Os governadores e o professor da USP, Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobrás, desmascararam na última semana, os primeiros com a carta assinada por 23 executivos estaduais, além do Distrito Federal, e o segundo, em entrevista ao HP, a demagogia de Bolsonaro de tentar culpar o ICMS e os governadores pela elevação dos preços da gasolina. Bolsonaro insiste em manter os benefícios às multinacionais ao não alterar a política de atrelamento automático dos preços dos combustíveis ao mercado internacional e ao dólar e, agora, mente para tentar jogar a população contra os governadores.
PREÇOS VÊM SUBINDO
Essa política de preço vinculada ao mercado internacional surgiu no final dos anos 90. Depois ela prosseguiu nos governos Lula e Dilma. Desde que Dilma manteve esta vinculação e retirou a Petrobrás da função de subsidiar a diferença, em outubro de 2014, os preços dos combustíveis dispararam no Brasil. Sua manutenção no governo Temer levou ao caos e à greve geral dos caminhoneiros, em 2018.
Ao mesmo tempo que manteve dolarizado o preço da gasolina, o governo Bolsonaro intensificou a chamada “desregulamentação” do setor de combustíveis no Brasil. Ou seja, implantou a lei da selva na distribuição e vendas de combustíveis. Não há mais nenhum controle dos preços que são cobrados pelas distribuidoras e postos de gasolina. É o chamado “livre mercado”, ou melhor, a “livre exploração” do consumidor pelo cartel da gasolina.
Bolsonaro finge reclamar dos preços para achacar os governadores e a população brasileira. Acabar com o ICMS, como ele quer, é fechar escolas, hospitais, cortar investimentos, etc. Ele diz que, quando a Petrobrás reduz o preço da gasolina nas suas refinarias, essa redução não chega nos postos. E mente ao dizer que a culpa disso é dos governadores.
ATRAVESSADORES NÃO REPASSAM QUEDAS E AUMENTAM LUCROS
O que ele está fazendo é desviar a atenção da sociedade para os atravessadores privados que são exatamente os que não repassam os preços ao consumidor.
É também uma tentativa de tirar o corpo fora das consequências de sua insistência em manter a política irresponsável de preços atrelados ao mercado internacional, uma política que sacrifica os brasileiros e só beneficia as grandes multinacionais, os importadores e os acionistas privados da Petrobrás. O Brasil tem suas refinarias e não tem porque manter esta forma irresponsável de definir os preços da gasolina.
O governo Bolsonaro vendeu a BR Distribuidora e contribuiu para a cartelização do setor de distribuição, que já é dominado por grandes grupos privados. O mercado hoje é controlado por três empresas: a BR Distribuidora, que foi privatizada por Bolsonaro, e que ainda está com o controlador oculto pela pulverização de ações, o grupo Ipiranga e a Raízen, uma fachada da multinacional inglesa Shell.
Antes ainda havia uma empresa pública, a BR, que podia impedir a formação de cartel ou atenuar a sua ganância. Agora, com a venda da BR, o cartel está com o caminho livre para extorquir à vontade a população. O modus operandi do cartel é a combinação de preços e a morte da concorrência. E, com o salve-se quem puder da “desregulamentação”, os preços vão continuar a subir.
Não são os governadores, mas sim esses setores cartelizados e desregulados, hegemonizados por multinacionais, que aumentam seus lucros ao se recusarem a repassar ao consumidor as reduções de preço nas refinarias da Petrobrás. Quando culpa os governadores, Bolsonaro está protegendo e acobertando esses grupos que afrontam o país e embolsam a diferença dos preços.
ICMS NÃO INTERFERE NA VARIAÇÃO DOS PREÇOS
A alíquota do ICMS é um percentual fixo de 29% que incide sobre o preço da gasolina cobrado pelas distribuidoras. Por isso ele não interfere na variação dos preços dos combustíveis. Desde que se iniciou a política de preços atrelados ao mercado internacional – que Bolsonaro insiste em manter – e desde que houve a desregulamentação do setor, os preços dos combustíveis vêm subindo sistematicamente.
São as distribuidoras e postos, e não os governadores, que não repassam as quedas nas refinarias – quando ocorrem – para o consumidor final.
A gasolina que sai da refinaria é misturada, por determinação legal, ao etanol, na proporção de 73% de gasolina e 27% de etanol. Os produtores de etanol ganham 14% do preço da gasolina na distribuidora. A Petrobrás fica com 29% do preço e a União, através da cobrança da Confins, PIS e a CIDE, recebe 15% do preço do litro. Os estados e municípios recebem 29% e as distribuidoras e postos de gasolina ficam com 13% entre custos operacionais e lucros (vide tabela).
As elevações frequentes dos preços da gasolina estão relacionadas principalmente com a variação do dólar e as oscilações do preço do barril de petróleo no mercado internacional. Foi exatamente essa “loucura” que estrangulou o país em 2018 e levou à greve dos caminhoneiros.
PETROBRÁS SUBSIDIOU E TEVE PREJUÍZOS
Nos governos Lula e Dilma Rousseff, a Petrobrás foi usada para amortecer as variações de preços (gráfico abaixo). A estatal repassava com defasagem as variações da cotação internacional do petróleo aos combustíveis vendidos no mercado interno. Com isso, a Petrobrás era obrigada a importar derivados a preços altos no exterior e vender às distribuidoras privadas – suas concorrentes – e aos consumidores a preço mais baixo. Essa política gerou prejuízos para a companhia.
A resposta que veio depois foi a vinculação incondicional, e sem nenhuma regulação, dos preços internos ao mercado internacional. Essa mudança teve início em 2014, ainda no governo Dilma. Temer a manteve e levou o país ao caos e à greve dos caminhoneiros. Bolsonaro assumiu e não mudou nada e ainda vendeu a BR. Agora ele quer jogar a culpa das elevações dos preços da gasolina nos estados e municípios, atacando o ICMS.
Em 2016, Michel Temer, pressionado pela greve de caminhoneiros que causou uma crise de desabastecimento sem precedentes na história brasileira, criou um subsídio ao diesel, reduzindo as alíquotas de PIS/Cofins e zerando a Cide sobre o combustível. Ele reduziu os impostos para não alterar a política de preços, ou seja a política de atrelamento ao dólar. O Tesouro gastou bilhões com a medida, que vigorou até o fim de 2018, sem resolver o problema. Paulo Guedes não só manteve a política de preços que beneficia as grandes empresas e arranca o couro da população, como retornou com a cobrança dos impostos federais.
A CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) foi criada em 2001 para tentar equalizar internamente as variações dos preços internacionais do petróleo. Nunca funcionou dessa forma. Ela foi concebida justamente para funcionar como um instrumento flexível para acomodar flutuações de preços e atenuar a transmissão da volatilidade ao consumidor.
A ideia, segundo o professor Ildo Sauer, era a criação de um fundo de compensação, que seria abastecido com recursos da CIDE – contribuição incidente sobre combustíveis. A contribuição foi concebida justamente para funcionar como um instrumento flexível para acomodar flutuações de preços e atenuar a transmissão da volatilidade ao consumidor.
Segundo Ildo Sauer, “isso nunca aconteceu”. “E não é o que está acontecendo hoje no Brasil, fruto da ação da área econômica do governo e de lobistas de todos os tipos que embolsam boa parte dos ganhos com a comercialização dos combustíveis”, denunciou o professor, acrescentando que, dessa forma, “quem acaba sofrendo mais é a população em geral e os usuários de automóveis, em particular”.
VENDA DAS REFINARIAS VAI PIORAR SITUAÇÃO, DIZ ILDO SAUER
O professor Ildo Sauer advertiu, na entrevista que nos deu na quarta-feira (05), que a situação dos preços dos combustíveis no Brasil vai piorar ainda mais quando Bolsonaro entregar para as multinacionais as refinarias da Petrobrás, como é sua intenção e de seu ministro da Economia, o fraudador de fundos de pensão, Paulo Guedes. “Haverá uma cartelização ainda maior do setor”, diz Sauer. “Depois de vender a BR Distribuidora e se desfazer das refinarias, não haverá nem a possibilidade da estatal do petróleo intervir no mercado para regular preços”, denunciou.
Preço do petróleo está em queda após conflito EUA-Irã
Na carta que divulgaram na quarta-feira, os governadores criticaram os ataques de Bolsonaro ao ICMS e cobraram do Planalto a mudança da política de atrelamento dos preços dos combustíveis ao mercado internacional. “Não adianta querer jogar a população contra os governadores, porque, nesse debate, eu falo sempre para os governadores: nós vamos vencer”, disse o governador de Brasília, Ibaneis Rocha (MDB).
“O governo federal estará cometendo um erro, caso envie o projeto para zerar o ICMS sem consenso com os estados”, apontou Ibaneis. Do ponto de vista de Ibaneis, que é advogado, a iniciativa, nas condições atuais, seria “facilmente” derrubada no Supremo Tribunal Federal (STF), porque quebra o pacto federativo.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) também considera pouco séria a proposta de Bolsonaro de zerar impostos. Ele disse que não há espaço para diminuir arrecadação no país.
“Eu conversei com dois, três governadores hoje e disse a eles que eles têm que aceitar a proposta (de Bolsonaro). Reduzir a tributação dos impostos federais vai representar uma redução de arrecadação da ordem de R$ 48 bilhões […] Onde é que o governo vai compensar esse valor? Não têm, é inviável. O governo federal não tem margem para reduzir despesas, porque se você vai reduzir uma receita, você tem que cortar uma despesa”, ponderou Maia.
Os governadores também exigiram que a discussão seja feita de forma séria e sem demagogia. Não aceitam ficar discutindo pelo Twitter, como quer Bolsonaro. O embate está só começando.