Após ter governado o país por 13 anos, vencer as eleições presidenciais de outubro e ser deposto por um golpe, o candidato do Movimento Ao Socialismo (MAS) liderava com folga a votação ao Senado por Cochabamba
No final da noite da quinta-feira (20), junto ao Dia das Comadres na Bolívia, véspera de Carnaval, o representante do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Salvador Romero, nomeado pela ditadura de Jeanine Áñez, anulou a candidatura do ex-presidente Evo Morales ao Senado pelo departamento (estado) de Cochabamba nas eleições de 3 de maio.
O mais insólito e estapafúrdio foi o “argumento” utilizado pelo TSE golpista para a eliminação: o de que Evo não atenderia o requisito de “residência permanente” na circunscrição eleitoral pela qual seria candidato, se esquecendo que para não ser assassinado ou preso se encontra fora do país.
Do ponto de vista estritamente legal, o Movimento Ao Socialismo (MAS) comprovou que o líder boliviano apresentou sua candidatura a senador pela região de Cochabamba, onde iniciou sua carreira política como deputado, em 1997, e votou sucessivamente até as últimas eleições, em outubro de 2019. Urnas que lhes deram uma ampla vitória, no primeiro turno, como pude comprovar, mas que um golpe policial-militar made in USA, ao custo oficial de 36 mortes, centenas de presos e feridos, busca ignorar.
Indicado por Áñez, Romero “desconsiderou” olimpicamente que o exilado, desde que renunciou em 10 de novembro, foi acolhido fraterna e solidariamente pelos povos mexicano e argentino mas é imbatível junto aos seus. Sob o mesmo cínico pretexto foi vetada a candidatura do seu ex-chanceler, Diego Pary, que também liderava com folga a vaga de senador pelo departamento de Potosí.
Para o candidato do MAS à Presidência, Luis Arce, “a decisão política do TSE de inabilitar Evo Morales e Diego Pary como candidatos ao Senado evidencia que não há garantias para eleições livres, democráticas e justas na Bolívia. Condenamos esta ação”. Com praticamente o dobro das pesquisas de intenção de voto, Arce assinalou que “apesar das ilegais impugnações do TSE aos nossos irmãos candidatos ao Senado, o povo boliviano terá o desafio de expressar o seu desejo de ter um país estável, com crescimento econômico e justiça social em 3 de maio”.
Na avaliação da ex-presidente do Senado, Adriana Salvatierra, afastada pelo atual desgoverno, “a inabilitação de Evo é um dos tantos esforços para proscrever e anular não somente a liderança popular mais importante do país, mas o projeto político que transformou a vida dos bolivianos”. “Enquanto houver restrições, não poderemos falar de democracia”, sublinhou Salvatierra.
Para Dolores Arce, referência da luta pela democratização da comunicação e ex-diretora-executiva do Centro de Educação e Produção Radiofônica da Bolívia (Cepra), o nome de quem ocupa atualmente o Tribunal Eleitoral o desautoriza. “Salvador Romero é afim de Carlos Mesa (candidato que perdeu as eleições para Evo e que está em segundo lugar nas pesquisas), pertencente à velha escola neoliberal, quando ainda era Corte Nacional Eleitoral, de mentalidade e confiança dos partidos de direita. Agora foi nomeado por Añez, assim como os demais membros, para fazer seu jogo. Está delineado o quadro”, condenou.
Junto com uma forte atenção e mobilização dos bolivianos, esclareceu Arce, que comandou as Rádios dos Povos Originários (RPOs) do Ministério da Comunicação do governo Evo, “há uma estratégia muito amarrada pelo dinheiro dos Estados Unidos, como o bem demonstra o fato do Tribunal Eleitoral ter contratado uma empresa norte-americana para acompanhar o nosso pleito”.
Sintetizando a prescrição, o ex-presidente descreveu: “a decisão é um golpe contra a democracia e queremos uma eleição limpa e transparente. Os membros do Tribunal sabem que cumpro com todos os requisitos para ser candidato. Podem fazer o que queiram comigo, mas não a proscrição do MAS e a destruição da democracia”.
A defesa de Evo anunciou que, em primeiro lugar, irá apelar ante o Tribunal Constitucional da Bolívia, ao mesmo tempo em que apresentará um recurso diretamente à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que terá de se pronunciar com urgência pois o líder “reúne todos os requisitos jurídicos para ser candidato a senador”. O fato, esclareceram os advogados, “é que qualquer proscrição de Evo Morales às suas aspirações ao cargo de senador será interpretada como um degrau a mais das autoridades ditatoriais”.
Para o advogado Raúl Gustavo Ferreyra, é preciso estar alerta já que “esse Estado de não direito leva adiante os passos encaminhados rumo à fraude eleitoral”.