A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) emitiu um comunicado após a atriz Alessandra Negrini ser acusada de “apropriação cultural” ao se vestir de índia durante o desfile do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, no último domingo (16), em São Paulo.
A associação pontua que a atriz “colocou seu corpo e sua voz a serviço” da causa indígena e que a construção da pintura foi feita de maneira cuidadosa, “compreendendo que a luta indígena é coletiva”.
“Causa-nos indignação que uma aliada seja atacada por se juntar a nós em um protesto. Alessandra Negrini colocou seu corpo e sua voz a serviço de uma das causas mais urgentes”, diz a nota.
“É preciso que façamos a discussão sobre apropriação cultural com responsabilidade, diferenciando quem quer se apropriar de fato das nossas culturas, ou ridiculariza-las, daqueles que colocam seu legado artístico e político à disposição da luta”, argumentam.
Rainha do Acadêmicos do Baixo Augusta, Alessandra Negrini foi pintada pelo artista plástico indígena Benício Pitaguary e desfilou ao lado de Sonia Guajajara, coordenadora da APIB. A organização reúne lideranças indígenas de vários estados.
Alessandra falou durante entrevista que a luta dos indígenas é uma questão central no país. “Hoje para mim a questão indígena é a central desse país. Ela envolve não somente a preservação da cultura deles como a preservação das nossas matas. A luta indígena é de todos nós e por isso eu tive a ousadia de me vestir assim”, disse.
A atriz considerou as acusações “ridículas”. “A gente tem que repensar isso. Os indígenas estão sendo mortos, são vítimas de um genocídio. E estão falando da minha fantasia, de apropriação cultural? É ridículo”, diz ela. “A gente tem que se apropriar, sim, da luta dos povos originários para se apropriar do nosso Brasil”.
CACIQUE
Um dos blocos mais tradicionais do Rio, o Cacique de Ramos, também está sendo acusado pelo uso das fantasias de índio usadas pelos seus integrantes desde 1961. A polêmica chegou ao ponto de algumas pessoas sugerirem “cancelar” (o equivalente a “boicotar” quem é considerado ofensivo, de alguma forma, nas redes) o Cacique.
O historiador Luiz Antonio Simas saiu em defesa do Cacique de Ramos no Facebook após entrar num debate no Twitter. O clima esquentou quando ele se deparou com internautas dizendo que “o tempo do Cacique de Ramos passou, em virtude das fantasias de índios” e também com postagens criticando quem “insiste nesses rolés racistas”.
“Tem gente querendo ‘cancelar’ o Cacique de Ramos. Alguns mais moderados sugerem conscientizar os caciqueanos. O Cacique de Ramos! Desfila desde 1961, tem preceito plantado na tamarineira, autorização de entidades indígenas para desfilar, sacralização do terreiro da Uranos e das fantasias, em um ritual de 60 anos do carnaval carioca, onde sagrado e profano se encontram”, postou Simas.
Fundador do bloco, Ubirajara Félix do Nascimento, conhecido como Bira Presidente, afirma que as fantasias – que mais lembram indígenas americanos – nunca tiveram a intenção de ridicularizar:
“Fazemos uma homenagem ao índio brasileiro. O meu nome é Ubirajara, todos os meus irmãos têm nomes indígenas. Esse amor e esse respeito estão no meu sangue, fazem parte da minha família. A minha bisavó vivia com os índios, conheço várias histórias dessa relação. E carnaval é descontração, aproveitamos o momento para levar uma mensagem de carinho e respeito”.
A Professora e pesquisadora Rachel Valença, uma das maiores pesquisadoras em carnaval do Brasil disse que não dá pra acreditar nos ataques que o Cacique vem sofrendo e que ficou revoltada.
“Acordei com a notícia de que as patrulhas do politicamente correto voltam suas baterias para o Cacique de Ramos. Difícil acreditar nisso! O Cacique soube envelhecer, renovar-se sem concessões, incluir jovens e respeitar tradições. Foi um dos movimentos culturais mais importantes na valorização do samba, que andava esquecido e maltratado”.
“Foi na quadra do bloco, à sombra da histórica tamarineira, que Beth Carvalho conheceu os sambas que comporiam o tesouro de seu repertório e a levariam ao sucesso. Foi lá também que Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Luiz Carlos da Vila e tantos outros se tornaram os monstros sagrados que admiramos”.
Arlindo Cruz, Beth Carvalho e o grupo Fundo de quintal em reunião de bambas do samba no Cacique de Ramos – Foto: Lauro Sobral O Globo
“Agora, quando o Cacique de Ramos se aproxima de 60 anos de atividade, querem me fazer acreditar que seu nome e suas tradicionais indumentárias carnavalescas ofendem os indígenas? O que ofende o povo índio é o tratamento desumano que recebeu e recebe do poder público, é a incompreensão e o desrespeito à sua cultura, o apagamento de seus direitos de cidadão, a espoliação de suas terras pela ganância. Essa é a luta que devemos apoiar, enfrentar e compartilhar, sem perder tempo com discussões fúteis, sem pé nem cabeça. As pessoas perderam a noção, o senso do ridículo”, disse.