Poeta e histórica ativista da Frente Sandinista, Belli condenou a perseguição a opositores

“O presidente Daniel Ortega passou por cima de seus princípios, perdeu todos os escrúpulos e já não tem mais como conservar o poder a qualquer custo”, afirmou a renomada poeta e romancista nicaraguense Gioconda Belli, condenando a onda de perseguições em curso no país.

Em entrevista nesta quarta-feira (23) à agência AP, Belli lamentou que Ortega tenha mandado prender recentemente cinco candidatos à presidência em 7 de novembro e a outros 11 representantes da oposição, embora organismos internacionais e governos – como o da Argentina e do México – tenham solicitado reiteradamente a garantia de um processo eleitoral livre e transparente.

Destacada militante da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) de 1970 a 1994, Gioconda Belli denunciou que a Polícia invadiu na semana passada a residência de seu irmão, o empresário oposicionista e ex-ministro da Educação, Humberto Belli, que precisou sair às pressas do país. “Isso foi terrível, eles ameaçaram estuprar minha sobrinha. Eles submeteram a ela e sua mãe a um estado de terror. Foi uma vingança porque meu irmão escapou”, explicou.

Na avaliação da poeta, Ortega ficou “profundamente traumatizado” com a derrota para Violeta Chamorro em 1990 e agora simplesmente ignora todas as críticas porque “não está disposto a perder o poder”. “Jamais pensei que voltaria a ver uma ditadura em meu país”, acrescentou.

Membro da FSLN na luta contra o regime de Anastasio Somoza, quando ainda era uma organização clandestina, Belli foi correio clandestino, transportou armas, viajou pela Europa e a América Latina captando recursos e popularizando a luta sandinista. Membro da Comissão Político-Diplomática da FSLN, foi fundadora do suplemento literário do diário sandinista Barricada. Venceu entre outros prêmios literários, o de Poesia da Casa das Américas, em 1978; o de Conto Infantil do Semanário Die Zeit, em 1992; e o Hispano-americano de novela, em 2010.

Para Cristian Tinoco, filha do histórico ex-comandante guerrilheiro preso, Víctor Hugo Tinoco, o partido foi “sequestrado por Ortega e nele se faz apenas o que é dito por ele e sua esposa Rosario Murillo”.

Víctor Hugo Tinoco lutou ao lado de Ortega contra a ditadura somozista, mas agora, como outras lideranças históricas, está na oposição. Há 10 dias foi detido, acusado de “conspiração”, da mesma forma que os demais. “Eu somente peço a Deus que me dê vida ver meu pai livre”, declarou Cristian, doente de câncer.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) denunciou que o regime nicaraguense entrou em uma “nova fase de repressão”, diante do que solicitou à Corte Interamericana de DH, o órgão judiciário do bloco regional, proteção a quatro opositores em “extrema situação de risco”.

A presidenta da CIDH, Antonia Urrejola, apontou os casos de Violeta Granera e José Adán Aguerri, e os candidatos à presidência Juan Sebastián Chamorro e Félix Maradiaga, também presos nas últimas semanas. Por meio de um comunicado a CIDH solicitou amparo a esses opositores e seus familiares, uma vez que suas vidas e integridade correm perigo.

Em sua última aparição pública, Ortega alegou que os oposicionistas presos não são candidatos nem políticos, mas “criminosos” que atentaram “contra a segurança do país ao tratarem de organizar um golpe de Estado”.