Michigan: governadora Whitmer acusa Trump de incitar supremacistas que tentaram sequestrá-la | Foto: AP

“Grupos de ódio ouviram as palavras do presidente [Trump] não como uma repreensão, mas como um grito de guerra”, afirmou a governadora do Michigan, a democrata Gretchen Whitmer, após operação conjunta entre a polícia estadual e o FBI prender 13 supremacistas brancos que pretendiam sequestrá-la, assassiná-la e ‘tomar o poder’ na capital, Lansing.

“Quando nossos líderes falam, suas palavras são importantes. Elas carregam peso. Quando nossos líderes se encontram, encorajam ou confraternizam com terroristas domésticos, eles legitimam suas ações e são cúmplices. Quando alimentam e contribuem para o discurso de ódio, são cúmplices”, advertiu Whitmer.

Em abril, Trump chegou a convocar seus mínions a “libertarem Michigan”, então sob quarentena, decretada pela governadora quando o Estado era o terceiro pior no país em mortes e casos de Covid.

Na época, grupos supremacistas armados de fuzis de assalto chegaram a invadir o Capitólio [sede do parlamento] de Michigan, contra as medidas de contenção da pandemia em vigor no Estado.

Na semana passada, no primeiro debate presidencial, Trump se recusou a condenar os grupos supremacistas brancos e até se dirigiu publicamente aos ‘Proud Boys’ – uma milícia truculenta – para que “recuassem e ficassem de prontidão”.

As prisões foram anunciadas pela procuradora-geral de Michigan, Dana Nessel, em uma conferência de imprensa, com mandatos executados em Sterling Heights, Belleville, Cadillac, Canton, Charlotte, Clarkston, Grand Rapids, Hartland, Luther, Munith, Orion Township, Ovid, Shelby Township e Waterford Township.

Seis fascistas foram presos por conspiração e terrorismo e sete integrantes da milícia Wolverine Watchmen, todos de Michigan, são acusados de terrorismo, apoio material ao terrorismo, participação em gangue e posse de armas de fogo durante prática de crime.

Em declaração à assembleia estadual, a governadora Whitmer ressaltou que “Trump passou os últimos sete meses ignorando a ciência, dando conforto àqueles que espalham medo, ódio e divisão.”

“Temos um presidente que parece tolerar essas ações”, advertiu Nessel ao MSNBC, citando a convocação dele contra o governo estadual, que foi seguida por invasões de extremistas armados no Capitólio do Estado. As declarações de Trump “não eram um apito de cachorro, mas um comando para a ação”, denunciou.

Pelo menos 3 dos 13 presos participaram da invasão armada do Capitólio de Michigan em 30 de abril.

GRAVAÇÕES

De acordo com a coletiva de imprensa, o FBI inicialmente tomou conhecimento do complô pelas redes sociais, preparou uma operação e cooptou pelo menos dois informantes dentro do grupo. Há gravações de conversas e reuniões.

Foram feitos planos para levar Whitmer para o Estado de Wisconsin, julgá-la por “traição” e executá-la. Os extremistas também planejaram tomar o controle do Capitólio do Estado.

Chegaram a monitorar a casa de férias de Whitmer em duas ocasiões no final de agosto e início de setembro. Prepararam mapas mostrando a localização de delegacias de polícia próximas e quartéis da polícia estadual e calcularam quanto tempo a polícia levaria para responder a uma emergência.

Nos preparativos, um dispositivo explosivo improvisado chegou a ser detonado e testado. O plano era usá-lo em caso de perseguição policial, após o sequestro da governadora. Também foi adquirido um taser de 800.000 volts.

As acusações incluem preparativos para atacar e matar policiais envolvidos na proteção de Whitmer ou na aplicação da quarentena no Estado.

“Todos nós que estamos aqui hoje queremos que o público saiba que as forças de segurança federais e estaduais estão empenhadas em trabalhar juntas para garantir que extremistas violentos nunca tenham sucesso com seus planos, especialmente quando visam nossos líderes devidamente eleitos”, afirmaram os procuradores federais Matthew Schneider e Andrew Birge.

“Todos nós em Michigan podemos discordar sobre política, mas essas divergências nunca, jamais, devem equivaler à violência. A violência foi evitada hoje”, reiterou Schneider.

O agente especial assistente do FBI, Josh Hauxhurst, também disse que a “missão principal do FBI é proteger o povo americano e defender a Constituição”.

Declarações que contrastam com as repetidas declarações de Trump ameaçando desconhecer o resultado das eleições de 3 de novembro se não for reeleito. Os conspiradores fascistas planejavam atacar Whitmer pouco antes da eleição.

Nos últimos dias, além de sua incitação aos grupos supremacistas contra manifestantes e exortações contra a ‘fraude no voto pelo correio’, Trump chegou até mesmo a conclamar seu ministro da Justiça, ‘procurador-geral’, no jargão político norte-americano, William Barr, a prender Joe Biden, Barack Obama e Hillary Clinton.

As prisões e os comentários de Whitmer ocorreram menos de um mês antes da eleição presidencial em um Estado de campo de batalha importante, onde pesquisas recentes mostram Biden na frente.

Whitmer afirmou ainda que “ódio, intolerância e violência não têm lugar no grande Estado de Michigan”.

Dirigindo-se aos extremistas que permanecem na sombra, ela advertiu que “se você infringir a lei ou conspirar para cometer atos hediondos de violência contra alguém, nós o encontraremos, responsabilizaremos você e levaremos à justiça.”

Trump parecia não estar ciente da iminência da investida da lei contra os supremacistas de Michigan. Poucas horas antes de o FBI e as tropas estaduais começarem a prender os fascistas, Trump estava no Twitter elogiando a decisão da semana passada da Suprema Corte do Estado de Michigan, que considerou ‘inconstitucional’ lei de 1945 – isso mesmo, de 1945! – sob a qual Whitmer emitiu as ordens de quarentena no auge da pandemia.

Sob cujas ordens a epidemia recuou em Michigan, que de terceiro pior passou a 17º em casos de coronavírus e 10º em mortes.

Como pelo menos dois outros Estados chegaram a ser alvo das tuitadas ‘libertadoras’ de Trump – Virgínia e Minnesota -, não se sabe se outros grupos de débeis mentais se acharam intimados à ação.

Segundo registrou a agência de notícias Associated Press, o esquema desbaratado em Michigan envolveu “meses de planejamento e até ensaios” para sequestrar a governadora Whitmer de sua casa de praia.

Os dois grupos treinaram juntos e planejaram “vários atos de violência” para deter o que chamavam de “poder fora de controle” de Whitmer (as medidas anticoronavírus).

Na quarta-feira, dia das prisões, quatro dos seis principais acusados, se encontraram para “pagar pelos explosivos”. Os seis acusados em corte federal podem pegar até prisão perpétua. Os outros sete, levados a uma corte estadual, estão sujeitos a sentenças de 20 anos.

Os principais fascistas presos foram identificados como Paul Bellar, 21, de Milford; Shawn Fix, 38, de Belleville; Eric Molitor, 36, da Cadillac; Michael Null, 38, de Plainwell; William Null, 38, de Shelbyville; Pete Musico, 42, e Joseph Morrison, 26, que moram juntos em Munith. Musico e Morrison são fundadores da milícia Wolverine Watchmen.

Já Trump, de volta ao Twitter, asseverou que “meu Departamento de Justiça e as autoridades federais” frustraram uma “perigosa conspiração” contra a governadora Whitmer. “Em vez de agradecer, ela me chama de Supremacista Branco”, encenou Trump, para depois acusar Biden e os democratas por “não condenarem saqueadores e turbas que queimam cidades administradas pelos democratas”.

Depois de se deixar trair no debate por sua própria convocação às milícias de “recuem e fiquem de prontidão” e de seus elogios aos Proud Boys, Trump asseverou não tolerar “NENHUMA violência extrema”.

Trump também criticou Whitmer, dizendo que ela fez um “trabalho terrível” diante da pandemia e deveria abrir o Estado – no Michigan a quarentena já está suspensa, mas persistem o uso de máscara facial e as normas de distanciamento.

Por todo o país, grupos de fascistas, mais conhecidos como ‘supremacistas brancos’ por sua raiz racista, se reúnem periodicamente para realizar treinos de disparo de armas e treinamento tático em áreas remotas, em preparação para o que passou a ser chamado de ‘preparação para o ‘boogaloo’. Termo como se referem em seu desvario a um ‘levante contra o governo’ ou uma ‘guerra civil iminente’.

Desde meados da década de 1990, sabe-se da existência desses grupos paramilitares em Michigan. Eles usavam rádio de ondas curtas, boletins informativos e conexões iniciais de internet para espalhar uma mensagem de resistência ao que eles afirmavam ser uma conspiração para impor um governo mundial e tomar as armas de fogo.

Como registrou a AP, esses grupos ganharam notoriedade após relatos de que Timothy McVeigh e Terry Nichols, condenados pelo atentado a bomba contra o prédio federal de Oklahoma City em 1995, haviam se encontrado com integrantes das milícias de Michigan.

“Esse velho mundo da milícia ainda está lá”, disse J.J. MacNab, do Programa sobre Extremismo da Universidade George Washington, que monitora grupos extremistas. Desde os atos no Capitólio de Michigan contra as ordens de quarentena de Whitmer, acelerou-se o recrutamento para esses grupos, acrescentou.