O jornalista Chris Hedges diz que sofrimento imposto a Assange expõe colapso do Estado de Direito nos EUA 

Em artigo que intitulou “A execução de Julian Assange”, Chris Hedges, jornalista norte-americano que é vencedor do principal prêmio jornalístico do país, o Pulitzer, expôs de forma candente o estupro às normas legais cometido pela Alta Corte de Londres, ao ceder a extradição para os EUA do jornalista e fundador do WikiLeaks Julian Assange – para ser entregue a um calabouço da CIA -, usando como folha de parreira jurídica garantias absolutamente ocas e mentirosas.

A verdadeira “cabala de assassinos” se esconde atrás da farsa judiciária encenada por juízes corpulentos de toga e peruca, “proferindo os absurdos legais de Alice no País da Maravilhas”, escreveu Hedges.

Uma fraude completa em que, depois de acatar as conclusões da primeira instância sobre o aumento do risco de suicídio de Assange e as condições desumanas das prisões dos EUA, os togados asseveraram que tudo se resolvia com a “Nota Diplomática dos EUA número 74”, que supostamente ofereceria “garantias” de que o jornalista seria “bem tratado”- e anularam as conclusões do tribunal inferior.

Uma decisão que “não teria obtido aprovação em um curso de direito do primeiro semestre”, assinalou Hedges. “A locomotiva judicial contra Assange, que eviscerou uma norma legal após outra, transformou, como escreveu Franz Kafka, ‘a mentira em um princípio universal’”, acrescentou.

Aos togados da corte vassala bastou garatujar que “não há razão para que este tribunal não aceite as garantias como significando o que dizem”. De novo: “não há base para presumir que os EUA não deram as garantias de boa fé”.

Isso, apesar de dez anos de perseguição abjeta contra Assange, notória operação de assassinato de reputação com conivência de juristas de dois países, espionagem dentro do local de asilo por proxy da CIA, complô notório para sequestrá-lo ou matá-lo discutido nos altos escalões da CIA, ameaça da então secretária de Estado Hillary Clinton de mandar silenciá-lo com um drone, e a operação de mudança de regime no Equador, parida na Casa Branca de Trump. Também a ‘testemunha’ comprada – por quem ?- e confessadamente mentirosa.

“Nenhuma das ‘garantias’ oferecidas pelo Departamento de Justiça de Biden (DoJ) vale o papel em que estão escritas”, enfatiza Hedges. “Todas vêm com cláusulas de escape. Nenhuma é juridicamente vinculativa”.

“Caso Assange faça ‘algo subsequente à oferta dessas garantias que atenda aos testes para a imposição de SAMs ou designação para ADX’, ele estará sujeito a essas medidas coercitivas. E você pode ter certeza de que qualquer incidente, não importa o quão trivial seja, será usado, se Assange for extraditado, como uma desculpa para jogá-lo na boca do dragão”.

“Dean Yates pode lhe dizer quanto valem as ‘garantias’ americanas”, relata Hedges. “Ele era o chefe do escritório da Reuters em Bagdá na manhã de 12 de julho de 2007, quando seus colegas iraquianos Namir Noor-Eldeen e Saeed Chmagh foram mortos, junto com outros nove homens, por aeronaves Apache do Exército dos EUA. Duas crianças ficaram gravemente feridas”.

“O governo dos Estados Unidos passou três anos mentindo para Yates, Reuters e o resto do mundo sobre os assassinatos, embora o exército tivesse evidências em vídeo do massacre cometido pelos apaches durante o ataque. O vídeo, conhecido como vídeo do Assassinato Colateral, vazou em 2010 por Chelsea Manning para Assange. Pela primeira vez, aqui estava a prova de que os mortos não estavam, como o exército insistia repetidamente, em tiroteio. Ele expôs as mentiras dos Estados Unidos de que não foi possível localizar o vídeo e nunca tentou encobrir os assassinatos”.

“Os tribunais espanhóis podem lhe dizer quanto valem as “garantias” dos Estados Unidos. A Espanha recebeu a garantia de que seu cidadão David Mendoza Herrarte, se extraditado para os Estados Unidos para ser julgado por tráfico de drogas, poderá cumprir sua pena de prisão em seu país. Mas, por seis anos, o DoJ recusou repetidamente os pedidos de transferência espanhóis, cedendo apenas quando o Supremo Tribunal espanhol interveio”.

“As pessoas no Afeganistão podem dizer quanto valem as ‘garantias’ dos EUA. Oficiais militares, de inteligência e diplomáticos dos EUA sabiam por 18 anos que a guerra no Afeganistão era um atoleiro, mas declararam publicamente, repetidamente, que a intervenção militar estava progredindo continuamente”.

“As pessoas no Iraque podem dizer quanto valem as ‘garantias’ dos EUA. Eles foram invadidos e sujeitos a uma guerra brutal baseada em evidências fabricadas sobre armas de destruição em massa”.

“O povo do Irã pode dizer a você quanto valem as ‘garantias’ dos EUA. Os Estados Unidos, nos Acordos de Argel de 1981, prometeram não interferir nos assuntos internos do Irã e então financiaram e apoiaram a Organização Mujahedin do Povo do Irã, um grupo terrorista baseado no Iraque e dedicado a derrubar o regime iraniano”.

“Pergunte às tribos dos EUA”

“O número de tratados, acordos, acordos, promessas e ‘garantias’ feitas pelos EUA em todo o mundo e subsequentemente violados é muito grande para listar. Centenas de tratados assinados apenas com tribos nativas americanas foram ignorados pelo governo dos Estados Unidos”.

“Os milhares de pessoas torturadas em prisões negras globais dos EUA podem dizer o que valem as ‘garantias’ dos EUA. Os oficiais da CIA, quando questionados pelo Comitê Seleto de Inteligência do Senado sobre o uso generalizado de tortura, destruíram secretamente fitas de vídeo de interrogatórios, enquanto insistiam que não havia ‘destruição de provas’”.

Crimes expostos

Assange, como registrou Hedges, “expôs o império como uma empresa criminosa, documentou suas mentiras, seu cruel desprezo pela vida humana, sua corrupção desenfreada e seus inúmeros crimes de guerra”.

“Com um custo pessoal tremendo, nos avisou. Ele nos deu a verdade. Agora a classe dominante o está crucificando por essa verdade. E com sua crucificação, as luzes fracas de nossa democracia se apagam”, advertiu.

No artigo, Hedges também fez questão de nomear os algozes de Assange: “Joe Biden. Boris Johnson. Scott Morrison. Theresa May. Lenin Moreno. Donald Trump. Barack Obama. Mike Pompeo. Hillary Clinton. Lord Chief Justice Ian Burnett e Lord Justice Timothy Victor Holroyde. Promotores James Lewis QC, Clair Dobbin QC e Joel Smith. Juíza Distrital Vanessa Baraitser. Advogado assistente dos Estados Unidos no Distrito Leste de Virginia Gordon Kromberg. William Burns, diretor da CIA. Ken McCallum, diretor geral do MI5”.