Em meio a advertências de que a ordem constitucional secular da Índia está sob ataque, o primeiro-ministro Narendra Modi e seu Partido Bharatiya Janata (BJP) apresentaram uma

legislação que, segundo denúncia da oposição, efetivamente redefine a cidadania indiana em termos supremacistas hindus.

A oposição adverte que, sob o pretexto de coibir “imigrantes ilegais”, o BJP planeja impor um Registro Nacional de Cidadãos (NRC), em que os 1,3 bilhão de residentes na Índia terão que provar que são cidadãos indianos. Quem for incapaz de atender a tais exigências, será declarado apátrida e sujeito à detenção e expulsão.

Entidades populares e forças políticas alertam que o alvo do NRC é a minoria muçulmana da Índia, que se verá assediada e submetida a intimidações e outras arbitrariedades.

O propósito ostensivo do NRC é identificar “imigrantes ilegais”. Na verdade — e o CAB torna isso manifestamente evidente — o objetivo do NRC será assediar, intimidar e vitimizar a minoria muçulmana da Índia.

Apresentada como um ato de “compaixão e fraternidade”, a lei de Modi concede cidadania indiana a não-muçulmanos do Afeganistão, Bangladesh e Paquistão (hindus, sikhs, jainos, budistas e cristãos) que ingressaram no país antes de 2015, alegando que eles teriam sido submetidos a perseguição religiosa.

Ostensivamente são excluídos membros de grupos muçulmanos minoritários do Paquistão (como os ahmadiyas), do Afeganistão (xiitas hazaras) ou de Mianmar (Rohingyas) que são vítimas de discriminação ou violência comunalista. Aliás, o governo do BJP colocou os Rohingyas que fugiram para a Índia em campos de deportação e os vêm deportando para Mianmar.

A oposição adverte que milhões e milhões de residentes – especialmente os mais pobres – terão dificuldade em obter os documentos necessários para ‘provar’ sua cidadania indiana, mas destes, só os muçulmanos é que estarão, efetivamente, com a cidadania ameaçada, já que outras minorias já têm, sob essa lei, um caminho para não serem deportados.

Como registrou o colunista do Indian Express, Harsh Mander, “o governo está claramente sinalizando que se pessoas de qualquer identidade, exceto muçulmanos, forem incapazes de produzir os documentos necessários, elas serão aceitas como refugiados e receberão cidadania. Isso significa que o verdadeiro fardo para provar que eles são cidadãos indianos (sob o NRC) … é apenas empurrado sobre os muçulmanos, porque só eles se arriscam a virarem apátridas. A maioria dos hindus acharia impossível reunir os documentos necessários para provar sua cidadania, mas apenas muçulmanos sem documentos enfrentarão a perspectiva de centros de detenção, ou de serem destituídos de todos os direitos de cidadania.”

No debate no Lok Sabha, a câmara baixa do parlamento da Índia, o Ministro do Interior Amit Shah, prometeu rapidez na imposição do NRC.

Notório por comparar repetidamente “imigrantes muçulmanos ilegais” a “cupins”, no parlamento o braço direito de Modi disse que, uma vez que o NRC esteja implementado, “garantiremos que nenhum infiltrado permaneça no país”.

Assim, o objetivo implícito do regime Modi é empurrar os 200 milhões de muçulmanos da Índia para a condição de cidadãos de segunda classe.

O governo liderado pelo Congresso da Índia rejeitou a exigência dos precursores supremacistas hindus do BJP, o Hindu Mahasabha e o RSS, que a Índia fosse declarada uma nação hindu. Pela Lei de Cidadania de 1955, que agora buscam alterar, é a territorialidade (ou seja, nascimento na Índia ou no império indiano britânico pré-1947), não a religião, o critério de cidadania.

A direita hindu sempre rejeitou isso. No final da década de 1930, V. D. Savarkar, principal ideólogo da Hindutva, chegou a instar os hindus indianos a tratar os muçulmanos como os nazistas tratavam os judeus.

Ele argumentava que os muçulmanos da Índia não eram verdadeiros indianos, porque para eles – ao contrário dos hindus, sikhs, jainistas e budistas do país – a Índia é sua “pátria”, mas não sua “terra santa”.

O assassino de Mahatma Ghandi era um adepto dessas concepções e integrara o RSS, organização extremista supremacista hindu onde o BJP se nutriu. O assassinato foi realizado no ano seguinte à partição que deu origem à atual Índia e ao Paquistão.

Ao estabelecer um tratamento preferencial aos não-muçulmanos de estados vizinhos selecionados e ao mesmo tempo impor aos muçulmanos que devam provar sua cidadania indiana, o governo do BJP age para realizar o objetivo de longa data da direita hindu de instaurar a supremacia hindu e fazer da religião e não da territorialidade o critério de cidadania.

A inclusão de cristãos que migraram ou fugiram para a Índia do Paquistão, Bangladesh e Afeganistão entre aqueles a serem concedidos cidadania sob o CAB é um ardil, de olho na direita cristã norte-americana.

Para a oposição, essa política do governo Modi provoca divisão entre indianos, desacredita o Estado indiano e suas instituições estatais e fere a democracia.

Em Assam, organizações chauvinistas que se opõem à concessão de cidadania a migrantes hindus de Bangladesh realizaram tumultos na quinta-feira, forçando o envio de tropas federais e a decretação de toque de recolher na capital, Guwahati, mais a suspensão do serviço de telefonia celular em dez distritos. Pelo menos duas pessoas foram mortas a tiro nos confrontos e há vários feridos.