangeiros como “um ataque frontal à corrupção”, a Airbus – a gigante europeia da indústria aeroespacial – fechava acordo com procuradores da França, dos EUA e da Grã Bretanha para pagar ao todo 3,6 bilhões de euros ( 4 bilhões dólares) para encerrar investigação das propinas pagas em países emergentes em troca de encomendas.

Explica o Le Monde a razão para a Airbus estar desembolsando essa dinheirama toda e achando que ficou barato: o acordo sobretudo “evita a condenação, cenário catastrófico que a excluiria dos mercados públicos internacionais por cinco anos”.

Impagável descrição feita pelo jornal francês do clima do fechamento do acordo em um Tribunal de Paris, na sexta-feira 31 de janeiro: “impossível encontrar um olhar sombrio”, a atmosfera é de “quase primavera”. “Nas filas da frente, os advogados da Airbus sussurram, sorriem. Quanto aos representantes do Ministério Público, apesar de uma entrada um tanto solene, eles também parecem estar de bom humor”. Só faltaram incluir um bem-vindo à “primeira liga, primeira divisão de melhores práticas”.

Pelo acerto, a Airbus também terá seu ‘sistema de conformidade’ sob escrutínio da Agência Anticorrupção Francesa (AFA) até 2023, para assegurar que sua atuação agora segue as normas, as leis e a ética. Claro, principalmente a ética.

As investigações da corrupção da Airbus ocorreram quase simultaneamente em Paris, Londres e Washington, com os promotores dos três países elaborando juntos os termos dos três acordos, a serem aprovados pelos tribunais dos respectivos países.

Pelo acordo com os procuradores franceses, a Airbus pagará na França multa de 2,1 bilhões de euros. No acordo com a justiça inglesa, a multa será de 930 milhões de euros. No trato com Washington, 530 milhões de euros.

Esses 3,6 bilhões de euros são “pouco mais que o valor de seus lucros obtidos em 2018”, cenário “validado pelos três juízes”.

Em resumo, a Airbus mantinha um departamento de propinas para corromper funcionários de governos estrangeiros e estava sendo processada na França, Grã Bretanha e EUA (não necessariamente nessa ordem).

Como a Airbus é essencialmente um consórcio franco-alemão-britânico, a pressão para a investigação deve ter se originado nos EUA, que tem a Boeing tentando se manter passo a passo com a gigante europeia.

O que provavelmente explica a satisfação das duas partes – promotores e Airbus – no Tribunal de Paris.

Pelo acerto, a Airbus também terá seu ‘sistema de compliance’ até 2023 sob escrutínio da Agência Anticorrupção Francesa (AFA), para assegurar que suas ações agora seguem as normas, as leis e a ética.

Convocada ao tribunal de Paris, a diretora de ‘compliance’ da Airbus desde 2015, Sylvie Kandé de Beaupuy, confirmou como a corporação estava radiante com o resultado encontrado – “mais um acordo do que um julgamento”. O que – acrescentou -, permitiria à gigante aeronáutica ficar “finalmente libertada deste passado doloroso”.

Apagado o incêndio na cabine do piloto, a Airbus ainda terá que dissipar a fumaça, antes de ter certeza de que a crise está mesmo sob controle.

Documentos que teriam vindo à tona a partir desse processo levaram a agência antitruste da Malásia a anunciar que irá investigar a AirAsia, maior grupo de empresas aéreas da Ásia, de sede no país, por suspeita de que funcionários receberam suborno de US$ 50 milhões para favorecer a Airbus.

Acordos judiciais como o que a Airbus acaba de assinar se tornaram corriqueiros nas altas finanças, atingindo desde ‘bancos grandes demais para falirem’ até montadoras que fraudam as normas ambientais, petroleiras que poluíram o Golfo do México ou grandes farmacêuticas.

Depois, aquele frenesi para maquiar manuais de ‘compliance’ e bolar novo esquema para seus ‘departamentos de ação estruturada’.

Como é público e notório, a Boeing anda se virando desde que fez a casa cair com seu projeto frankenstein para tentar tirar o atraso na disputa com a Airbus – e, como os e-mails internos demonstram, assumindo o risco de matar mais de três centenas de passageiros e tripulantes.

No mais, nada que já não tenha sido visto desde o escândalo da Lockheed nos anos do pós-guerra, que incluiu em sua ‘equipe de venda’ ministros de alguns dos principais governos ocidentais e até um príncipe que era marido da rainha da Holanda. Conseguiu emplacar até aquele avião que ficou conhecido na Alemanha como ‘caixão voador’ ou ‘fazedor de viúvas’, pela quantidade de modelos que caíram.