Na difícil quadra em curso, sobreleva-se a conjugação de dois fenômenos de características globais, a pandemia do coronavírus e um choque de petróleo.

Por Haroldo Lima*

A Organização Mundial do Comércio divulgou, a 11 de março passado, seu Barômetro de Comércio de Serviços, mostrando que esse indicador da atividade econômica, já declinante no final de 2019, continuou em queda livre nesse primeiro trimestre de 2020. Outro indicador da OMC, o Barômetro do Comércio de Mercadorias, desde o quarto trimestre de 2017, já estava nessa marcha batida de recuo.

O coronavírus veio agravar essa desaceleração da atividade econômica, aumentando a retração do consumo de petróleo, o excedente de oferta do produto e as pressões para o rebaixamento dos preços do energético. Criou-se uma situação em que se tornava necessária uma intervenção reguladora para ajustar a produção do óleo por cada produtor, a fim de que os barris tivessem seus preços sustentados.

O organismo que há 60 anos tem feito intervenções deste tipo é a Organização dos Países Exportadores do Petróleo, OPEP, fundada em 1960 por cinco grandes produtores de petróleo e que hoje conta com 14 países membros. A Arábia Saudita, maior exportador mundial do óleo, é quem lidera essa organização.

Como a Rússia e outros países independentes não integram a OPEP, embora sejam grandes exportadores, tornou-se necessário um organismo mais amplo que os incorporasse e surgiu assim, em 2016, a OPEP+, da qual participam os 14 membros da OPEP e mais 10 independentes, dentre os quais a própria Rússia, hoje o segundo maior produtor de petróleo do mundo.

A OPEP+ passou a ser uma espécie de instância máxima na atualidade para a regulação do mercado do petróleo. Em 6 de dezembro de 2019, por exemplo, foi ela quem decidiu abrir mão da produção de 500 mil barris por dia a partir de 1º de janeiro de 2020, para equilibrar a indústria petrolífera dos diversos países e sustentar os preços.

Sucedeu que o panorama da produção de petróleo no mundo passou por uma grande transformação nessas duas décadas do século XXI. Os Estados Unidos aprofundaram-se na tecnologia do fraturamento hidráulico (fraking) do folhelho para extrair o gás natural (shale gas) e o petróleo (shale oil) ali aprisionados. Com isto, a atividade exploratória norte-americana teve acesso a reservatórios até então inacessíveis.

A chamada “revolução shale”, ocorrida nos Estados Unidos, encerra muitos riscos ambientais, especialmente ligados ao consumo intensivo de água, à contaminação do solo e das águas subterrâneas e a fenômenos sísmicos.

A despeito disto, por causa dessa “revolução shale”, em 5 anos, de 2009 a 2014, os Estados Unidos superaram a Rússia e a Arábia Saudita e colocaram-se na posição de maior produtor de petróleo do mundo! A virada se deu em agosto de 2018, quando a produção estadunidense chegou a 11,34 milhões de b/d. A Arábia Saudita ficou em segundo lugar, e a Rússia na terceira posição. A geopolítica do petróleo passou a depender basicamente desses três grandes atores: Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos.

Mas os Estados Unidos só galgaram essa posição devido aos altos preços do petróleo na época, que viabilizaram o custo elevado de extração do shale oil. A disparada do preço do petróleo, em 2011, foi determinante para impulsionar o shale oil norte-americano. Se o preço tivesse caído, poderia ter inviabilizado a produção do óleo e gás “shale”.

Entre 2014 e 2016, quando houve uma queda brusca do preço do petróleo, muitas empresas norte-americanas faliram por não conseguirem reduzir custos. Mas foi por causa da queda desses preços que investimentos foram feitos em pesquisa e desenvolvimento, o que reduziu o break even (ponto de equilíbrio) das reservas não convencionais.

Quando, no início de 2020, o coronavírus avançou na China, e daí no resto do mundo, o consumo de petróleo regrediu e aumentou a pressão pelo rebaixamento do seu preço. Foi quando a Arábia Saudita cogitou um corte de 1,5 milhão de barris diários — 3,6% da produção mundial – dos quais 500 mil barris/dia deixariam de ser produzidos pelos países que não são da OPEP. E foi essa proposta que, em 6 de março deste ano, não teve a concordância da Rússia.

Ato contínuo, a Arábia Saudita tomou a providência inesperada de aumentar sua produção do óleo e dar descontos localizados para facilitar sua venda. O excesso de oferta avolumou-se e precipitou a queda do preço do óleo. O Brent despencou de US$ 45/b para US$31,52/b, a maior queda havida desde a guerra do Golfo, em 1991. As bolsas do mundo estremeceram. Era 9 de março de 2020.

Analistas tem acentuado que o acontecido foi consequência de uma espécie de quebra-de-braço entre a Arábia Saudita e a Rússia, que teria fraturado a aliança entre esses dois grandes produtores, base da existência da OPEP+. Contudo, os interesses envolvidos são mais complexos.

As motivações discrepantes entre Arábia Saudita e Rússia não decorrem, principalmente, de rivalidade entre esses dois entes, mas da situação peculiar do petróleo norte-americano extraído do “shale”. Se o corte da produção dos países da OPEP+ fosse feito, quem iria se beneficiar, mais uma vez, seria o “shale” norte-americano. Na verdade, isto não interessa nem à Rússia, nem à Arábia Saudita, nem a ninguém da OPEP +. Seria manter artificialmente a competitividade do “shale” norte-americano na base dos preços altos do petróleo.

A propósito, o secretário de imprensa da petroleira russa Rosneft, Mikhail Leontyev, classificou o acordo proposto pela Arábia Saudita como “masoquista”. Disse: “Não tem sentindo. Estaríamos renunciando a nossos próprios mercados, tirando o petróleo barato árabe e russo para deixar espaço para o caro petróleo dos Estados Unidos e para garantir a eficácia de sua produção”. (BBC News, 09/03/2020).

A situação atual ainda é de grande volatilidade. Em 06 de janeiro o Brent estava cotado em US$68 /b; no dia 10 de março foi para US$37 /b; em 16 de março caiu para US$31 /b. Os pessimistas chegam a admitir valores momentâneos em torno de US$20.

Entretanto, analistas observam que vem aí a reunião de maio/junho da OPEP+, e que estão abertas as portas para entendimentos preparatórios a esse importante encontro. Em pauta, estão fortes fatores trabalhando por uma retomada de preços mais altos do petróleo, como sejam, o apetite dos grandes produtores e exportadores, Arábia Saudita, Rússia e toda a OPEP+, por preços melhores de seu produto; a pressão dos envolvidos com fontes energéticas alternativas, não poluentes, renováveis, que ficam inviabilizadas com o petróleo barato.

Por último, prepondera no momento, como condicionante para a fixação de preços do petróleo, o avanço do coronavírus e a possibilidade de que o mesmo seja contido a prazo curto.