Manifestantes de rebelam contra descontrole da pandemia e carestia

Oposição, sindicatos, a Ordem dos Advogados, o Conselho Superior Judicial e a Conferência de Bispos estão exigindo a saída do presidente Jovenel Moise, cujo mandato se encerrou no domingo (7), e que quer forçar o Haiti a aturá-lo por mais um ano.

Desde 2018, quando estourou o escândalo da corrupção ‘Petrocaribe’ e apagões decorrentes, não cessam os protestos contra Moise, que em janeiro do ano passado dissolveu o Congresso e passou a governar por decreto. Ele também perseguiu os auditores do Tribunal de Contas que denunciaram sua corrupção.

Vem tentando ainda impor sua reeleição – atualmente proibida -, através de uma ‘constituição’ feita sob encomenda para ele. Na semana passada, uma greve geral de dois dias exigiu sua imediata saída.

O Haiti está “à beira da explosão”, advertiu a Conferência de Bispos do país, em carta aberta, em que afirmou que “ninguém está acima da lei no país”, em referência à pretensão de Moise de se manter no palácio.

A Covid veio agravar a miséria e carestia, ao mesmo tempo em que uma onda de seqüestros se espalhou pelo país. “O descontentamento está em toda parte”, afirmaram os religiosos, acrescentando que “o cotidiano das pessoas é morte, assassinatos, impunidade, insegurança”.

A carta aberta também repudiou o que chamou de “tópicos afrontosos”, tais como “estabelecer um Conselho Eleitoral Provisório e escrever outra constituição”. “Devemos aceitar ou tolerar isso?”, questionaram, assinalando que o país está se tornando “inabitável”.

Dizendo-se “ameaçado” por um “golpe”, Moise ordenou várias prisões, entre elas a de um juiz da Suprema Corte e um ex-chefe de polícia.

A proposta da oposição é criar uma “comissão de transição” à qual caberá nomear um “presidente interino” entre os membros da Suprema Corte, com a missão de organizar eleições em dois anos.

A Ordem dos Advogados do Haiti (FBH) deu o golpe final nas pretensões de Moise, ao lembrar que, pela interpretação da constituição que ele usou para dar por encerrados os mandatos dos parlamentares em janeiro do ano passado, o mesmo se aplica agora a ele.

Como ironizou o portal Haiti-Liberté, a Ordem dos Advogados reiterou o velho princípio jurídico de “o que é bom para o ganso também é bom para o ganseiro”. E, portanto, o mandato de Moise acabou e o conselho eleitoral provisório nomeado unilateralmente por ele “não tem legitimidade para organizar o próximo calendário eleitoral.”

Moise também é conhecido como o ‘Homem Banana’, por ser dono de uma empresa, a Agritans, que produz a fruta. Apesar de produzir bananas, a Agritans recebeu mais de 32 milhões para construir uma estrada – que não ficou pronta – no escândalo ‘Petrocaribe’.

Conforme o Tribunal de Contas haitiano, além de Moise, locupletaram-se na corrupção todos os seis ex-primeiros-ministros desde a derrubada do presidente Jean-Bertrand Aristide.

A oposição e as lideranças civis também repudiaram manifestação, feita por um porta-voz do Departamento de Estado, em apoio à continuidade de Moise, exigindo que Washington “respeite a soberania do Haiti”.

Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos [jocosamente chamada em alguns círculos de Organização dos Escravos Americanos], também expressou endosso ao notório corrupto.

Em entrevista à RT, o sociólogo Lautaro Rivara denunciou essa ingerência, que considerou um “sinal verde” para que “um governo totalmente irregular, inconstitucional e autoritário se transforme em uma ditadura, um governo de fato”.

Segundo Rivara, o Haiti está vendo “um governo que busca concentrar todo o poder”, o que fica evidente nos decretos do ano passado, que buscam criminalizar os protestos sociais, com o objetivo de desmobilizar todos os setores que o têm protestado ininterruptamente desde meados de 2018.

“Todas as forças da nação, todos os setores sociais organizados, a oposição política e parlamentar há muito exigem a renúncia do presidente”, ressaltou o sociólogo, para quem estão reunidas as condições para uma “mudança profunda”.

O que se vê no Haiti – destacou – “são as consequências, não só de um governo autoritário, mas de mais de três décadas ininterruptas de políticas neoliberais, que colocaram o país no limiar da pobreza e de desigualdade nunca vista antes”.

O que foi agravado em 2004, com o sequestro, por forças especiais norte-americanas, do presidente legítimo Aristide, ato cometido em apoio a mais uma tentativa de golpe de parte dos remanescentes do regime de Duvalier/Baby Doc – o sangrento regime que por 30 anos afligiu o país, com as bênçãos de Washington.

O que abriu uma crise que perdura até hoje, e serviu de ensejo para a intervenção sob égide da ONU, a que se somou a devastação trazida pelo terrível terremoto.

A intervenção dos EUA no Haiti começou no início do século passado, com os marines invadindo e ocupando o país por mais de uma década para atender a bancos norte-americanos.

Segundo país do continente a conquistar a independência, numa revolta de escravos, depois de 60 anos de bloqueio o Haiti teve de se submeter ao pagamento à França de uma extorsiva indenização, que devastou suas possibilidade de desenvolvimento já no início da formação da nação.