Enquanto o Brasil não conseguiu sair da primeira onda do novo coronavírus, países europeus que reabriram suas economias após os casos baixarem vivem sob o temor das consequências de uma segunda onda. A perspectiva de um novo lockdown assombra o continente, principalmente devido às consequências econômicas para esses países, cujos governos investiram pesado em medidas de estímulo à economia e proteção ao emprego e à renda.

Na avaliação do economista Paulo Kliass, as incertezas causadas pelo retorno do vírus à Europa servem como alerta para o Brasil, que se comporta como se a pandemia já tivesse acabado. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que o pior já passou e aposta na recuperação em V. Apesar do desemprego batendo em 14%, o governo reduziu pela metade o valor do auxílio emergencial e discute a volta da agenda de austeridade sob a qual foi eleito em 2018.

“Eles estão querendo apostar que a pandemia acabou e o Brasil pode voltar às suas atividades normais de 2019, mas não é isso. A crise da Covid-19 continua. Se a gente for acompanhar a segunda onda [no Brasil], com certeza vai ter os mesmos efeitos negativos. E não vai ter para onde fugir. Se o governo já estava tendo resistência a adotar medidas como o auxílio de R$ 600, gastos na área de saúde, medidas de alívio tributário para as empresas, imagine fazer novamente”, diz Kliass.

Segundo ele, o país deveria observar com atenção o exterior e usar o aprendizado dos últimos meses. Da mesma forma que há recrudescimento de casos na Europa, o Brasil pode enfrentar a segunda onda. “Se você passa a ter uma segunda onda no Brasil, vai ter não só um agravamento do drama social, humano, da saúde, como também consequências de redução da atividade econômica. Isso compromete qualquer possibilidade de retomada”, avalia.

Além disso, o próprio retorno do vírus a outros países é uma notícia ruim, uma vez que a economia global é interligada. Se o Brasil já não vive um bom momento de investimentos estrangeiros, por exemplo, em razão das ações e omissões do governo Bolsonaro na área ambiental, é menos factível ainda esperar investimentos caso as economias europeias ou dos EUA estejam em crise.

“Hoje, o Paulo Guedes fez uma conferência para investidores internacionais e estava preocupado com isso. Está oferecendo seguro cambial. Ou seja, você compra títulos no Brasil e o governo te ressarce se tiver prejuízo. O investidor olha para o Brasil, para a taxa de câmbio, as contas públicas e diz ‘não, é arriscado, eu não vou’, ainda mais que o Banco Central está oferecendo taxa de juros relativamente baixa em relação a antigamente. O Brasil não é mais o queridinho do mercado financeiro”, ressalta Kliass, lembrando que Guedes também foi questionado sobre a Amazônia.

Durante a conferência, organizada pelo Milken Institute, o ministro da Economia disse que o país vem sendo “mal interpretado” na questão ambiental e usou o tamanho do território como justificativa para a dificuldade em controlar o desmatamento e as queimadas na floresta. Ele também pediu que os investidores aguardem a realização das reformas administrativa e tributária.