Governo exclui indústria nacional de licitação de lanchas da PF
O governo federal excluiu a indústria nacional de licitação para compra de novas lanchas da Polícia Federal (PF). A PF abriu duas licitações para a compra de novas lanchas, no valor de R$ 326,7 milhões, com uma especificação que garante que apenas as empresas estrangeiras Zodiac, da França, e a Safeboats, norte-americana, participem do certame.
Representantes de empresas brasileiras criticam a exclusão da Indústria Nacional de Defesa e Segurança dos editais, já que a legislação brasileira prevê o fomento aos modelos nacionais, que já são usados pela a própria PF, além de órgãos como a Marinha.
Ao comentar a especificação que direciona o certame para empresas estrangeiras, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), Roberto Gallo, lamentou a decisão. “Infelizmente observamos sistematicamente políticas públicas e orientações estratégicas serem não observadas nas compras de segurança pública. O poder de compra do Estado é fundamental para a garantia da soberania, manutenção e empregos e, a médio e longo prazos, a garantia de que os preços pagos pelo erário serão justos”, destacou Gallo, em reportagem da Folha S.P.
Uma das licitações, cujo certame estava marcado para o dia 1º de dezembro, mas foi adiada, prevê a aquisição de 23 lanchas de patrulha blindadas com preço unitário de até R$ 8.089.412. A outra, cujo a análise é nesta quarta (2), busca 45 barcos para serem entregues à Superintendência da PF em Foz do Iguaçu a um preço máximo de R$ 3.125.280 cada.
Nos dois editais, é especificado que os transportes náuticos precisam ter tubos de flutuação removíveis – uma espécie de colar em torno do casco, ajudando a dar estabilidade à embarcação em curvas acentuadas e proteção contra choques – que apenas as fabricantes francesas Zodiac e americana Safeboats têm tecnologias para tal especificação.
O argumento para isto, é que se em caso de avarias na peça, o barco não precisaria ser inteiramente rebocado para o conserto. No entanto, especialistas deste mercado afirmam não ser necessário tal requisito, e que o preço de substituição destas peças importadas chegaria a quase meio milhão de reais, R$ 500 mil.
Modelos nacionais poderiam participar tranquilamente dos certames, já que os tubos de flutuação brasileiros, que são fixos, são praticamente inquebráveis, afirma um oficial da Força Naval. O militar diz que há três modelos da francesa Sillinger em operação pela PF que, na avaliação do oficial, têm se mostrado de manutenção complexa.
Transportes náuticos da DGS Defense, por exemplo, usam tubo de flutuação fixo que, em mais de uma década de operação pela Marinha, PF e outros órgãos, não apresentaram problemas registrados.
A Marinha tem 64 barcos da DGS Defense, que está com um de seus modelos sob análise para compra pelas Forças Armadas dos EUA. Outras empresas brasileiras, Stark (que tem participação da DGS) e a Defender, têm modelos de tubos de flutuação fixo.
Questionada, a direção da PF respondeu de forma genérica que “a licitação se tornou internacional para permitir a participação de empresas estrangeiras, não havendo qualquer impedimento para brasileiras”, afirmou o órgão.
O descaso de Bolsonaro com a indústria nacional não é de hoje. Em agosto deste ano, diante da notícia de que o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) estaria enviando uma missão aos Estados Unidos para abertura de um escritório em Washington voltado para compra de equipamentos de segurança pública, armas, munições, uniformes e veículos de transporte, a Abimde soltou uma nota de repúdio à iniciativa.
“A Base Industrial de Defesa do (BID), preterida neste suposto ato do MJSP, é estratégica e vital para a soberania nacional pois a extrema dependência de armas e equipamentos importados sujeitaria o Brasil à boa vontade de países estrangeiros”, afirmou a Abimde.
“Vimos recentemente quão nociva é este tipo de dependência externa na recente crise da Covid-19, quando faltaram máscaras, EPIs e respiradores para a área da saúde. Imagine o caos que seria, quando o que está em jogo é a defesa das nossas fronteiras e o combate à criminalidade”, alertou a entidade. “Há que se considerar também que 1,1 milhão de empregos são gerados direta e indiretamente pela BID, movimentando mais R$ 8 bilhões no Brasil e exportando mais de 900 milhões de dólares anualmente”, destacou a entidade.
Pelas regras atuais no Brasil, a indústria nacional de defesa tem preferência frente aos fabricantes estrangeiros, em caso de oferecerem produtos similares. Em Washington, esta regra não valeria. O anúncio gerou um mal-estar tanto para a indústria nacional como para as Forças Armadas.
Também neste ano, Bolsonaro tirou do Exército o monopólio da testagem de produtos controlado de Defesa, mas não há laboratórios privados no país que façam tal testagem. Além disto, os estrangeiros ganharam uma moratória de dois anos para vender ao país sem passar por testes que são compulsórios aos fabricantes nacionais.