Após a definição das regras do julgamento do impeachment de Donald Trump na véspera, começa nesta quarta-feira (22) a acusação oral pela destituição do presidente, que durará três dias, totalizando 24 horas de exposição formal, após o que se seguirá igual período para a defesa.

Ontem, Trump acompanhou desde Davos, na Suíça, as votações no Senado, que fundamentalmente o favoreceram em matéria de normas do julgamento, por uma divisa partidária de 53 a 47.

O que foi descrito pela NBC News como “muitos dos 100 parlamentares pareciam exaustos com a redundância dos procedimentos do dia, que consistia principalmente em democratas do Senado apresentando moções para intimação de testemunhas e documentos, gerentes da Câmara e advogados da Casa Branca discutindo sobre isso, e o Senado votando ‘não’”.

Trump teve o pedido de impeachment aprovado na Câmara – controlada pelos democratas – no dia 19 de dezembro, sob acusação de abuso de poder e obstrução do Congresso, em relação a um telefonema de julho passado ao novo presidente ucraniano em que solicitou investigação dos vínculos do antigo governo com o escândalo de grampo do Diretório Nacional Democrata nas eleições de 2016 e da corrupção envolvendo o ex-vice de Obama, Joe Biden, cujo filho ganhou cargo de diretor numa empresa privada de gás ucraniana, a Burisma.

A acusação é de que Trump pediu “interferência estrangeira” para obter vantagem nas eleições de 2020 – por Biden ser pré-candidato democrata – e em seguida obstruiu a investigação do Congresso, recusando entregar documentos e proibindo auxiliares de deporem, mesmo sob intimação.

Ainda segundo a acusação, as ações de Trump puseram em risco a “segurança nacional” dos EUA [na Ucrânia?] e a integridade de sua democracia e a contrapartida oferecida pelo presidente foi o fim da retenção da ajuda militar de quase US$ 400 milhões, mais uma visita à Casa Branca.

Durante os próximos dias, os senadores deverão apenas ouvir e, após a conclusão das exposições da defesa e da acusação, terão 16 horas para fazer perguntas por escrito, que serão lidas pelo chefe da Suprema Corte, juiz John Roberts, que preside o processo. Será uma verdadeira maratona, com os senadores proibidos de falar, ligar celulares ou comer no recinto.

 

1º TURNO

 

É a primeira vez que um julgamento de impeachment acontece em ano eleitoral, o que torna o processo, na prática em uma espécie de primeiro turno da eleição. Até aqui, não há nada que indique que a oposição possa deslocar 20 votos de republicanos para possibilitar a aprovação do afastamento de Trump.

São necessários dois terços dos votos dos senadores para a deposição de Trump, enquanto este precisa apenas manter os votos de 34 da bancada republicana de 53.

A determinação mostrada pelo líder da maioria, Mitch McConnell, em buscar um julgamento a jato e com o mínimo de debate possível lhe valeu, nas redes sociais, o alcunha de #MidnightMitch.

Se sua proposta inicial de que a acusação e a defesa fizessem suas exposições ao longo de dois dias, com início das sessões às 13 horas, as transmissões do julgamento iriam entrar pela madrugada, dificultando o acompanhamento pelo público.

O que, somado ao bloqueio de testemunhas, provocou irada resposta da oposição de que o que se pretendia era “um julgamento fictício sem fatos perpetrado na calada da noite” para “encobrir Trump”.

Como inquiriu um senador democrata: “se o presidente está tão confiante no seu caso, se o líder McConnell está tão confiante que o presidente não fez nada de errado, por que eles não querem que o caso seja apresentado em plena luz do dia?”

McConnell acabou tendo de retirar o bode do plenário, aceitando que a exposição oral seja em três dias (foi de quatro dias no impeachment de Bill Clinton).

 

SOB MEDIDA

 

No mais, só deu voto republicano de cabo a rabo, cujo sentido é de acelerar o processo ao máximo e o mínimo de debate. Note-se que, para aprovar as emendas de regras menos favoráveis a Trump, a oposição só precisaria deslocar quatro senadores republicanos. Apenas 4.

Foram rechaçadas as emendas para intimar o Departamento de Estado e o Pentágono a fornecer documentos referentes ao caso de impeachment. A votação seguinte bloqueou o documento do órgão consultivo do legislativo (o que considerou ilegal a retenção da ajuda militar à Ucrânia). Além dos novos documentos sobre o caso, também foi rechaçada nessa primeira etapa a convocação de testemunhas, o que poderá ser revisto na fase final.

“Não sei como você tem um julgamento sério, a menos que ouça testemunhas que saibam de verdade quais são os fatos, o que aconteceu”, disse o senador Bernie Sanders, acrescentando achar que seria apropriado que o chefe de justiça [Roberts] permitisse que testemunhas testemunhem”.

Roberts precisou pedir uma “linguagem condizente” quando o presidente do Comitê de Justiça da Câmara e ‘gerente’ do impeachment, o democrata Jerrold Nadler, e o advogado de Trump Cipollone, trocaram acusações. Nadler responsabilizou os republicanos por “encobrimento” ao votarem contra a convocação de Bolton de testemunha. Recebeu o troco: “você não está no comando aqui”.

Por sua vez os republicanos tripudiaram dos acusadores democratas, sobre a exclusão de documentos e testemunhas, questionando porque não os incluíram, eles próprios, na peça de acusação que escreveram e esperaram um mês para entregar ao Senado.

Para Nadler, as evidências existentes “são esmagadoras” e um júri popular não levaria “mais que três minutos” para condenar Trump.

 

PINGA FOGO

 

Antes da fase da exposição oral, acusação e defesa publicaram suas declarações iniciais. Foram nada menos de 111 páginas de libelo acusatório, respondidas, mais sucintamente, pela equipe de pesos pesados jurídicos convocada por Trump às pressas.

O chefe dos gerentes de acusação, Adam Schiff, também presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, classificou Trump de “o pior pesadelo dos pais da Constituição”, desancou as manobras republicanas de encobrimento e disse que o presidente “não é rei … e este julgamento é para garantir que não se torne rei”.

Em resposta, o advogado da Casa Branca Pat Cipollone, disse que os democratas “não estão aqui para roubar uma eleição, estão aqui para roubar duas eleições” e que era “uma tentativa descarada e ilegal de reverter os resultados das eleições de 2016 e interferir nas eleições de 2020”.

O argumento inicial de defesa asseverou ainda que Trump não cometeu nenhum crime e, por não ter violado qualquer lei criminal, não estaria sujeito a impeachment, copiando aquela tuitada de Trump de que “nada fez de errado” e que é só “uma caça às bruxas vergonhosa”. A defesa também diz que o famoso telefonema tinha como objetivo “combater a corrupção”.

Parece evidente que a defesa de Trump não vai contestar nada do que é dito que ele fez, apenas vai repetir à exaustão que tudo estava dentro dos seus legítimos poderes de presidente.

 

MAIS UMA CHANCE

 

Antes da fase final, os senadores voltarão a decidir se querem solicitar mais documentos e testemunhas (o que rejeitaram na primeira fase). A oposição quer convocar John Bolton e outros auxiliares ou ex-auxiliares de Trump com conhecimento do caso. A bancada republicana retruca, ameaçando convocar o filho de Biden, ou o agente de CIA cujo ‘ouvir falar’ desencadeou o caso.

Se forem introduzidas novas testemunhas e documentos, o processo poderá ter de se estender. Ao término, será apresentada a defesa final e exposição dos promotores, o que culminará com uma rodada de votos para cada uma das acusações. No processo de impeachment de Clinton, cada senador falou por 15 minutos justificando o voto. Trump estará deposto se 67 senadores votarem contra ele em qualquer das duas acusações.

Em outra semelhança com o processo de impeachment de Clinton, Trump acaba de bombardear e matar um general iraniano, quase começando; Clinton bombardeou uma fábrica de remédios no Sudão e, depois, a Iugoslávia.

 

DIA D

 

A NBC News analisou outra questão referente à votação de impeachment. “Não há indicação de que o presidente [Trump] tenha problemas para obter os 34 votos de que precisa para permanecer no cargo. Mas uma defesa instável poderia custar-lhe votos entre o eleitorado – nesse ponto, o público que mais importa”.

Assim, os eleitores seriam o alvo e, conforme a fonte, “pesquisas em alguns estados-chave parecem confirmar o mérito desse cálculo, embora os democratas tenham tempo de sobra para mudar a dinâmica antes do dia das eleições”.

A NBC News assinalou, reforçando esse argumento, que Trump se manteve estável no crucial estado ‘púrpura’ [que oscila entre democratas e republicanos] de Wisconsin “exclusivamente com essa estratégia básica”. Pesquisa divulgada nesta semana, como cita a rede de tevê, encontrou o maior índice de aprovação de Trump em Wisconsin desde que assumiu o cargo.

A emissora – que não parece nutrir simpatia por Trump – acrescentou que essa mesma estratégia vem funcionando em partes da zona rural da Pensilvânia, onde em novembro passado, os republicanos assumiram o controle em seis municípios.

O que possivelmente explica por que, enquanto o enfoque do líder republicano no Senado, McConnell, se voltou para um julgamento a jato e de preferência invisível, o rei do reality show Trump convocou para sua defesa uma equipe jurídica “dos sonhos”, que, pelas características, está a postos para “controlar a narrativa”, manter seu eleitorado mobilizado e repetir na tevê a destreza mostrada, por exemplo, na escandalosa absolvição do ex-astro de futebol, O J Simpson, com as mãos sujas do sangue da mulher e de um namorado dela.

Além de que Trump não poderia correr o risco, com a convocação de novas testemunhas e de mais documentos – que só depende da mudança de quatro votos – podendo implodir todos os planos prévios. Afinal, o que poderia dar errado, com o homem-bomba Bolton depondo no Senado?