Salles autorizou e acompanhou uso de retardante químico nocivo nas localidades do pantanal em chamas | Foto: Reprodução Instagram

O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) informou que suspendeu a compra de retardantes químicos para queimadas, que foram defendidos pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e podem causar contaminação na população.

O Ibama respondeu a uma ação movida pelos moradores de Cavalcante (GO), que são contra a utilização da substância.

Sob ordens e supervisão de Ricardo Salles, o FireLimit foi utilizado na Chapada dos Veadeiros (GO).

A população da região protestou contra o uso desses produtos químicos no combate ao fogo.

O governo de Goiás informou em nota que “não há nenhuma regulamentação sobre o referido produto químico em Goiás; que não foi consultado sobre sua utilização; e que não é autorizado o uso do mesmo dentro da Área de Proteção Ambiental do Pouso Alto, de gestão sob responsabilidade do governo goiano”.

Ricardo Salles agrediu e chamou de “maconheiros” os moradores que protestaram e disse que a opinião deles não tinha importância nenhuma. E rebateu o governo goiano nas redes sociais dizendo que, em Parques Nacionais, quem tem que autorizar esse tipo de ação é o ICMBio.

O ministro do Meio Ambiente comemorou o uso e postou imagens em suas redes sociais com o produto lançado na região e sobrevoou a Chapada, declarando que o fogo tinha acabado na localidade.

Um relatório realizado pelo próprio Ibama em 2018 não recomenda sua utilização. Segundo o Prevfogo, Centro do Ibama de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais, “não é possível evidenciar se caberia o uso de retardantes que possuam esses componentes em áreas como o Pantanal, Terra Indígena Xingu ou Parque Indígena Araguaia, que possuem relativa abundância de água”.

“O mesmo questionamento é válido para áreas de Caatinga ou Cerrado com baixa disponibilidade hídrica”, diz o estudo.

O produto contém sulfato de amônia, que “danifica e mata folhas se ficar exposto por tempo demasiado”.

“Desta forma, não é possível definir qual o limite seguro para que o retardante não cause mais dano do que o fogo em uma floresta, como, por exemplo, quando o incêndio é superficial e não atinge a copa das árvores”, prossegue.

“Retardantes de longa duração podem ser mais tóxicos na presença de radiação UV-B e água. Assim, não é possível assegurar o uso desses produtos na Amazônia ou Cerrado, com a intensidade de radiação solar diária recebida no país”, continua o Prevfogo.

O responsável pela realização dos relatórios, Gabriel Zacharias, ex-coordenador do Prevfogo, foi demitido dez dias depois de ter alertado para os riscos da utilização do produto.
Logo em seguida, o Prevfogo mudou a sua avaliação e o Ibama comprou a substância.

O presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, Carlos Bocuhy, afirma que “o retardante de chama é um produto tóxico, tanto que ele, por um período de 30 dias depois da aplicação, [contamina e] você não pode beber da água da região. Então esse cuidado, essa quarentena que se submete a área demonstra a periculosidade do produto, que leva um tempo para que ele seja neutralizado no ambiente”.

Depois de ter cortado verba e exonerado funcionários importantes do Ibama e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas, Ricardo Salles também defendeu o uso de gado para impedir as queimadas.

“Uma vez que o gado também contribui para diminuir o que há de excesso de matéria orgânica, o capim, enfim, o pasto que ele ajuda a reduzir. Há uma série de medidas que decorrem desse debate que se estabeleceu, que vão desde o uso do fogo frio, da queima controlada preventiva, do tema da pecuária lá no Pantanal, o uso de retardantes e a aviação agrícola enquanto complemento”.

Especialistas rebateram essa visão de Salles e da ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
Segundo a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), parceira do Inpe no monitoramento da área queimada, 26% de todo o bioma já foi consumido pelo fogo de janeiro a setembro.

Em audiência pública no Senado, Ricardo Salles expôs e irresponsabilidade e o descaso do governo com o Pantanal. Segundo ele, o governo tem “jurisdição” apenas sobre 6% do território do Pantanal e jogou a responsabilidade sobre os governos estaduais.

“Volto a dizer que apenas 6% do território do Pantanal é de jurisdição da fiscalização federal. As demais partes do territórios são de competência estadual. E, portanto, o governo federal contribui na sua parcela de jurisdição. Para além disso, com emprego das Forças Armadas”, afirmou o ministro.

Os especialistas rebateram essa posição governamental. A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, afirmou que a responsabilidade do gestor federal é mais ampla do que afirma Salles.

“Em uma situação de crise, as instituições do governo federal com a competência para combater e prevenir o fogo devem assumir essa responsabilidade. E, principalmente, a responsabilidade de reforçar a necessidade de não uso do fogo em época de seca, o que ele não fez aparentemente em suas declarações”, disse Ane Alencar.

Para Felipe Dias, diretor-executivo do Instituto SOS Pantanal, o governo tem obrigação de zelar pelo bioma.

“Penso que, da mesma forma que atuam nas unidades de conservação, as brigadas do PrevFogo do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] sempre atuaram e continuam atuando no Pantanal independentemente de ser área pública ou privada.

Sempre que necessário os governos estaduais solicitam ajuda do governo federal. Na minha percepção, o tempo de resposta é que deixou a desejar”, afirmou.