Superintendência do Incra respondeu ao Brasil de Fato e rechaçou as acusações de perseguição e racismo institucional -

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra – está agindo contra três funcionários do órgão por esses terem liberado ou pelo menos concordado com o repasse de recursos para comunidades quilombolas no Estado previstos em um programa destinado a beneficiar essa população.

A proposta visa a atender 2 mil famílias da comunidade Ponta Barra que vivem em situação de vulnerabilidade e insegurança alimentar. A maior parte dos recursos ora questionados fazem parte do chamado “Apoio Inicial” que possibilita às famílias a compra de bens de primeira necessidade, como alimentos e roupas, além de utensílios domésticos como fogão e geladeira.

O investimento da ordem de R$ 11 milhões aproximadamente será distribuído ao longo de 3 anos e contempla 2.015 famílias em 13 Territórios Quilombolas (TOs).

O programa prevê que cada família receba em média R$ 5,4 mil no decorrer de trinta e seis meses. O benefício não seria mensal, mas há comunidades que nos quase três anos do atual governo tiveram acesso a uma única parcela, em 2018.

A líder quilombola Xifroneze Santos, da comunidade de Caraíbas, em Canhoba (SE), diz que o primeiro e único repasse foi fundamental para as famílias. Segundo a liderança, que integra a Conaq – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – “O recurso chegou no Natal, quando muitas famílias não tinham nem um pão para fazer sua ceia. Todo mundo sorriu. O recurso movimentou a comunidade e o comércio do município de uma forma que todos saíram ganhando”, explica.

Xifroneze acrescenta que o dinheiro liberado representou “um avanço muito grande e significativo na qualidade de vida naquilo que as famílias não conseguiam alcançar”. Por exemplo, promover melhorias em suas casas, garantir um transporte e conseguir gerar outras rendas.

Apontando supostas “irregularidades” na liberação de “69,9%” dos recursos, a superintendência do órgão regional acionou a Polícia Federal, o TCU (Tribunal de Contas da União), o MPF (Ministério Público Federal) e a CGU (Controladoria Geral da União) para que investiguem os atos das servidoras e também de um ex-superintendente e um técnico.

Em nota à coluna de Rubens Valente no Uol, o Incra afirmou que acionou os órgãos “para que sejam analisados os fatos, pondere-se sobre sua ilegalidade, e, seja verificado a materialidade e autoria de possível ilegalidade, dentro do princípio do contraditório e ampla defesa”. Um dos território citados pelo órgão é o da comunidade de Caraíbas.

O site “Brasil de Fato” informou no último dia 27 que a Conaq preparava uma denúncia contra a superintendência do Incra em Sergipe “por racismo institucional e perseguição às servidoras” no Estado.

Para justificar o ataque às trabalhadoras, o Incra se apoiou no Decreto 9414 de 2018, do governo de Michel Temer, que passou a limitar o acesso dos quilombolas às políticas públicas que as beneficiariam.

Em sua defesa, as servidoras apresentaram ao Incra um relatório preliminar em que asseguram que o critério adotado para o repasse dos recursos vinha sendo o mesmo desde 2018, inclusive com a aprovação da chefia do órgão e da área jurídica. O documento esclarece ainda que essa prática só foi colocada em xeque pela primeira vez em 2021.

O órgão passa por um período de instabilidade e ingerência administrativa, sendo alvo de indicações políticas para comandar suas superintendências regionais, inclusive por pessoas de fora do próprio Incra, como é o caso de Sergipe. Durante o atual governo, já houve troca de superintendes do órgão no Estado em 2019, 2020 e 2021.

Em um balanço sobre os 50 anos da criação do Instituto de Reforma Agrária, a Cnasi – Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra -, aponta os problemas enfrentados pelo Incra ao longos desses anos. Dentre eles, a redução drástica de recursos. Segundo a entidade, de 2000 para cá, o Incra teve uma queda de 66,6% no seu orçamento e diminuição de um terço do seu quadro de pessoal durante os sucessivos governos.

“Na gestão atual intensifica-se o ‘Estado Mínimo’, os cortes de orçamentos e as ações / atividades do Incra são direcionadas para ampliar o favorecimento ao grande capital agrário, atacar o direito ao acesso à terra e intensificar a concentração fundiária”, denuncia o documento, divulgado em 2020.