Greek Prime Minister Alexis Tsipras speaks during a meeting of his Syriza party in Athens on February 11, 2017. Greek Prime Minister Alexis Tsipras on February 11, 2017 warned the International Monetary Fund and German Finance Minister Wolfgang Schaeuble to "stop playing with fire" in the handling of his country's debt. / AFP PHOTO / Angelos Tzortzinis

Nas eleições de domingo (7), o povo grego pôs fim ao governo de Aléxis Tsipras, que se elegera em 2015 prometendo enfrentar o arrocho da Troika e até encenou um referendo, cujo rotundo “não” dado por 62% dos votantes foi imediatamente traído, com adesão instantânea ao austericídio, depois da ameaça do então ministro das Finanças alemão de expulsar a Grécia do euro. Volta ao poder a Nova Democracia (ND) – a direita grega tradicional -, e o ex-banqueiro Kyriakos Mitsotakis tomou posse nesta segunda-feira (8) como primeiro-ministro.

A ND granjeou votos ao encabeçar a rejeição ao impopular acordo com a Macedônia ex-iugoslava para mudança de nome e ao prometer reativar a economia com “menos impostos”, “empregos com bons salários” e “estado eficiente”. Cortejou os xenófobos com a pregação do voto útil anti-imigração.

Em suma, entre os neoliberais fantasiados de esquerda que cumpriram nos últimos anos o papel de denodados feitores da Troika, e os neoliberais de carteirinha, mas sem culpa direta nos últimos quatro anos, os eleitores acabaram ficando com os originais – por enquanto.

Com 42%, a abstenção foi a maior desde a redemocratização, há 45 anos, depois da sangrenta ditadura de 1967-1974 da “junta dos coronéis” apoiada pela CIA.

A derrota de Tsipras já era esperada desde as eleições de maio locais e para o parlamento europeu, em que o Syriza afundara e a ND vencera em 11 das 13 regiões e conquistara a prefeitura de Atenas. Tsipras tentara reduzir o dano, antecipando as eleições para o auge do verão, o que não acontecia desde 1928.

O PIB da Grécia chegou a cair 25%, salários e pensões foram drasticamente cortados e quase tudo foi privatizado, até o Porto de Pireus, sob os pacotes de maldades da Troika – Comissão Europeia/Banco Central Europeu/FMI -, para salvar bancos alemães e franceses e fundos norte-americanos pendurados nos títulos podres da dívida grega.

O triplo “resgate” de 280 bilhões de euros ficou pelo caminho, indo direto para os cofres dos bancos estrangeiros alquebrados, enquanto para o povo grego ficava a conta amarga e a dívida impagável, agora de inacreditáveis 181% do PIB.

Filho do ex-primeiro-ministro Konstantinos Mitsotakis, o novo chefe de governo grego é irmão da ex-prefeita de Atenas e ex-chanceler, Dora Bakoyannis, e tio do novo prefeito da capital, Costas Bakoyannis. A dinastia voltou. Entre 2012-2014, ele fizera parte do governo pró-Troika de Antonis Samaras (o que Tsipras vencera), como ministro da Reforma Administrativa, com a incumbência de demitir 15 mil servidores públicos.

NEONAZISTAS FORA

A ND recebeu 39,7% dos votos, enquanto o Syriza ficou com 31,6%. A social-democracia tradicional, mesmo mudando de nome de Pasok para Kinal (Movimento pela Mudança), mal chegou aos 7,9%. O que é revelador de que segue torrada por ter sido o instrumento para desencadear o complô dos bancos para pilhar a Grécia e o primeiro algoz a serviço da Troika.

Os neonazistas da Aurora Dourada, que chegaram a ser a terceira maior bancada, com 18 deputados no parlamento anterior, vários deles processados pelo envolvimento no assassinato de um músico antifascista e agressões a imigrantes e ativistas progressistas, não conseguiram ultrapassar a cláusula de barreira de 3%. Mas o ultraconservador Solução Grega (SG), que advoga pena de morte para traficantes de drogas e pedófilos, passou, com 3,8%.

O Partido Comunista Grego (KKE), radicalmente contra a austeridade, euro e Otan, e pelo socialismo, e que desde o início alertou o povo sobre Tsipras, obteve 5,4%.

O DiEM25, o novo partido do ex-ministro das Finanças de Tsipras, e que rompeu com ele por sua rendição à Troika e traição ao referendo, Yanis Varoufakis, obteve 3,5% dos votos.

Ficou marcado o voto de protesto: a juventude, que sufragara em massa o Syriza em 2015 na proporção de 3 para 1, se dividiu agora entre a suposta esquerda radical e a ND. Mesmo deslocamento entre os aposentados, que desta vez votaram 46,4% na ND, contra apenas 25,5% no Syriza.

Como ainda está válido nesta eleição o bônus de 50 deputados para o partido vencedor, a ND terá maioria absoluta, 158 deputados, e vai virar vidraça já, já. O Syriza terá 86, seguido do Kinal, com 22, KKE, com 15, Solução Grega, com 10, e o partido de Varoufakis, com nove.

Apesar de formalmente encerrado o processo de “resgate”, o povo grego segue sendo o prisioneiro mais seviciado da prisão de povos em que a União Europeia se tornou, sob o marco alemão travestido de euro.

A Troika disse no ano passado que se foi, mas o arrocho terá de continuar até 2060, já que foi exigida da Grécia uma meta de superávit primário de 3,5% da renda nacional até 2022, e de 2,2% dali até 2060.

O que implica no pagamento impossível de 60% das receitas de impostos de 2023 a 2060, a “austeridade até o infinito”, na definição do ex-ministro Varoufakis, e na “servidão da dívida”.

Metade da juventude grega continua desempregada e centenas de milhares deixaram o país em busca de trabalho. Metade dos gregos com idade entre 18 e 35 anos continua dependente de ajuda financeira dos pais e avós.

O desemprego geral caiu de 23% para 18%, em grande parte, apelando para biscates, mas segue o maior do bloco europeu. Um trabalhador grego em cada três só consegue trabalho em tempo parcial, pela metade (317 euros) do salário mínimo oficial. 34,8% da população grega vive na pobreza segundo a agência de estatística europeia, Eurostat.

THEODORAKIS

A hecatombe vivida nesses longos anos pelos gregos foi mostrada em manifesto contra a Troika de 2012 do genial compositor Mikis Theodorakis, herói da resistência e ex-torturado da Gestapo, em que registrou que “milhares de pessoas que tinham uma boa posição até recentemente agora procuram comida nas latas de lixo e dormem nas calçadas” e lembrou que a “última vez que tivemos uma situação de fome generalizada no nosso país foi no início da ocupação alemã em 1941”. Então, quase 473 mil empresas gregas já tinham sido levadas à falência.

Nessa situação desesperadora, o povo grego legou a Tsipras o comando da luta por sua superação, e aplaudiu no discurso da vitória de 2015 sua declaração de que a Grécia “deixa para trás a austeridade catastrófica, deixa para trás o medo e o autoritarismo, deixa para trás cinco anos de humilhação e angústia”.

Foi abjetamente traído, com a rendição de Tsipras ao infame terceiro memorando. Numa entrevista à revista Jacobin, Varoufakis narrou a noite de terror da vitória do referendo contra a Troika, no palácio de governo, quando era máximo o apoio popular à decisão de resistir: “eles estavam se abraçando e chorando nos braços um do outro. Era como a sensação de perda após um grande desastre natural, exceto que era ainda pior porque não era um desastre natural, mas uma derrota imposta pelo líder do Syriza, a quem eles adoravam”.

É também lapidar sua análise do que se sucedeu. A razão da perda da “janela de oportunidade” para barrar a bancarrota grega em curso não se deveu, como observou, ao “tratamento da Troika à Grécia”. “Não devemos culpar nossos inimigos por nossas derrotas, assim como não culpamos o escorpião por nos atormentar – isso está em sua natureza”, assinalou. “A culpa recai sobre aqueles que decidiram negociar a agenda anti-austeridade na qual foram eleitos em troca de alguns anos no poder – ao mesmo tempo em que tiveram suas costas afagadas pelo inimigo”.

ODISSEIA

Os poucos meses de alívio ao achaque foram substituídos pela mais cínica adesão à cartilha da Troika. Aposentadorias e salários foram brutalmente arrochados. O corte de direitos trabalhistas chegou ao ponto de aumentar o quorum de decretação de greve de um terço – já arbitrário – para 50% do total de trabalhadores. O despejo das famílias inadimplentes foi liberado. O imposto sobre valor agregado (IVA), quase duplicou, para até 23%. As privatizações conseguiam ser mais indecentes do que as feitas antes pela ND e o Pasok.

No ano passado, Tsipras voltou a insultar a inteligência do povo, dizendo que os memorandos tinham acabado, era o “fim de uma Odisséia dos tempos modernos”, e que começava a recuperação econômica. No primeiro trimestre de 2019, a economia se arrastou a 0,3%. Pelas projeções mais otimistas, o PIB grego terá que esperar até 2033 para recuperar seu nível de 2009, ou seja, o anterior à crise. Um quarto de século perdido.

Após o fiasco de maio nas urnas, o camaleão do Syriza, na tentativa de reverter a cólera popular, decretou um aumento de 11% no salário mínimo, restabeleceu a negociação coletiva que cassara e, na campanha, jurou que iria criar “meio milhão de empregos” e reduzir o imposto de renda.

Um dirigente do novo partido oposicionista DiEM25, o escritor David Adler, analisou o voto de agora na ND como um esforço dos eleitores “para resolverem essa dissonância – para sentir um retorno à realidade, por mais dura que fosse, diante da celebração circense de Tsipras de uma recuperação econômica inexistente”.

É de Adler também o registro da memorável declaração de Tsipras ao Financial Times, a bíblia britânica do neoliberalismo: “As reformas são como uma bicicleta. Se você não as fizer, você cai.”

Também a corrupção passou batida sob o governo de Tsipras – a dos velhos oligarcas, a dos novos favoritos e a das corporações estrangeiras, como a Siemens, que tinha um departamento de propinas para garantir que a Grécia fizesse as compras certas.

A auditoria da dívida ficou para as calendas, para não incomodar Herr Schäuble, o chefe alemão do garrote vil contra a Grécia.

Ficou inexplicada a estranha operação desencadeada em 2009 pelo recém eleito governo do Pasok, em que o déficit grego foi artificialmente expandido de 12% para 15%. Maior que o da Irlanda, de 14%, e, portanto, declarado elo fraco da dívida pública europeia. O que desencadeou o ataque dos especuladores contra a dívida soberana, jogando o risco na estratosfera e inviabilizando sua rolagem, até à Grécia ir ao chão.

Também falta saber qual foi o papel do Goldman Sachs em tudo isso, já que foi a ‘instituição’ financeira que ajudou o governo conservador grego a fazer as manipulações contábeis – como os demais países europeus estavam fazendo, aliás – para caber nas normas de ingresso na União Europeia. E, curiosamente, também a que forneceu subsídios para a investida dos especuladores.

40 ANOS EM 4

Um comentarista político observou que as piores deformidades políticas que a ND e o Pasok tinham levado décadas para desenvolver e aperfeiçoar, o Syriza conseguiu aprender a cometer em quatro anos.

Como convocar um referendo na expectativa de perder e servir de biombo para sua traição. Seu ministro Varoufakis, até o último minuto, acreditava em um plano B e na possibilidade de resistir para abrir negociação para cancelamento de pelo menos parte da dívida impagável – sem o que, não haveria como sair da bancarrota e da crise.

O ignóbil terceiro memorando, considerado a cereja do bolo dos pacotes antipovo. A concessão dos aeroportos aos alemães e dos portos aos chineses.

O acordo sobre o nome com a Macedônia ex-iugoslava, que ele assinou contra a vontade popular, apenas para atender às ordens da Otan para viabilizar a anexação da república ex-iugoslava, cuja adesão dependia do fim do veto grego.

A construção, sob ordens de Berlim e de Bruxelas, de uma rede de campos de concentração que servisse de dique para conter os refugiados do Oriente Médio em fuga das guerras imperialistas na Síria e no Iraque, onde faltavam médicos, remédios e até água potável.

A deriva de Tsipras o levou a vender armas ao príncipe saudita MBS para seu genocídio no Iêmen, a comprar jatos de guerra de Trump e a trocar gentilezas com o primeiro-ministro do apartheid, Benjamin Netanyahu.

Mas há quem veja mérito em toda essa trajetória, como o líder do Podemos, Pablo Iglesias, que enviou mensagem de consolo a Tsipras por ter “a coragem de governar com todas as potências gregas e européias contra ele.” Acrescentou ainda: “aqueles que nunca tentam nunca correrão o risco de errar. Nós não tomamos Manhattan, mas você foi digno e corajoso”.

Em centenas de greves, manifestações e bloqueios de estradas e portos nesses quatro anos, a população grega expressou outro tipo de sentimento sobre a “audácia” de Tsipras.

Este disse aceitar “o veredicto do povo”, de “cabeça erguida”. Excedendo-se em farisaísmo, asseverou que “para trazer a Grécia para onde ela está hoje tivemos que tomar decisões difíceis a um alto custo político”.

Já a mensagem de felicitações do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, ao novo primeiro-ministro Mitsotakis, parece coisa de sádico: “muito foi alcançado. Mas muito ainda precisa ser feito”. Pelo que foi assinado por Tsipras, o garrote vil – aliás, “a supervisão enfática” – está marcado para durar pelos próximos 42 anos, com os bancos podendo vetar leis gregas que considerem incompatíveis com o pagamento da dívida.