Sanon, acusado de agenciar milicianos para assassinar o presidente do Haiti

Já está preso o agenciador do assassinato do presidente Jovenel Moise, anunciou a Polícia Nacional Haitiana, que o identificou como Charles Emmanuel Sanon, um haitiano radicado na Flórida há duas décadas e com quem um dos milicianos colombianos contratados para o serviço entrou em contato quando cercado.

O assassinato do presidente Moise na madrugada do dia 7 dentro de sua própria residência chocou o mundo e agravou a profunda crise que o Haiti já vivia, sob corrupção, miséria, apagões e zero de vacinação – além dos desmandos das milícias e gangues e da violação das normas democráticas. O assassinato foi cometido dois meses antes das eleições.

De acordo com o diretor-geral da polícia haitiana, Léon Charles, Sanon entrou no Haiti a bordo de um avião particular, com a primeira leva de assassinos contratados, que encenava ser sua “escolta”.

Ainda segundo Charles, na seqüência de ser acionado pelo colombiano sob cerco policial, Sanon “entrou em contato com outras duas pessoas que consideramos autores intelectuais do assassinato do presidente Jovenel Moise”. A identidade desses dois suspeitos não foi revelada.

Os agentes da lei encontraram na casa de Sanon no Haiti um boné falso com o logotipo da agência antidrogas dos Estados Unidos, 20 caixas de munição, peças de armas, quatro placas de automóveis da República Dominicana, dois carros e correspondências com pessoas não identificadas, acrescentou.

Conforme a polícia haitiana, 26 colombianos e três haitiano-americanos estiveram envolvidos no atentado. Desses, cinco colombianos continuam foragidos, mas 18 já foram presos; suas patentes vão de ex-tenente-coronel a ex-soldado. Os haitiano-americanos são Sanon e os dois “tradutores”, James Solages e Joseph Vincent. Três colombianos foram mortos.

O ex-chefe da guarda de Moise, Dimitri Hérard, já foi intimado a depor para explicar porque ninguém da segurança da residência do presidente ralou sequer o dedo, nem porque bastou alguém gritar “é o DEA” para tudo ficar escancarado, quando deveria ser um dos lugares mais guardados do Haiti inteiro.

Como assinalou o promotor público chefe da capital Porto Príncipe, Me Bed-Ford: “Se você é responsável pela segurança do presidente, onde estava? O que foi feito para evitar este destino do presidente?”.

Outro esclarecimento que Hérard terá de prestar é de por que viajava tanto para o Equador, sempre com escala em Bogotá. Deslocamentos que, de acordo com uma publicação colombiana, La Semana, coincidiram com os estágios de preparação para o magnicídio.

Cinco dias depois de seu retorno da última dessas viagens em maio, a maioria dos milicianos colombianos partiu para o Haiti.

O chefe de polícia Charles identificou também a “empresa” contatada por Sanon para a execução do serviço, a CTU Security, localizada em Miami e de propriedade de um ‘opositor venezuelano’, Antonio Enmanuel Intriago Valera.

De acordo com o diretor da Polícia Colombiana, Jorge Luis Vargas, 19 passagens aéreas Bogotá-Santo Domingo, usadas pelos milicianos contratados, foram adquiridas com um cartão de crédito registrado em Miami, que pertence a “uma empresa local”.

Vargas acrescentou que foram encontrados vínculos de comunicação entre os militares colombianos aposentados Germán Rivera García e Duberney Capador – o primeiro detido e o segundo morto, e a CTU Security.

Vargas acrescentou que a CTU “tem subsidiárias em várias partes do mundo”, inclusive no Haiti, e que estão verificando quem é seu representante na Colômbia.

Partidos progressistas e entidades populares alertaram contra a volta da intervenção estrangeira sob o pretexto da ameaça de caos após o assassinato de Moise. O autonomeado governo interino haitiano inclusive solicitou de Washington o envio de tropas e decretou estado de sítio por 15 dias.

A substituição do primeiro-ministro interino, Claude Joseph, por outro nome, Ariel Henry, chegou a ser anunciado por Moise, mas não chegou a tomar posse. Por ser interino, pela constituição haitiana Joseph não poderia assumir o cargo de presidente haitiano, com o presidente da Suprema Corte na linha sucessória. Só que o titular, René Sylvestre, morreu de Covid-19 há menos de um mês e ainda não foi substituído. No dia 9, foi a vez do presidente do Senado, Joseph Lambert, se considerar presidente interino, sem ninguém levar a sério.

Moise assumiu o cargo como resultado de eleições fraudulentas, cujo primeiro turno teve de ser anulado em 2015. Quando foi declarado eleito, a abstenção chegou a 77%!

Havia sido o sucessor escolhido a dedo por Michel Martelly, um ex-cantor que virou presidente graças à bênção da então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. Martelly e Moise tinham vínculos políticos estreitos com ex-membros da ditadura Duvalier, que os EUA apoiaram, e que governou o Haiti por três décadas até “Baby Doc” Duvalier ser derrubado por uma revolta popular em 1986.

Os protestos contra Moise explodiram em 2018, quando seu governo decretou um aumento de 50 por cento nos preços da gasolina para atender ao FMI. As manifestações continuaram com o escândalo Petrocaribe – os US$ 4 bilhões em subsídios à importação de petróleo fornecidos pela Venezuela mas embolsados pelo governo e seus comparsas.

Parte considerável da elite rompera com Moise, que passara demagogicamente a denunciar os ‘oligarcas’, enquanto favorecia seu próprio grupo. Cassara juízes. Não podia ser reeleito em setembro, mas apostava em um referendo para acabar com a figura do primeiro-ministro e reforçar os poderes do mandato de presidente. Desde fevereiro, enfrentava mais protestos nas ruas por causa de sua recusa a reconhecer que seu mandato acabara.