Impeachment: vídeo exibe falas de Trump incitando ataque ao Capitólio
Um vídeo de 13 minutos, apresentado pela equipe de acusação do pedido de impeachment, designada pela Câmara, expôs de forma contundente o papel do então presidente Donald Trump de insuflar a turba de apoiadores a “marcharem ao Capitólio” e lutarem “como o inferno” contra o que ele alegava ser “fraude” diante de sua “vitória esmagadora”.
O objetivo, como assinalou com precisão o jurista Raskin, foi tentar impedir a “transição pacífica do poder nos EUA”, a certificação da vitória nas eleições de Joe Biden.
Apesar de já terem circulado muitos vídeos do motim golpista, é a primeira vez que este é mostrado de forma tão clara e concentrada, entremeando o discurso de Trump de incitação à turba com as cenas grotescas do assalto ao Congresso dos EUA que chocaram o mundo.
Sequenciou-se a caçada aos parlamentares, à presidente da Câmara e até ao vice-presidente do país, assim como a depredação do plenário da Câmara e do Senado, espancamento e até morte de policiais que cumpriam o dever de defender o Capitólio e, ao final, uma tuitada de Trump reafirmando todas as mentiras e demonstrando apreço pelos fanáticos, que tratou como “muito especiais”.
O vídeo começa com o discurso de Trump antes da invasão do Capitólio. “Vamos parar o roubo!”, declarou, repetindo pela enésima vez a mentira de que ganhou por uma “avalanche” e que a eleição foi fraudada.
“Você não pode votar em fraude”, diz ele. “E quando você pega alguém em uma fraude, você tem permissão para seguir regras muito diferentes”, acrescentou, em sua instigação da quebra da ordem constitucional.
“Nós lutamos como o inferno”, ameaça Trump. “E se você não lutar como o diabo, não vai mais ter um país”, ele dá o sinal verde à horda que convocara a Washington.
O plano, ele diz à multidão ensandecida, é marchar sobre o Capitólio e “dar aos nossos republicanos – os fracos, porque os fortes não precisam de nossa ajuda – o tipo de orgulho e ousadia que eles precisam para retomar nosso país.”
Comentários que são alternados com as cenas de milhares de membros de milícias de extrema direita e apoiadores de Trump atacando violentamente o edifício do Capitólio e suplantando o frágil esquema de segurança em torno do perímetro. “Tomem o prédio!”, “Parem o roubo!” “Traidores!” e “Lute por Trump!”, são os gritos da turba registrados pelo vídeo.
Um indivíduo é mostrado ajeitando um laço de forca numa estrutura de madeira nas imediações do Congresso. Há as imagens de repórteres perseguidos e seu equipamento destruído pela horda, arrombamento de portas e janelas e muitos invasores estão trajados com roupas de milicianos.
Algumas figuras claramente cumprem o papel de dirigir a operação, orientando os trumpistas para dentro do prédio. Um policial tem de ouvir de um fascista que “você está em menor número. Há um maldito milhão de nós lá fora, e estamos ouvindo Trump, seu chefe.”
No momento em que a turba se aproxima do plenário do Senado, com os senadores ainda dentro, Trump posta novo tuite, que critica Pence, que presidia a certificação da vitória de Biden no Congresso. Membros do Congresso escaparam “por segundos” – segundo alguns relatos – de caírem nas mãos das hordas pró-Trump.
O vídeo reproduz ainda tuitada de Trump escrita quatro horas após o início da invasão – e quando já se tornara claro que fracassara a captura de reféns no Congresso e a tomada de controle do Capitólio. Nessa altura, embora o vídeo não haja feito referência a isso, já tinha sido rompido o bloqueio dentro do Pentágono que impediu durante horas que o socorro de tropas das Guardas Nacionais dos estados vizinhos ao Capitólio, repetidamente solicitado, fosse liberado.
Escreveu o ainda então presidente: “Estas são coisas e eventos que acontecem quando uma vitória eleitoral esmagadora é arrebatada de maneira tão abrupta dos grandes patriotas que foram tratados tão injustamente e mal durante tanto tempo. Vão para casa e em paz. Lembrem-se deste dia para sempre”.
Ao final do vídeo, o Senado dos EUA ficou em silêncio por vários minutos.
O principal mérito do vídeo é deixar evidente que se tratou de um ataque orquestrado e não apenas uma turba que ‘saiu de controle’.
Não foi um relâmpago em céu azul, com Trump bem antes das eleições já dizendo que só perderia se houvesse fraude, o que se seguiu pelos processos de alegação de fraude repetidamente recusados pelos tribunais e culminou no acintoso telefonema de Trump ao chefe do processo eleitoral no estado da Geórgia, chamando a “arrumar 11.870 votos”.
No comício, Trump disse que, se Pence não fizesse o que “deveria”, isto é, roubar a eleição para ele, recusando a certificação, “não iria gostar tanto dele”. Outros vídeos registraram o coro de “enforquem Pence” ouvido nos corredores do Capitólio, forma com que a turba traduziu o “não iria gostar” do chefe.
Como assinalou Raskin, “se provocar uma revolta insurrecional contra uma sessão conjunta do Congresso depois de perder uma eleição não é passível de impeachment, então nada seria”.
Raskin viveu particularmente um drama pessoal durante o assalto ao Capitólio, que acabou por sublinhar tudo de absurdo que ocorreu no 6 de janeiro. Na véspera, havia sido o sepultamento do corpo do filho de 25 anos, que se suicidara no Ano Novo, depois de anos de depressão.
A filha de Raskin, querendo ficar junto com ele, resolveu ir à cerimônia no Capitólio, com o marido. No caos que se tornou o que deveria ser uma cerimônia tranquila de exercício do preceito constitucional de transmissão pacífica do poder ao oposicionista eleito, Raskin acabou tendo de se separar da filha e do genro.
Eles acabaram vivendo o mesmo terror que parlamentares e seus assessores presenciaram, trancados em salas às escuras, debaixo de mesas, com os invasores tentando arrombar as portas barricadas.
Ao reencontrar a filha, Raskin abraçou-a e pediu perdão, e ouviu da filha de que jamais voltaria ao Congresso dos EUA.
Ainda no primeiro dia, a questão da constitucionalidade, já votada preliminarmente em razão de uma questão de ordem de um republicano, voltou a ser referendada, com um senador republicano a mais, agora, seis se unindo aos 50 democratas – ainda muito longe dos 67 necessários para barrar novos intentos golpistas de Trump e sua promessa de “voltar em 2024”.