Governo quer retirar dinheiro das prefeituras para privatizar creches
Após ter a proposta descartada na discussão do Fundeb, o governo Jair Bolsonaro tenta mais uma vez aprovar o “voucher” para reservar vagas em creches particulares. Desta vez, a proposta foi incluída na MP (Medida Provisória) do novo Bolsa Família com o nome de “Auxílio Criança Cidadã”.
A medida, contudo, retira recursos destinados às prefeituras para o investimento na educação infantil para permitir a compra das vagas particulares.
A MP de Bolsonaro revoga o trecho da lei que criou o programa “Brasil Carinhoso”, que obriga a União a repassar aos municípios uma ajuda financeira adicional para vagas em creches e desenvolvimento educacional de crianças de zero a dois anos de idade que sejam de famílias beneficiárias de programas sociais, como o Bolsa Família.
Na mesma proposta, que cria o Auxílio Brasil, Bolsonaro quer que sejam feitos repasses de dinheiro público diretamente para creches particulares credenciadas pelo governo.
A proposta não prevê valores para o voucher, chamado de Auxílio Criança Cidadã, e estabelece que o governo fará regulamentação do programa posteriormente. Caberá ao Ministério da Cidadania definir as regras de implementação de acordo com a disponibilidade orçamentária. O voucher será pago diretamente às creches habilitadas e poderá ser usado por beneficiários do Auxílio Brasil com filhos de até quatro anos. A medida não afeta o auxílio-creche ao qual trabalhadores do setor privado têm direito.
A concessão do benefício do programa social é condicionada à inexistência de vaga na rede pública ou em creche privada conveniada ao governo. A vaga só será disponibilizada se o responsável pela criança comprovar ampliação de renda por atividade remunerada ou vínculo formal de emprego.
A MP afirma que esse auxílio tem caráter suplementar e não afasta a obrigação de o governo oferecer atendimento e expansão de creches na rede pública de ensino.
No Brasil Carinhoso, o governo federal repassa os recursos diretamente aos municípios. As transferências aos entes, que ultrapassaram R$ 1 bilhão em 2014, em valor corrigido pela inflação, foram diminuindo ano a ano e somaram cerca de R$ 8 milhões em 2020.
Com a edição da MP, esses repasses serão extintos integralmente.
O Ministério da Cidadania, responsável pelos programas sociais, não quis comentar o fim do mecanismo e também não respondeu se a medida foi adotada para compensar e viabilizar recursos para o voucher pago direto a creches, que, como reforçou a pasta, ainda será detalhado em regulamentação.
A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) diz que o corte na verba para as prefeituras é um retrocesso, pois as transferências estimulavam gestores municipais a abrirem creches em áreas mais pobres.
O presidente da Undime, Luiz Miguel Martins Garcia, afirma que a principal fonte de recursos para a educação infantil nos municípios é o Fundo para a educação básica (Fundeb), que ganhará mais verba da União para os próximos anos.
No entanto, o dinheiro do Brasil Carinhoso é visto como um complemento importante por ser focado na população mais vulnerável. “São crianças que precisam de apoio complementar, até mesmo na alimentação. Esses repasses serviam como incentivo para ampliar a oferta de vagas e sobretudo construir novas creches nas áreas mais carentes”, diz.
Na avaliação da presidente do conselho do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Anna Helena Altenfelder, o mecanismo do voucher é ineficiente e acirra desigualdades. Segundo ela, o sistema é usado no Chile e não gera bons resultados.
“As famílias que conseguem complementar esse voucher colocam o filho nas melhores escolas, e quem não consegue acaba ficando com escolas de pior qualidade ou escolas públicas, que, por causa dessa política de vouchers, acabam não sendo foco das políticas necessárias e são de menor qualidade”, afirma.
Para a professora, é errada a ideia de que o ensino privado sempre será melhor do que o público. Ainda assim, ela afirma que, considerando a criação dos vouchers no Brasil, para evitar conflitos de interesse, esse tipo de vale deveria ser liberado apenas para estabelecimentos comunitários ou filantrópicos, sem fins lucrativos.