“Os agricultores lutam por si e para salvar o país da fome", diz líder no Estado de Uttar Pradesh

Agricultores de toda a Índia realizaram uma greve geral – ‘Bharat Bandh’ – para exigir a revogação das três leis impostas pelo regime Modi que eliminam a garantia de preço mínimo, liberam a pilhagem dos pequenos produtores pelos monopolistas do agronegócio e ameaçam a segurança alimentar do país.

“A resposta ao apelo à greve foi mais abrangente que antes. Foi histórica e sem precedentes», frisou em comunicado a Samyukt Kisan Morcha (SKM), entidade guarda-chuva com mais de 40 associações de agricultores que convocou a paralisação nacional, acrescentando que «o povo da Índia está cansado da posição inflexível, irracional e egoísta de Modi sobre as reivindicações legítimas dos agricultores em luta”.

Com apoio das centrais sindicais, dos partidos de oposição e inclusive de governos estaduais, além das entidades estudantis e de mulheres, os agricultores bloquearam estradas e ferrovias e realizaram protestos. Em muitos lugares, escolas, bancos, serviços não-essenciais, comércio e repartições fecharam.

As principais manifestações ocorreram nos estados de Uttar Pradesh, Punjab, Haryana, Madhya Pradesh, Bengala Ocidental, Tamil Nadu, Bihar, Odisha, Andhra Pradesh, Telangana e Maharashtra. Até mesmo no estado de Gujarat, que o BJP, partido de Modi, considera seu bastião, a paralisação foi registrada.

É a terceira greve geral dos agricultores em um ano e as conversas com o governo Modi estão paralisadas desde janeiro. A primeira paralisação foi realizada em dezembro de 2020, enquanto a segunda foi em março de 2021. O acampamento de agricultores às portas de Nova Delhi já dura dez meses.

“Os agricultores não lutam por si próprios, mas para salvar o país da fome, do mercado negro e da inflação. É o dever final de todo cidadão patriota apoiar o movimento dos agricultores”, afirmou Mukut Singh, um dos líderes dos protestos no estado de Uttar Pradesh.

Quase 60% da população indiana – que é a segunda maior do mundo – dependem da agricultura para sua subsistência. Tamanha é a opressão sobre os pequenos produtores, que em apenas dois anos, 2018 e 2019, mais de 20 mil agricultores indianos endividados se suicidaram.

Segundo o jornalista P. Sainath, novos estudos mostram que 76% da população rural indiana não auferem o suficiente para pagar uma refeição nutritiva.

Os manifestantes também exigem que o governo recue do corte ou redução do subsídio da energia para os pequenos agricultores – outra imposição do FMI/Banco Mundial.

Há ainda a denúncia do Colégio dos Advogados de Delhi – a ‘OAB’ da capital indiana – de que um parágrafo da lei anti-agricultores virtualmente cassa o direito de defesa de quem quer que se sinta lesado em contrato assinado sob a lei, desde que o infrator [isto é, um monopolista] alegue ter agido de “boa fé”.

Os agricultores vêm sustentando essa luta num quadro em que a Índia se tornou um dos países mais afetados pela pandemia de Covid-19, com 33,6 milhões de contágios e mais de 446 mil mortos, oficialmente.

Ampla solidariedade

A SKM agradeceu o apoio de diferentes setores da sociedade indiana aos seus agricultores. “As centrais sindicais estiveram firmes com os agricultores”, destacou a entidade, que saudou a solidariedade recebida de associações de comerciantes e transportadores, de organizações estudantis e de mulheres, de associações de servidores públicos, e de entidades de professores, escritores, jornalistas e artistas.

Expressando esse apoio da sociedade civil aos agricultores, Maimoona Mollah, da Associação de Mulheres Democráticas de Toda a Índia (AIDWA), disse ao portal indiano NewsClick que “em uma democracia, todos têm o direito de levantar suas vozes. No entanto, o governo Modi se recusa a ouvir. É por isso que os fazendeiros estão sentados fora de Delhi há quase um ano, mas o governo nem mesmo permite que eles entrem na cidade”.

“O que essas pessoas farão? Eles vão organizar repetidamente protestos como este, greves como esta, e forçar o governo a ouvi-los”, ressaltou. Ela acrescentou que Modi “está fazendo leis que resultarão na morte dos cidadãos mais pobres do país”, enquanto os monopolistas ficam cada vez mais ricos.

Ela denunciou também forças que integram o atual governo, pró-corporativas, comunalistas e fascistas, “que devem ser derrotadas para salvar nossa Constituição democrática e nossa nação secular”.

Por sua vez, o dirigente da central sindical AICTU, Singh, disse que o governo Modi “fez vista grossa aos agricultores, que protestam há dez meses. Cerca de 600 agricultores morreram nessa mobilização, mas o governo ainda insiste em não conversar sobre as leis agrícolas”.

A responsabilidade do regime Modi por essas mortes não passou despercebida durante os protestos, com líderes dos agricultores denunciando que durante a pandemia o governo “falhou miseravelmente e não pôde salvar vidas e meios de subsistência”.

O porta-voz nacional da União Bharatiya Kisan, Rakesh Tikait, disse ao Newsclick que o governo “cego e surdo não vê nem ouve” os agricultores que estão nas ruas há meses. “O governo não deve ter a ilusão de que os agricultores voltarão para casa de mãos vazias. Ainda hoje, eles insistem na exigência de revogação das leis agrícolas”.

A recente deriva de Modi, se aproximando de Washington, em contraste com a tradicional política externa indiana de não-alinhamento, também mereceu observações dos agricultores em luta.

“O primeiro-ministro está fazendo palestras ao mundo sobre direitos humanos. Ele não nos vê? Não temos direitos humanos? Ele não sabe que nossos 600 fazendeiros morreram sentados nas estradas? Ele não viu os corpos apodrecidos jogados no Ganges no período Covid? É ridículo dizer ao mundo que você realmente se preocupa com os direitos humanos”, indignou-se Suresh Koth.

Segundo o Newsclick, “ao longo dos dez meses de luta, as mobilizações dos agricultores serviram para expressar outras preocupações, reivindicações e exigências, ligadas às camadas populares na Índia. As privatizações de empresas estatais, a inflação, o aumento do preço dos combustíveis, o desemprego e a repressão sobre manifestantes foram algumas delas”.

Essa resistência às nocivas ‘reformas’ revela que há, na Índia, forças capazes de se opor a um governo que tem promovido incessantemente o chauvinismo hindu contra os muçulmanos e outras minorias, e incita divisões étnicas, comunais e de casta. Enquanto a Índia se arrasta na 129ª posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), está em quinto lugar no placar mundial de bilionários [em dólares], sendo a número seis do mundo por PIB nominal.