Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe

O ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) entre 2005 e 2012, o cientista da computação Gilberto Câmara disse que o Governo Bolsonaro quer “amordaçar” o instituto com medidas como a mudança na divulgação de dados sobre incêndios.

Na última semana, o governo federal anunciou que a atribuição de divulgar alertas sobre incêndios em todo o país passará do Inpe, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, ao Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura.

Segundo integrantes do governo, o Inpe continuará participando do monitoramento como parte do Sistema Nacional de Meteorologia (SNM), que integrará outras instituições federais de meteorologia. Porém, a divulgação de dados passará a ser centralizada no Inmet.

“A criação do SNM é uma cortina de fumaça, fruto do desespero do governo, que está perdendo apoio eleitoral e é pressionado internacionalmente para tomar medidas contra o desmatamento e as queimadas. Com a falta de boas notícias, resolve amordaçar o Inpe, que é um mensageiro independente”, disse Gilberto Câmara em entrevista ao jornal ‘O Globo’.

Na avaliação do ex-diretor, o Inpe “está vulnerável” desde a saída de Ricardo Galvão, que foi excluído da diretoria do órgão em 2019. Segundo Gilberto Câmara, o atual diretor Clezio de Nardin é “tão fraco como o ministro” [Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia].

“Eles não defendem o Inpe, e outros órgãos estão tirando proveito para tomar funções que o instituto desempenha há décadas. O Inmet quer divulgar dados sobre queimadas, mas o que ele sabe sobre isso? Nada. É de um primarismo vergonhoso”, afirmou.

Gilberto Câmara ainda disse temer que o Inpe perca poder sobre outras atribuições, como a divulgação dos dados do desmatamento. Ele citou como fonte de preocupação o fortalecimento do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), que é ligado ao Ministério da Defesa e também integrará o SNM.

“O Censipam já tentou várias vezes assumir esse papel, mas esbarrou em reações. O Censipam diz que tem dados sobre desmatamento, só que ninguém nunca viu. Então, qual é sua credibilidade? As Forças Armadas querem controlar a produção de informações sobre a Amazônia. A questão não é se o Inpe será novamente usurpado, e sim quando isso ocorrerá”, completou.

Gilberto também alertou que a Amazônia está a caminho de bater um novo recorde de desmatamento, contribuindo para o isolamento econômico e diplomático do Brasil, enquanto outros países dedicam cada vez mais protagonismo às discussões ambientais.

“É de pleno desmonte institucional. Considerando a correção monetária, o orçamentário do Inpe, em 2010, era de R$ 487,6 milhões. Hoje, é de R$ 75,8 milhões. A queda começou no governo Dilma, mas as contas ainda eram administráveis. Mas depois veio o teto de gastos aplicado pelo Temer, e agora o Bolsonaro, que reduziu o orçamento de R$ 187 milhões em 2019 para o valor atual. Trata-se de uma crise financeira sem precedentes. Então houve cortes generalizados: perdemos o programa de cooperação espacial com a China, a continuidade dos estudos do satélite Amazônia 1 foi suspenso. Daqui a pouco não haverá luz para pagar a energia e manutenção do supercomputador Tupã (que faz previsão de estiagem e clima)”, disse.