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Enquanto o país passa por uma das maiores crises da história, o governo federal mantém travados ilegalmente R$ 5 bilhões que deveriam ser usados para financiar projetos de ciência e tecnologia – incluindo pesquisas relacionadas à Covid-19.

O recurso faz parte do Fundo de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT), o maior e mais importante fundo de fomento à área. Por diversos anos, parte de seus recursos estavam indo parar em uma “reserva de contingência”, isto é, guardado para fazer caixa para que o governo atingisse suas metas de resultado primário. Em meio à pandemia, entidades do setor passaram a pressionar o setor público e os parlamentares para que, na votação do Orçamento de 2021, o fundo fosse excluído da reserva de contingência e fosse de fato destinado para a pesquisa, ciência e tecnologia. O movimento resultou na aprovação de uma lei (Lei Complementar 177) que proibiu o Executivo de contingenciar a verba. Em abril, porém, Bolsonaro ignorou a nova lei e sancionou o Orçamento com os R$ 5 bilhões retidos.

“Se nós olharmos para a cronologia, este item do Orçamento (os R$ 5 bilhões em reserva de contingência) é ilegal. E o Executivo vai ter de resolver ao longo do ano. Se a pergunta é se tem crime de responsabilidade (por parte do presidente da República), isso é algo que envolve um juízo político. Mas, do ponto de vista técnico, existe uma ilegalidade nesta rubrica orçamentária, e o governo vem sinalizando que vai tentar resolver ao longo do exercício financeiro”, disse ao Estadão o consultor de Orçamento do Senado Federal, Leonardo Ribeiro.

O economista e Fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, também aponta o bloqueio do fundo como uma ação ilegal. A manobra que permitiu que a verba continue travada – mesmo após a aprovação da lei e derrubada do veto de Bolsonaro sobre o tema – foi realizada pelo Ministério da Economia, que solicitou que os recursos sejam direcionados a outras áreas.

“O (Ministério da) Economia tem de explicar como fará, porque da forma como está é ilegal. Até porque o Orçamento foi sancionado depois da lei”, diz o economista. “Num momento em que tanto se fala sobre a importância da ciência, o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia é o pior dos últimos anos. E a liberação dos recursos do fundo, sobre a qual havia grande expectativa, acabou não acontecendo. Pelo menos até agora”, disse ele.

Dois projetos de lei enviados pelo governo ao Congresso (PLNs 06 e 08 de 2021) preveem a liberação parcial do dinheiro – no total de R$ 2,3 bilhões. A maior parte da verba (R$ 1,88 bilhão), contudo, foi alocada para o financiamento de projetos de desenvolvimento tecnológico de empresas privadas. O restante, apenas uma ninharia de R$ 415 milhões, vai para testes clínicos de vacinas nacionais contra a Covid-19.

“O PLN foi aprovado do jeito que o ministro da Economia queria. E não aceitaram nenhuma de nossas solicitações. É um absurdo, porque o próprio Congresso não se empenha para o cumprimento da LC 177 que ele mesmo aprovou, com grande maioria, dois meses atrás, extinguindo a Reserva de Contingência do FNDCT”, comenta Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Mesmo se o dinheiro do FNDTC for liberado, os recursos destinados para a Ciência e Tecnologia este ano – incluindo o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia – configuram uma “tragédia”, segundo entidades da área. O orçamento do Ministério será, por exemplo, o menor dos últimos cinco anos, em valores corrigidos.

“Na contramão de todos os países que aumentaram os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e em plena pandemia de covid-19, o governo apontou cortes em quase todas as atividades ligadas ao setor”, diz a SBPC.

Além dos R$ 5 bilhões da reserva de contingência do FNDTC, o Ministério teve R$ 373 milhões congelados – isto é, recursos que estão retidos no momento, mas que podem ser liberados ao longo do ano se assim decidir o Ministério da Economia.

“O sistema nacional de ciência e tecnologia, consolidado nas últimas décadas, está em vias de colapso. Os sucessivos cortes orçamentários precarizam universidades e institutos de pesquisa, afetando seriamente a pesquisa realizada nessas instituições e a formação adequada de profissionais. O investimento escasso prejudica a inovação e a recuperação da economia”, denuncia a SBPC.